sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A falta da Economia do Desporto em Portugal

Mais um contributo de José Pinto Correia, que muito se agradece.




A Economia é uma ciência social que trata de fenómenos e problemas humanos com a perspectiva específica de os considerar como económicos, uma vez que existem ambos, fenómenos e problemas, sob diferentes ângulos e modelos de análise nas diferentes ciências.
O desporto como actividade humana, com múltiplas variantes e incidências no desempenho do ser humano que dedica parte do seu tempo e esforço físico e mental à sua prática efectiva, tem óbvias implicações e consequências de natureza económica. Por isso mesmo, faz sentido inequívoco que o desporto nos seus diversos níveis, desde o escolar ao profissional, seja visto e revisto, considerado e reconsiderado, à luz dos instrumentos, modelos e métodos da ciência económica.
Algo no entanto tem de ser imediatamente sublinhado. A economia é uma ciência social que serve para elucidar e explicar as escolhas humanas, realizadas sempre que o Homem se encontra confrontado com a escassez dos recursos e tem na sua utilização um conjunto de possibilidades de utilização que conduzem a finalidades díspares.
Por consequência, a Economia é antes de mais economia política, que contribui para explicar e enquadrar teórica e praticamente as escolhas humanas e ajuizar sobre as formas possíveis de alcançar as suas finalidades desejadas ou ambicionadas, estando o homem implicado e fazendo parte de um todo comunitário que radica no conceito da “polis” grega.
Portanto, a Economia tem subjacente a escassez de meios e recursos, as diversas possibilidades da sua utilização em finalidades alternativas, e a perspectiva de que tais escolhas têm de obedecer a princípios de eficiência e de eficácia. Estes são os pressupostos que definem a essência dos denominados problemas económicos.
Acresce ainda que todos estes componentes das decisões económicas podem compreender valores e juízos, o que dará um conteúdo político ao contexto das escolhas económicas. Não existe, por conseguinte, uma completa neutralidade ética na economia; esta é sempre transcorrida por prioridades, escalas valorativas, e/ou juízos de valor que envolvem a dimensão humana.
Claro que na Economia também existem campos de observação e análise que se limitam a uma descrição dos fenómenos sem deles retirar considerações sobre o que está bem ou menos bem, sobre as consequências de determinadas opções, ou mesmo sobre a nobreza de determinadas escolhas e opções humanas em matéria económica. Aqui pode então dizer-se que a ciência económica se reduz a um mero campo de observação positiva. Constata, contabiliza, identifica, equaciona, mas não formula juízos de valor ou morais sobre a realidade que se limita a observar e descrever; este é o campo da economia positiva.
Mas já quando a economia permite valorizar as escolhas, os caminhos percorridos ou a percorrer, definir quais devem ser os domínios da vida das sociedades em que se devem usar os recursos escassos, se deve ser seguido este ou aquele caminho nas escolhas individuais ou colectivas, nestes casos, estamos perante a denominada economia normativa. A qual tem, deste modo, uma intrínseca característica política.
Ora, é precisamente esta matriz valorativa da economia, a dita economia política, que mais nos interessa e convoca quando procuramos envolver o entendimento dos processos de desenvolvimento do desporto no seio das sociedades modernas. Já que, diga-se imediatamente, o desenvolvimento do desporto integra-se no processo mais amplo, diversificado e dinâmico do desenvolvimento sustentável.
Quando se pretende falar de economia e desporto, ou mesmo da economia do desporto em Portugal, há um primeiro aspecto que deve ser considerado. Esse é o de se assistir à quase completa ausência de trabalhos, de estudos, de diagnósticos, de fundamentações das opções, dos investimentos, das políticas desportivas, com base nos princípios ou nas metodologias de análise próprias da ciência económica.
Em Portugal, têm prevalecido no domínio do desporto outros quadros analíticos e teóricos, outras disciplinas de fundamentação que não as que são específicas ou ímpares da ciência económica. Isso mesmo esteve bem visível no mandato do anterior Governo, do qual estiveram sempre arredados os instrumentos de análise, fundamentação ou justificação próprios da economia.
Podíamos dar inúmeros exemplos dessa falta constante da economia no desporto nacional, mas o que agora se reconhece como a experiência dos estádios de futebol do Euro 2004, das pistas de atletismo espalhadas pelo País, dos centros de alto-rendimento sem financiamento garantido, da negociação sem objectivos do contrato para Londres 2012, ou da completa compartimentação dos diferentes níveis de prática desportiva entre departamentos ministeriais, todos estes são exemplos flagrantes da dita falta da economia no nosso desporto que poderemos detalhar na discussão final desta apresentação.
E do que já se conhece do programa do actual Governo parece que o quadro de ausência da economia na formulação, fundamentação e concretização da política desportiva nacional poderá continuar a manter-se por mais alguns anos neste novo ciclo governativo.
Veremos, pois, se tal insuficiência manifesta de uso e recurso à economia se manterá na governação do desporto português, ou se de ora em diante a ciência económica, com os seus modelos da análise, fundamentação, orientação estratégica, selecção de investimentos e apostas de utilização dos recursos públicos escassos, será efectivamente chamada para a linha da frente das concepção e concretização das políticas desportivas nacionais.

11 comentários:

Fernando Tenreiro disse...

Caro José Pinto Correia
Você tem razão no fundamental mas sugeria-lhe outra formulação.
Há falta de eficiência económica no desporto em Portugal.
A economia que existe é ineficiente.
Gasta muito dinheiro, gasta mal e não alcança os objectivos que outros alcançam com o mesmo dinheiro.
Economia há não é é eficiência económica.
Um abraço
Fernando Tenreiro

Anónimo disse...

Infelizmente, a Economia e os economistas ligados ao Poder, não têm dado um contributo minimamente válido para a Política, nem em Portugal nem na Aldeia Global.
E não é por falta de intervenção teórica e prática de economistas ao nível da governamentação ou fora dela.
Digamos que a Economia pode bem ser de todas as ciências sociais a mais insegura (nas previsões) e a menos eficaz.
Ou o mundo e o nosso país não estaríam como estão.

Quanto a "pistas de atletismo espalhadas pelo país", a ideia é completamente falsa, já que nem são muitas (em termos europeus) nem estão espalhadas pelo país.
O problema principal é a maioria não serem sequer utilizadas, não terem manutenção nem apetrechamento e estarem completamente degradadas.
Isto não tem nada a ver com Economia. Tem a ver com políticas erradas (falta de planeamento)e um misto de ignorância e corrupção governamental e autárquica.

Anónimo disse...

Sr. José Pinto Correia,antes de fazer um comentário "estude" o tema. "Pistas de atletismo espalhadas pelo país"... em Portugal?
Sabe quantas pistas existem?e quantas estão equipadas? Por exemplo, no distrito do Porto?
Compare o número de campos de futebol, pavilhões, campos de ténis, ou piscinas, com pistas de atletismo. E é o atletismo que tem dominado o Alto Rendimento em Portugal.

Anónimo disse...

Pistas de Atletismo em Portugal:

Existem cerca de 80 pistas sintéticas de 400m, das quais só umas 10 reúnem as condições mínimas para serem utilizadas em competições oficiais e umas 20 são utilizadas apenas em treinos, apesar de não poderem ser usadas em muitas disciplinas por falta de apetrechamento ou apresentarem avançado estado de degradação.
Gaiolas para lançamentos em condições regulamentares, não há mais de 4 ou 5 em todo o país.
As pistas que foram homologadas pela FPA já perderam quase todas o prazo de validade de homologação e quase todas estão muito degradadas, a ponto de nem se poder lá treinar.
As pistas cobertas (Espinho e Pombal) já têm respectivamente 13 e 10 anos e, não tendo manutenção, porque não há dinheiro para isso, aguentarão, com dificuldade, mais uns 2 ou 3 anitos, mas a degradação é acelerada.
Várias Associações Distritais não dispõem de uma única pista em condições para se realizarem provas oficiais, como Bragança, Vila Real, Coimbra e Castelo Branco e muitas têm apenas uma, mas já muito degradada e sem apetrechamento suficiente.
Dentro de 10 anos existirão apenas umas 5 pistas utilizáveis no país e nenhuma pista coberta.
Que tal?

Em Espanha todos os Ayuntamentos têm, pelo menos uma pista de 8 corredores homologada e completamente equipada, com manutenção permanente, num total de cerca de 400. Em França existem cerca de 800 e na Alemanha cerca de 1000, para não falar de pistas cobertas, que são muitíssimas e bem espalhadas pelos respectivos países.
se considerarmos a OCDE, Portugal está claramente em último lugar em todos os rácios, desde que não sejam utilizados dados viciados, como o IDP sempre utilizou, contando pistas incompletas ou completamente degradadas e sem apetrechamento e as antigas pistas de cinza, desactivadas há décadas.
Não sei que mais possa dizer, embora a situação fosse inacreditável se entrasse em pormenores.

José Correia disse...

Agradeço os comentários sobre a situação do atletismo que não conhecia em tanta profundidade.

Mas se é verdade aquilo que é descrito, nomeadamente no último comentário que antevejo ser de alguém que está na modalidade, então apenas posso e devo realçar que é triste ter-se chegado ao ponto que é mencionado.

Não sei se alguma vez existiram planos de utilização das poucas pistas, se foi feita promoção efectiva e eficaz junto das escolas da zona, se se conhecem as estatísticas de utilização, se foram destinados treinadores de modalidades para promoverem as práticas. Isso seria do domínio da economia/gestão e do planeamento e da promoção racional da modalidade.

Se nada disto aconteceu ou acontece agora, então nunca houve pensamento e organização económica séria nas infra-estruturas e na modalidade.

Mas digo que nos últimos anos fizeram-se centros de alto rendimento por muito lado e no futuro talvez corram o risco de acabarem como as pistas de atletismo acima referidas. Ou não...?!

José Pinto Correia

Fernando Tenreiro disse...

O pessoal do Atletismo teve uma síncope e vai daí resolveu matar o mensageiro.

Estão a falar das nossas Pistas, com P grande, os malandros ousam dizer que as pistas são muitas.

- Existe é falta de manutenção e isso não é economia.

- Existem menos pistas do que outros equipamentos.

Os comentários do pessoal do atletismo claramente dá razão a Pinto Correia.

A economia que suporta o desporto português e o atletismo, como aqui demonstram os opinion makers do altetismo é ineficiente e todo o esforço feito para o país investir em pistas está em vias de se desperdiçar.

O atletismo, como as outras modalidades nacionais, está enrodilhado nos seus próprios desafios que soluciona mal porque se baseia numa economia ineficiente.

Obviamente o atletismo necessita das pistas que se estão a degradar e isso continuará a acontecer enquanto o atletismo e as outras modalidades preferirem políticas desportivas contrárias à eficiência económica da sua produção.

Quando se é cabeça dura e não se conversa com quem pode ajudar a encontrar os melhores resultados é isso que acontece...

Os econoomistas não fazem milagres.

Há muitos que enfeitam o burro à vontade do dono.

Os donos são os politicos que trouxeram o país para este local no desporto e em todo o seu produto.

Os economistas também não fazem milagres e também erram.

Era melhor o atletismo arranjar pessoas que saibam trabalhar em equipa com bons juristas, políticos, economistas, engenherios, arquitectos, médicos, etc.

Porque os resultados de Portugal e do atletismo recentes demonstram que há alguma coisa que está mal.

Anónimo disse...

Pistas de Atletismo:

É preciso que fique muito claro:

Aquilo que aconteceu no que respeita às pistas de atletismo em Portugal é culpa, fundamentalmente, de quem financiou.
E quem financiou foram o IDP e o QCA Desporto.
De outra forma, as autarquias não teriam dinheiro para a fazer nada.
Construíram-se, por exemplo, nos últimos 8 anos, cerca de 10 pistas de 400m com relva sintética, o que impede a prática de lançamentos.
Caso único no mundo, tanto quanto sei.
Muitas das 80 pistas nunca foram homologadas devido a erros técnicos de projecto e/ou construção.
O IDP pagou sem saber avaliar se estava bem ou mal feito e nem quis saber da opinião da Federação!

F. Tenreiro, quando coloca o Atletismo (Federação)como sujeito da acção está completamente enganado.
O poder de decisão nunca foi da FPA, que sempre tentou aconselhar as autarquias a fezerem aquilo que era mais adequado.
Há um mundo de irresponsabilidade e corrupção por trás desta amarga realidade.
Se isto tem a ver com Economia, então tudo tem a ver com Economia.

Anónimo disse...

As questões relacionadas com as pistas de atletismo em Portugal foram denunciadas por quem de direito no âmbito do Congresso do Desporto, em 2006, e em inúmeras reuniões com os responsáveis da Administração Pública.
Também foram muitas vezes reveladas aqui nesta Colectividade Desportiva, por alguém que percebe mesmo do assunto.
O tema devia ter já sido objecto de investigação judiciária, já que tanta irresponsabilidade e corrupção não se devem confinar ao julgamento político.

Anónimo disse...

O Correia e o Tenreiro escrevem sem pudor.

Há falta de economia, dizem. Eles, que são economistas.

Que é como quem diz: quando o Governo nos encomendar um estudo, uma análise, ou nos oferecer uma avença, a "coisa" talvez melhore; sem isso, nada feito.

Tenreiro até é, por vezes, bem mais explícito: o Governo - os Governos - têm andado entretidos com juristas. E nada há de mais pernicioso para o desporto que os juristas - Tenreiro dixit.

Mas existem outros "exemplares" igualmente perniciosos: os professores de educação física; os arquitectos; os engenheiros; os médicos; os sociólogos; os psicólogos; os militares; etc...

Definitivamente: o desporto só se salvará com os economistas, ou não se salvará.

Correia e Tenreiro ao poder! Urgentemente!

Fernando Tenreiro disse...

Caro anónimo das 19:13

A provocação que faço ao Atletismo é a possibilidade de fazer bem feito o que tem de ser bem feito.

Mesmo que o Estado não faça, mesmo que o Estado não faça bem, se o Atletismo, mesmo mantendo o cordão umbilical, fizer bem feito e tiver sucesso, por mínimo que seja, verá que o efeito positivo é mais do que proporcional ao esforço despendido.

Por ineficiência económica afinal a criança volta aos braços de quem pensou ter investido e alcançado novos horizontes.

Volta com custos acrescidos.

A realidade é bastante complexa para a solução ser individual, mas um comportamento coerente e persistente por parte de personalidades e instituições de primeira grandeza era capaz de fazer maior diferença.

A irresponsabilidade e a corrupção têm impactos económicos negativos e por isso são combatidos pelos princípios e pela lei. São como impostos que recaem sobre o produtor privado e o consumidor retirando-lhes a oportunidade de venderem e comprarem produtos desportivos, no nosso caso, de qualidade e baratos. O produto económico total é menor na presença de irresponsabilidade e corrupção.

Nesta altura estou um bocado cansado porque reconheço que não andei a investir num modelo desportivo europeu em Portugal para agora a lã ser a mesma dos pastores anteriores.

Deixo-lhe uma dica: penso que o atletismo tem um capital acumulado e deveria concentrar-se na sua protecção e valorização.

A crise será terrível e se não houver medidas de protecção e de incentivo a degradação desse capital pode ser maior.

É um trabalho exigente e não deveria ser feito sozinho por uma modalidade.

Também é um trabalho de Sísifo.

Atentamente,

Fernando Tenreiro disse...

Quanto ao pudor do anónimo das 21,46.

As pessoas de que fala assinam textos que você não compreende, não sabe compreender e não quer compreender.

Expõem as suas ideias e podem errar e ao assinar responsabilizam-se pelo que escrevem.

Mas o seu estatuto de anónimo não é para debater ideias nem questões científicas, técnicas ou de princípios.

Portanto, de pudor estamos conversados.