A contracção das despesas do Estado em serviços públicos por força das políticas de ajustamento pré-empacotado impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial como condição para abertura de linhas de crédito e credibilidade financeira junto dos investidores externos vem, pelo menos, desde os anos 80 e atravessou países como o México, o Brasil, Rússia, Indonésia ou a Argentina, os quais foram, durante vários anos, protectorados destas instituições saídas de Bretton Woods.
Não deixa de ser curioso verificar que, ainda que a estes elementos do clube de Washington se tenham juntado reguladores europeus - a Comissão e o Banco Central Europeu -, o receituário pouco se alterou. Tal como no passado, o financiamento das despesas do Estado em serviços públicos transita para a responsabilidade do utilizador/pagador, aumentando a disciplina financeira e os cortes nos encargos de funcionamento das entidades públicas - administrativas e empresariais -, responsáveis pela sua gestão, por via do Orçamento de Estado. O aumento da carga fiscal - particularmente incidente sobre a classe média - procura suster os défices congénitos gerados por um Estado Social insustentável.
Se este processo se realiza com naturais cautelas em áreas vitais para o equilíbrio social do país, noutras funções menos estruturantes da acção do Estado os condicionalismos do ajustamento económico tendem a imperar na agenda política para alcançar os compromissos firmados com os credores (leia-se troika), pelo que seria expectável o desporto e a juventude terem sido as primeiras áreas anunciadas para os cortes na despesa. Primeiro, no anterior governo com os cortes no financiamento às federações desportivas. Depois, já com o actual executivo, através da reorganização dos serviços administrativos do Estado nestes sectores, cujos objectivos a alcançar foram tudo menos esclarecidos pelo SEDJ na recente entrevista televisiva ao Hoje.
O financiamento público - estatal, regional e municipal - sustentou uma certa inércia proteccionista de um sistema desportivo que atavicamente depende, quase em exclusivo, dessa fonte para a sua subsistência. De súbito, sem tal respaldo, e com a debandada de alguns patrocinadores, noticiam-se quadros financeiros insuportáveis para os orçamentos federativos. Vender mega eventos, ou bater à porta dos gabinetes políticos não têm a eficácia do passado, muito menos agora quando se tornam públicos cenários que debilitam a credibilidade das instituições da administração pública desportiva. Resta a inevitável receita. Onerar o utilizador. Neste caso, aumentando as despesas de inscrição de atletas e equipas em competições federadas ou em serviços desportivos (aqui o Estado até deu um empurrão com o aumento do IVA).
O leitor interessado no exercício poderá, numa breve consulta electrónica, verificar o aumento - não despiciendo em várias modalidades em relação à época desportiva anterior - nos encargos em inscrições e despesas administrativas com a participação em competições. Se considerarmos que o cenário recessivo também afecta clubes e associações, e, em ultima instância, praticantes e demais agentes desportivos, estamos perante a tempestade perfeita, para fazer uso da oportuna descrição de Roubini.
Neste contexto, o desafio ao nível do financiamento público, mas também no âmbito associativo e federativo, passa por tomar opções em torno de soluções que valorizem e potenciem os recursos escassos aplicados e penalizem os desperdícios. E neste processo não basta uma cultura de maior exigência, controlo, responsabilidade e fiscalização. È inevitável ir-se mais além e efectuar-se uma selecção, fazer escolhas, por certo dolorosas, e definirem-se prioridades. Não chega apenas limpar a gordura e reduzir acriticamente as verbas disponíveis a um mero plafonamento percentual, ao ajuste entre receita e despesa, ou à diversidade de suportes financeiros.
Hoje, tal como no passado, a sustentabilidade e o auto-financiamento são critérios inconsequentes para mudar de trajectória sem um principio de legitimidade que os oriente e lhes confira um sentido. Sem isso não passam de meras práticas de boa gestão pública. Na situação que o país desportivo atravessa dir-se-ia que alcançar tal propósito já seria satisfatório.
Porém, deve-se exigir mais num quadro onde o esforço solicitado ao cidadão/praticante está próximo do seu limiar. A legitimidade na gestão dos recursos públicos - em qualquer nível da administração e afectos a qualquer tipo de entidade, publica, empresarial ou associativa - assenta na capacidade de promoverem desenvolvimento, ou seja, garantirem simultaneamente um crescimento sustentado dos indicadores desportivos de referência na sua esfera de intervenção (praticantes, resultados de excelência alcançados, qualificação dos agentes desportivos, rentabilização social, desportiva e económica de instalações desportivas, etc.) com a transformação estrutural do sistema desportivo, quer a nível local e nacional, mas fundamentalmente na sua projecção fora de portas.
Reside neste escrutínio o critério primordial para se encontrarem soluções de futuro e olhar de frente a tempestade, onde o “fazer mais com menos” não se esgote no imediatismo de um livro de boa contabilidade a apresentar aos credores, visando apenas minorar os danos da borrasca sem mudar de rota.
Saber porque se faz e para que se faz é hoje mais decisivo que nunca. Convém não confundir os meios com os fins.