terça-feira, 8 de novembro de 2011

Zona de (des)conforto

Se as palavras que a Lusa atribui ao secretário de estado do desporto e da juventude, e que este disse que não afirmou, fossem para ser entendidas no sentido literal (os jovens desempregados devem procurar emigrar) o desporto nacional ficaria sem base para a sua renovação. Porque se os jovens emigrassem é óbvio que parte da base de recrutamento deixaria de existir. E se os jovens se fossem embora o que ficava cá fazer o secretário de estado para a juventude? Emigrava com eles? Mas as palavras que a Lusa atribui ao governante devem ser entendidas como um simples voluntarismo próprio de um jovem que apesar da pose de estadista tem ainda pouca experiência política e governativa. E que, por vezes, corre o risco de não distinguir uma conversa de café de uma reflexão em nome do Estado. O que se diz que o governante disse, não é diferente do que pensam muitos pais e até jovens. Mas a obrigação de um governante é lutar contra o empobrecimento do pais que governa, ajudar a que se crie emprego e gerar expectativas positivas quanto ao futuro. Não é o de apelar à emigração. Como o próprio reconheceu, dias mais tarde já na ressaca da situação, seria “absolutamente absurdo uma pessoa no seu bom estado psíquico afirmar semelhante coisa”. Mas erros e lapsos todos cometem, até os mais experientes. Mesmo em bom estado psíquico. A esta hora, o próprio, quaisquer que tenham se sido os dizeres, já deve estar arrependido da alhada em que se meteu. E vai procurar não repetir. Está tenso e incomodado com a situação. Receia pelo seu futuro, o que é natural porque estas coisas deixam marcas. Procura fazer o seu melhor mas, como qualquer jovem que se inicia na política como governante, também ele precisa de mundo e que a sua zona de conforto seja politicamente enquadrada e acompanhada, coisa que, provavelmente, quem o deve fazer não tem tempo. E quem tem tempo está ainda em piores condições que o próprio. Para muitos governantes e respectivas assessorias, que fazem do próprio exercício governativo a sua preparação política, é natural, embora desejavelmente evitável, que se digam coisas que depois se precisa de dizer que não foi bem aquilo que se quis dizer ou que foi retirado do contexto. Deveria, de resto, ser aconselhado, se ainda o não foi, que a atracção pelas luzes da exposição pública tanto serve para dar brilho, como para ofuscar. E que a distância entre uma e outra é bem mais curta, que o que parece. A história da governação na sua relação com os médias ensina bem mais que os tratados europeus.
Não são apenas os jovens que têm a sua zona de conforto. Todos nós a temos. E os governantes também. A zona instrumental ligada às pessoas com quem se trabalha ou partilha o poder. Por afinidades diversas: políticas, religiosas, maçónicas, de orientação sexual, académicas. E a intelectual, a que estrutura o pensamento. No desporto, esta última está construída em torno de ideias que habitam os lugares comuns do imaginário desportivo contemporâneo. A zona de conforto é o espaço do unanimismo. É o não confronto. E, lá no fundo, tudo quanto hoje caracteriza a escola do Olimpismo e o seu didactismo: um desporto mercantilizado, numa igreja sem ideologias. O que conduz a que se não reflicta sobre o que é difícil, complexo ou politicamente comprometedor.
Como já escrevemos, surpreende que “não se aborde de modo concreto, e não vago, a incidência que o cenário macroeconómico e o controlo sobre a dívida pública vão colocar ao sistema desportivo”. Qual é o entendimento que o governo tem quanto a essas repercussões? Ou tudo se resume ao facto, invulgar, de a crise financeira não colocar em causa a preparação olímpica? Mas o desporto nacional resume-se à participação olímpica? Qual é o efeito recessivo destas medidas no tecido desportivo nacional? O desporto goza de alguma protecção especial para que não careça de enquadramento específico? Quais são as soluções de acomodação mais aconselháveis para reduzir o impacto da crise? O assunto está estudado e avaliado? Ou não tem interesse?

O responsável político pelo desporto pode dizer que não apelou aos jovens para saírem das suas zonas de conforto. Mas deve, como governante, sair da sua zona. Não emigrando. Mas migrando para as soluções políticas que a situação do país exige.É o que se espera de quem governa.

9 comentários:

Armando Inocentes disse...

Caro José Manuel Constantino:

Completamente de acordo. Este é sem dúvida o melhor complemento ao post anterior.

grande abraço!

Anónimo disse...

Está enganado JMC.
O Sr.Secretário de Estado fez tudo menos ficar na sua zona de conforto. Por isso, também, não se deve sentir, hoje, muito confortável.E, certamente, não se sente confortável porque há uma quantidade razoável de cidadãos que lhe vão lembrar a todo o mínuto que ele teve a ousadia de dar um salto corajoso da sua zona de conforto para a zona do ridículo.

Anónimo disse...

Qualquer pessoa com bom senso concordaria com JM Constantino.
Só que na situação actual em que o país se encontra, é indiferente tudo aquilo que se diga e faça quanto a Desporto e Juventude ou outra área qualquer.
É preciso que as pessoas percebam que isto não é bem um Governo.
É uma comissão liquidatária.
Os anteriores Governos, ao endividarem de forma brutal as futuras gerações e ao comprometerem definitivamente as actuais, acabaram com "isto".
Resta saber quanto tempo mais a União Europeia se vai aguentar, sustentando os vencimentos e as pensões dos portugueses.
Seja como for, caminhamos para uma miséria crescente, que afectará, pelo menos, as próximas 3 décadas.

Anónimo disse...

Marcelo Rebelo de Sousa disse tudo no Domingo na TVI "emigre ele"

joão boaventura disse...

Caro Constantino

Este mundo está cada vez mais difícil, a trabalhar nas antípodas, de pernas para o ar. E vamos vivendo das deixas dos que publicamente falam em coisas que ocorrem a nível mundial, ou global - que passou a ser uma aldeia em ponto grande - e onde, a micro-mobilidade nas terreolas, passou a macro-mobilidade, podendo aplicar-se aqui, às gentes do mundo, o que Galileu dizia da Terra, “e pur si muove”, isto é, afinal não é só a terra que se move porque concomitantemente também as pessoas de movimentam e não param.

Compulsando o blog de Fernando Tenreiro Desporto e Economia, que transcreve um curioso e preocupante artigo publicado num semanário, sobre a fome das crianças portuguesas nas escolas, em resultado de as respectivas famílias terem entrado no quadro negro do desemprego.

Se um país não tem capacidade para empregar os adultos e alimentar as suas crianças, esse país está indubitavelmente à espera que os lusitanos façam, como os seus ancestrais navegadores, sair daqui e voltar, ou morrer lá.

Porque, se as navegações foram o salvatério da sua sobrevivência, outra não pode ser a solução actual senão a mimética: sair e voltar, ou morrer lá, como nos dizia o incomparável Padre António Vieira.

Vejam como os muçulmanos invadem s Europa, a Ásia e a África, os chineses, o mundo inteiro. Todas as pessoas fogem da fome e da miséria.

O mundo tem contemplado a dinâmica da mobilidade, e assiste a milhares de pessoas a migrarem por razões económicas, políticas, culturais e até cultuais.

O que me permite perguntar se não chegou a nossa vez de fugir do atoleiro em que o país se vem afundando, graças à maré alta dos ordenados superlativos e prémios desmedidos, às elites, e maré baixa da classe média a caminho da classe paupérrima.

Não se vislumbram razões de empolamento pelo facto de uma figura política, num encontro social, transmitir as públicas soluções que cada português começa a auto-questionar-se e a auto-propor-se, e às quais já muitos as puseram em prática.

De resto, declarações deste teor arrefecem as críticas ou observações que se possam levantar, em país tão minguado e carecido de euros troikanos, sobre a desnecessidade de tanto pessoal ao serviço da Secretaria de Estado, tanto pessoal ao serviço do IPDJ, tanto pessoal ao serviço do IPD, tanto pessoal ao serviço do IPJ. E para quê um IPDJ ? Porque não a Secretaria de Estado do Desporto e Juventude superintendendo ao IPD e ao IPJ, como na anterior legislatura ?

Continuar a perder tempo com as declarações políticas sobre sugestões migratórias, é esquecer o debate sobre o papel fundamental da Secretaria de Estado do Desporto e da Juventude que importa debater.

E enquanto por aqui debatemos os euros que nos vão subtraindo, ali por Strasburgo, no Conselho da Europa, é bom saber-se como outros os subtraem.

joão boaventura disse...

Atenção

No último parágrafo do meu comentário convida-se a abrir um vídeo sobre quilo que se passa om os eurodeputados em Strassburgo.

O vídeo é falada e legendado em alemão.
Esqueci referir, o que ora faço com as devidas desculpas, de que quem quiser ler em espanhol, francês ou inglês, que a escolha se situa na parte inferior esquerda, embora a locução persista germânica.

Anónimo disse...

Também posso dar um conselho (alternativo) aos jovens portugueses?
Saiam da "zona de conforto" do analfabetismo funcional, do desemprego, da vida em casa dos pais aos trinta anos, etc.
Entrem na "zona de conforto" da política através da inscrição num partido (de prefência dos que têm mais votos).
Depois aprendam como se dá nas vistas, como se combinam almoços com as pessoas certas, façam alianças adequadas, aprendam como se trepa na vida sem saber fazer nada.
Rapidamente chegarão a deputados ou, no mínimo, a vereadores ou presidentes de Junta de Freguesia. Com um pouco de arte, poderão mesmo chegar a deputados europeus ou até a Secretários de Estado ou Ministros.
Daí a membros de Conselhos de administração de Empresas Públicas ou bancos, com vencimentos e privilégios milionários é um curto passo.
E nem é preciso começar por tirar uma licenciatura, como mostraram os dois últimos líderes do PS, que as "conseguiram" já fora de época.
Ficam com a vidinha garantida e muitos com reforma garantida com 12 anos na Assembleia.
Escusam de emigrar... Dá para quase todos!

Rui Lança disse...

De salutar quer a discussão do assunto em concreto quer o debate de ideias. Até poderia concordar com o que foi dito, mas o contexto, a necessidade de criação de valor em muitas áreas e a pessoa que o diz, torna a discussão 'diferente'.

Anónimo disse...

Este é mais um dos, muitos, debates inuteis em que todos nós nos embrenhamos. São apenas desabafos sobre as "ingenuidades" e "desaforos" dos nossos queridos governantes, daqueles que chegaram para endireitar aquilo que outros deixaram torto, daqueles que chegaram para nos salvar. O que interessa é que este sujeito, a quem deram o cargo de Secretário de Estado, mais a sua brilhante e salvadora equipa, digam à sociedade desportiva o que pretendem para o nosso desporto. O que pretendem fazer do pouco dinheiro de que vão dispor. Mesmo que sejam só alguns cêntimos. Que se assumam como o farol orientador para o actuais dirigentes desportivos.
Em momentos de crise temos necessidade de ser conduzidos pelos lideres mais esclarecidos e não por gente que elogie os que procuram o futuro "lá fora".
Vamos lá dar uma ajudinha à criatura. Vamos lá esquecer o episódio da "zona de conforto". Perdoemos. Tenhamos esperança de que aquelas "cabeças" estejam a laborar para nos apresentar o grande plano para o desporto português. Vamos, dentro de pouco tempo, ter uma surpresa dos diabos. Tenhamos esperança. A sociedade da excelência, da competência e das medalhas está aí ao virar da esquina. Bem hajam nossos governantes.