sexta-feira, 12 de março de 2010

Uma herança verde

Quando se aborda o legado de um grande evento desportivo, ou se pretende projectar uma realização deste tipo, é comum associar aos aspectos de ordem desportiva elementos de cariz económico (emprego, promoção turística, atracção de investimento, etc.) para fundamentar posições favoráveis ou desfavoráveis a esse propósito. Não é necessário grande esforço de memória para recordar que também por cá foram estes os argumentos invocados, que se juntaram ao sempiterno prestígio nacional, quando se pretendeu discutir a organização deste tipo de competições.

Porém, a preparação dos recentes Jogos Olímpicos de Inverno e do jogos de Londres trouxeram para a ordem do dia o planeamento urbano e a eficiência ambiental como factores críticos na avaliação da sustentabilidade destes eventos desportivos. A sustentabilidade, para além de vectores económicos, cruza também dimensões sociais e ambientais.

É certo que a partir do congresso olímpico do centenário de 1994 em Paris o ambiente juntou-se na Carta Olímpica ao desporto e à cultura como o 3.º pilar do olimpismo e, desde essa ocasião, o COI desenvolve um vasto trabalho nesta área, em cooperação com as Nações Unidas, autoridades desportivas e governamentais, ONG’s e patrocinadores, organizando em cada dois anos uma conferência mundial sobre desporto e ambiente, onde discute o estado da arte, produz manuais e guias sobre boas práticas ambientais no desporto e desmultiplica-se em acções de sensibilização. É certo que os requisitos dos cadernos de encargos à organização dos jogos são cada vez mais exigentes neste item. Mas a partir de 2009 deu-se um impulso significativo a estas questões, assumindo um lugar de destaque na agenda do movimento olímpico sem precedentes.

Não foi por acaso a escolha de Copenhaga para a 121.ª sessão do COI que viria a atribuir à smbientalmente simbólica cidade do Rio de Janeiro a organização dos jogos de 2016. Meses depois realizar-se-ia na capital dinamarquesa a Cimeira do Ambiente. Não foi também por acaso o forte empenhamento da candidatura brasileira na eliminação de emissões de carbono, como antes havia sido Londres. Aliás, os Jogos Verdes foi um slogan que saltou para a ordem do dia em Vancouver, pois os praticantes de desportos de inverno têm bem a noção da factura energética paga para preservar o gelo em instalações cobertas, e transportar e produzir neve artificial quando as condições climatéricas naturais não o propiciam, conforme veio a ocorrer.

O comité organizador de Vancouver 2010 apoiou a criação de dois instrumentos com vista a tornar o desporto e seus grandes eventos mais sustentáveis, reportando anualmente - antes e durante a realização dos jogos – o grau de compromisso com metas de sustentabilidade. Rapidamente o COI e várias federações desportivas se associaram ao desenvolvimento destas iniciativas, replicando as guias de acção em eventos de grande dimensão nas modalidades de atletismo e hóquei no gelo.

Foi o primeiro comité organizador que incluiu a sustentabilidade na sua declaração de intenções e no planeamento do evento, através de um portfólio com vista a neutralizar a emissão de 300,000 toneladas de dióxido de carbono, o qual previa um conjunto alargado de soluções de eficiência energética, em particular na construção de instalações e seu aquecimento. Tal só foi possível através da implementação de um conjunto de medidas ambientais que vinculassem patrocinadores, empresas, público e atletas na redução da sua pegada ecológica. Os resultados ficaram disponíveis ao público em tempo real e foram auditados em vários momentos.

Nem todas as metas foram atingidas, para tal muito contribuiu a falta de neve em alguns dias. Mas o balanço final sublinha a importância da exposição mediática dos jogos para sensibilizar a consciência ambiental dos cidadãos, bem como o legado que deixa para o futuro da região na redução da emissão de gazes com efeito de estufa e do valor da factura económica e ambiental da comunidade. Após o evento olímpico os edifícios de apoio tornar-se-ão residências permanentes, com centros comunitários e jardins de infância, uma escola e jardim comunitário previstos.

Depois de Vancouver não houve qualquer candidatura vencedora sem uma aposta forte num plano de sustentabilidade para o antes, o durante e o depois dos jogos. Como dizia recentemente Juan Antonio Samaranch no seu painel em um dos grandes fóruns do desporto: «O COI está cada vez mais interessado no "porquê" que uma cidade quer organizar os Jogos do que no "como" os quer organizar».


Continua…

2 comentários:

ftenreiro disse...

Possivelmente o JA tratará num espaço futuro, mas recentemente um dos órgãos da Nações Unidas acusaram os Jogos Olímpicos e os Mundiais de Futebol de serem nefastos para os agregados populacionais carenciados que são afectados pelas novas construções e realojamentos.

João Almeida disse...

É verdade. Você antecipou-se. O relatório de Raquel Rolnik fará parte da continuação do post.

Deixo-lhe aqui desde já o documento apresentado ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, ao qual retornarei.

Bom fim de semana