quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A mão que embala o berço

A avaliação final do Programa de Preparação Olímpica 2005-2012, tornada pública recentemente, acolhe exemplos de costumes cristalizados na relação entre uma estrutura social - neste caso o Movimento Olímpico - e o Estado, em sociedades de níveis elementares de capital social e dinâmica cívica.

A começar pela concepção de um processo de avaliação e a quem este se destina. Na óptica do Comité Olímpico de Portugal (COP): “As coisas não devem apenas ser avaliadas pelo que são, mas também por aquilo que poderão vir a ser um dia”, e “destina-se prioritariamente às federações desportivas e demais agentes que tornaram possível a realização do Programa”. Paradigmático.

Com efeito, e como convém a qualquer auto-avaliação, coligem-se os dados em torno de uma perspectiva que realce a boa gestão do programa, e assim, naturalmente, se concluir que “O resultado de Portugal nos Jogos Olímpicos de Pequim de 2008 foi o melhor de sempre”.
Claro que o tratamento dos dados pode ser efectuado em múltiplas perspectivas, consoante as dimensões de análise passíveis de se construir. Sobre este tema pode-se recolher outra informação e cruzar outros dados que chegam a conclusões diametralmente opostas.

No entanto, e à margem dos exercícios de análise de dados que se pretendam efectuar - sempre úteis e valorizadores na aferição do nosso desenvolvimento desportivo - os parâmetros de avaliação foram previamente definidos e contratualizados entre o Estado e o COP, conforme já se deu nota neste blogue, pelo que é incontornável deixar de constatar que os resultados obtidos pela participação portuguesa “ficaram aquém do conjunto de objectivos quantificados no contrato-programa n.º 48/2005, impostos pelo Estado

Ficamos aqui a saber que para o COP “devem ser estabelecidos objectivos, a sua quantificação ou não compete ao Estado” o que representa uma mudança face a declarações dos seus dirigentes pós-Pequim a sustentar a aleatoriedade dos resultados desportivos para inviabilizar a definição de objectivos. Neste atávico costume o desporto não inova, mas acompanha hábitos de longa data, a gestão sem objectivos, ou a gestão sem objectivos quantificáveis. Resta saber se o COP, uma vez definidos os objectivos, considera que assinar um contrato programa com o Estado representa alguma forma de comprometimento com eles.

Depois, claro que nem tudo correu bem. É preciso diagnosticar as falhas e apontar medidas para as colmatar. E aí o suspeito do costume assume o ónus primordial nestes dois momentos. O Estado e a sua Administração Pública Desportiva!
Atrasos na disponibilização das verbas, obrigatoriedade da devolução de comparticipações e condicionalismos dos mecanismos de execução orçamental são reiteradamente apontados na avaliação.

Candidamente o COP esperava que o Estado, de súbito, resolvesse problemas de décadas na gestão do financiamento público desportivo? Que no desporto fosse aquilo que não tem sido em outros sectores? Um bom e atempado pagador? Ainda assim a acção do Estado em garantir as melhores condições de preparação aos nossos atletas deve ser assinalada. Várias foram as medidas tomadas nesse sentido pelas diferentes colorações políticas que nos governaram durante o período em apreço.

É razoável assumir a execução orçamental e o financiamento do programa como o ponto fulcral do relatório de avaliação, e exigir mais eficácia do Estado no cumprimento das suas obrigações nesta matéria? Até se pode admitir. Mas resume-se a avaliação de um programa unicamente a este factor crítico?

Os 80% de atletas de nível I, II e III que não obtiveram resultados de acordo com o seu nível desportivo devem o seu insucesso apenas às contingências de financiamento do Estado?

Cabendo ao COP “a responsabilidade de planear, gerir, acompanhar e avaliar o Programa de Preparação Olímpica” é, de todo em todo, sintomático da mentalidade que dá forma aos padrões de concepção da gestão dos dirigentes responsáveis por este e outros programas de interesse público desportivo, que o esforço financeiro para a sua concretização recaia na sua quase totalidade sobre o Estado.

É revelador o ênfase na “crescente autonomia das organizações desportivas…” e se reclame, simultaneamente, que “seja atenuado o distanciamento da Administração Pública desportiva das realidades e necessidades dos agentes desportivos…” recomendando para o futuro mais e mais recursos públicos no apoio aos programas olímpicos.

Nesta perspectiva, não é de estranhar que “pela primeira vez, nenhuma grande sociedade financeira ou empresa pública foi parceira do COP, em termos de mecenato, o que eventualmente proporcionaria que todos os desportos e atletas beneficiassem transversalmente do financiamento com esta origem e natureza”. Querem ver que esta responsabilidade também é do Estado!?

A sustentabilidade de um programa olímpico sem relevante envolvimento e financiamento privado é preocupante, mas não tanto como o que está a montante e compromete o futuro de um subsistema desportivo onde os seus responsáveis não gerem ou lideram, mas apenas dirigem em navegação à vista, aprisionados na passividade expectante de um quadro de valores anquilosado que se orienta face às políticas e programas públicos a reboque da agenda dos poderes políticos. Limitando-se a esperar e reagir, para depois reclamar. Desde há muito preferindo ser sujeito a actor das políticas.

Neste cenário pavloviano, onde a iniciativa e mobilização empreendedora são um bem escasso, saltam à tona as limitações de quem dirige nos momentos onde é necessário olhar, criticar e reflectir, em amplitude e prospectiva, no âmbito da sua autonomia organizacional, sobre as estratégias, planos e responsabilidades na condução de um projecto de desígnio nacional, apontando linhas de orientação, prioridades e critérios de selectividade e diferenciação, estruturados num documento com uma visão de futuro submetido ao escrutinio e participação dos diversos corpos sociais.

7 comentários:

Anónimo disse...

Caro João ALMEIDA

Tudo certo.

É como as previsões meteorológicas.
Só depois é que sabemos o tempo certo.

Assim as previsões medalhísticas.

E ainda ninguém incriminou o Instituto de Meteorologia, com tantos desacertos.

O homem é uma máquina falível.

José Correia disse...

O Relatório do COP de 2005-2012: discutir ou esquecer?

O Relatório agora apresentado pelo COP sobre o Projecto de 2005-2012 para o desporto de competição olímpica em Portugal mereceria uma ampla discussão e análise em evento específico que bem poderia ser – deveria mesmo ser – uma Conferência numa Universidade ou Escola Universitária ligada ao Desporto para a qual fossem convidados académicos, dirigentes e os próprios órgãos do Comité Olímpico de Portugal e da Administração Pública Desportiva como o IDP e mesmo representantes qualificados da Secretaria de Estado da Juventude e Desporto.

Porque aquele Relatório é um insubstituível e ímpar elemento documental sobre o qual e a partir do qual se podem e devem discutir os objectivos e os processos de organização, planeamento e gestão, mesmo de governação, do nosso desporto de competição olímpico.

Mais até, sobre todo o nosso sistema desportivo, o que incluiria a própria discussão sobre o conteúdo, a eficácia e eficiência das próprias políticas públicas desportivas que têm tradução destacada no Programa de Preparação dos Jogos Olímpicos agora sob jurisdição plena do nosso Comité Olímpico.

Talvez das parcelas do Relatório que mais mereceriam essa discussão e análise aprofundadas, e devendo ser feita por intervenientes não apenas interessados mas sobretudo produtores de conhecimento sobre o desporto, é aquela em que o COP apresenta as respectivas conclusões/recomendações. Porque nestas estão consubstanciadas as linhas de diagnóstico do que funcionou bem e também daquilo que seria necessário modificar, criar de novo, inventar, quer em matéria de sistemas de organização quer de métodos e processos.

E aqui apetece-me destacar pela sua estranha novidade aquela afirmação do Relatório em que o nosso COP reconhece que o Reino Unido deve ser o exemplo a seguir na Europa em matéria de organização e gestão do desporto escolar e universitário.

Será que esta afirmação – que eu particularmente me tenho desunhado em defender com apresentações várias das políticas desportivas do Reino (ver site do Fórum Olímpico de Portugal e o meu BLOG pessoal) – é mesmo para levar com a devida seriedade?

É que se assim for vamos ter de ver o COP empenhado rápida e finalmente em garantir o estudo detalhado e devidamente comunicado das experiências da governação desportiva do Reino Unido, criando grupos de trabalho e estudo sobre essas experiências que são vastíssimas e têm um manancial de informação e documentação que começa na década de 60 do século vinte.

Ou será que esta vistosa (mas acertada quanto a nós) afirmação e reconhecimento é apenas para português ver/ler e não terá qualquer consequência – ficará votada ao abandono e cairá no “túnel do esquecimento”.

Vamos então aproveitar na Universidade para debater este Relatório do COP, convidando os próprios órgãos desse Comité, para se tirarem lições e se discutirem caminhos de desenvolvimento do desporto, já que certamente no Conselho Nacional do Desporto esta oportunidade será completamente esquecida como é mais que provável – ali como se vê das agendas das respectivas reuniões só se têm discutido os vários diplomas legais e os problemas imensos do futebol.

Quanto ao resto do desporto, das políticas de desenvolvimento desportivo, daquilo que é possível ver-se e saber-se, naquele Conselho Nacional é zero.

E obviamente há, isso sim um grande e estridente coro em uníssono – de que os jornais desportivos e os outros media vão amplificando – a suspirar por um Mundial de futebol lá para 2018, servindo a estratégia de afirmação e poder da Espanha, como convém aos veneradores e obrigados (“governantes madailizados”, recentemente convertidos à causa seja lá qual ela for!).

J. Pinto Correia

Anónimo disse...

O artigo do João Correia é de facto notável e põe o dedo na ferida...

É urgente que o COP constitua um grupo de trabalho/reflexão sobre o desporto no Reino Unido. Se o não fizer, é porque não estava a falar a sério no seu Relatório.

Se o fizer - como se espera - esperamos que tenha a decência mínima de convidar, para o integrar, o José Pinto Correia, até porque ele já tem vindo a estudar o desporto na Grã-Bretanha.

Se tal for feito ganha o Pinto Correia e, consequentemente, o País!!!!

Força, COP!! Força!! Allez! Allez!!! Não queirão cair no "túnel do esquecimento" (é um mau túnel...).

Anónimo disse...

Para ser igual ao Reino Unido era preciso que:

1. o sistema político fosse igual
2. o sistema desportivo fosse igual
3. o PM funcionasse como o do UK
4. o sistema económico o igualasse
5. o sistema financeiro id. aspas
6. o sistema nevrótico luso se convertesse em sistema fleumático
7. a mentalidade a igualasse
8. os instrumentos mentais e materiais de apoio sofressem as conversões necessárias para chegar aos calcanhares da velha Albion.

Deixo aos outros comentadores as duas condições que faltam para chegarmos aos dez mandamentos que, como se sabe, também são para não serem respeitados.

Anónimo disse...

Com a excepção russa e outras mais, ontem a humanidade celebrou a eleição de uma esperança para o seu futuro.
Tem um nome: Barak Obama.
Pertence à Geração X

É uma eleição tão significativa como foi para nós o 25 de Abril de 1974.

No 25 de Abril havia vários nomes.
Depois cada um seguiu o seu rumo.

O mundo também seguirá os seus rumos e a efeméride perdurará.


O COP não tem horizontes vastos, como se concluirá à medida que a história se for fazendo.

Os seus 100 anos serão um momento de afiar e treçar de facas.
Pobre desporto português!

Anónimo disse...

"Estamos ausentes da nossa própria realidade... é o português mais dotado do que ninguém para viver de imagens, mitos, sugestões, delirante curiosidade por tudo quanto vem de fora."

Eduardo Lourenço
O Labirinto da Saudade. Psicanálise Mítica do Destino Português
publicações dom quixote
Lisboa, 1978, p. 70

Anónimo disse...

Outras pessoas como Mário Soares também se referiram positivamente a Obama... referir-se-ia a eles Eduardo Lourenço?

Não sei em que categoria colocar quem cita Eduardo Lourenço.

Se como Putin, o Hamas, que já expressou as suas dúvidas, ou para sempre isolado como quereria Salazar.

Seria uma ajuda para o COP saber que existem pessoas capazes de dar publicamente o seu nome para promoverem o modelo actualmente prosseguido.

Defender o COP anonimamente mostra uma convicção baixa no futuro que se oferece.