quinta-feira, 12 de abril de 2012

Fisiologismo,despesismo e ilegalismo

No jargão político brasileiro utiliza-se a expressão fisiologismo para aplicar aos detentores de cargos públicos que os aproveitam para adquirir vantagens pessoais indevidas. O fisiologismo é um ilegalismo.
O fisiologismo é algo bem diferente do despesismo. Este carateriza-se pela realização de despesas para a prestação de serviço público que seriam evitáveis ou que não se encontram no essencial da órbita da missão de serviço público. E se o despesismo é criticável no plano da deficiente utilização de recursos públicos não é necessariamente equivalente a um ilegalismo. Nem toda a má despesa é ilegal. Contrariamente, há muita despesa pública necessária que pode cair na órbita do ilegalismo apenas porque os seus procedimentos não foram formalmente corretos.
O facto de no exercício público se contraírem despesas que se traduzem em aquisição de bens ou de prestação de serviços, mas que não obedecem aos procedimentos normativos a que estão obrigados, é normalmente motivo de muito escândalo e aproveitamento político. O mesmo ocorre com o fisiologismo quando deixa de ser apenas do conhecimento restrito de alguns, como a prática continuada da utilização indevida de bens e propriedade pública, cujo beneficiário é o próprio utilizador/infrator. São contudo coisas bem distintas. Se o fisiologismo é de âmbito pessoal o despesismo tem caraterísticas institucionais.
A par desta situação há uma prática de ilegalismo, sobretudo em períodos de mudança de ciclo governativo, que se traduz na assunção de certo tipo de compromissos financeiros, sem adequada cabimentação e que passam para a governação seguinte. São atos que não respeitam as sucessivas fases de realização da despesa pública. Esta prática é, infelizmente, muito comum. Só uma repentina perda de memória ou desconhecimento, pode explicar o facto da Assembleia da República ter participado no caso das chamadas faturas do IDP, como se a assunção de compromissos sem inscrição orçamental fosse caso virgem ou um pecado exclusivo do anterior Presidente do IDP. Isso naturalmente que não as legítima, nem as desculpa. No entanto, para quem o conhecimento da realidade se não confina ao que é soprado para os meios de comunicação social, pode sempre perguntar se aqueles que montaram a operação têm a consciência tranquila, no plano político e profissional, face ao passado. É que não há esquecimento que sempre perdure.
A luta contra o fisiologismo, o despesismo e o ilegalismo requer o afastamento de tais práticas e de aqueles que assim procedem. Não é possível restaurar a legalidade e a autoridade com um histórico de situações como as descritas. É preciso suprimir as despesas que não tendo cobertura legal são feitas em nome do Estado para claro favorecimento pessoal. E as outras, as que sendo necessárias, para que não caiam na órbita do ilegalismo precisam de cumprir os procedimentos a que estão obrigadas em matéria de despesa pública. Esse é um desafio que se coloca ao novel Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ). Que não retém apenas o que foi o sucesso alcançado pelas organizações que agora se fundem. Retém o sucesso e o insucesso.
O IPDJ resulta da reestruturação dos setores da administração pública do desporto e da juventude e pretende reduzir a despesa com o funcionamento do setor. Nestas matérias as contas fazem-se lá mais para a frente. Agora ainda é cedo. Se conseguir atingir esses objetivos sem quebra do cumprimento das missões de serviço público que lhe compete só pode aplaudir-se a decisão do governo. E se o atingir, sabendo combater o fisiologismo e travar o despesismo, que o histórico dos organismos fundidos transporta, melhor ainda. Não prescreve o passado, mas significa que se aprendeu com ele. Não há mais dinheiro público a pagar a formação dos titulares dos cargos, idas em grupo ao estrangeiro para assistir ao futebol ou turismo ao Oriente por conta do erário público.

5 comentários:

Luís Leite disse...

Aqui o essencial e decisivo, para as próximas legislaturas, é não haver dinheiro.
Porque o resto é um problema cultural, demasiado enraizado, pouco ou nada fiscalizado e muito raramente sancionado.
As questões culturais não se mudam facilmente.
Nem com Leis nem com Decretos-Lei ou Despachos.
Sobretudo quando subsistem imunidades criminais e o sistema judicial funciona pessimamente.

Anónimo disse...

Escreve JMConstantino:

Não há mais dinheiro público a pagar a formação dos titulares dos cargos, idas em grupo ao estrangeiro para assistir ao futebol ou turismo ao Oriente por conta do erário público.

Hummmmm!... Cheira-me a bibe.....

Anónimo disse...

O Monocelha esteve ontem em Coimbra. Num debate sobre a eventual profissionalização dos árbitros. No fim, soturno e profundo como só ele consegue ser, afirmou que não iria legislar sobre o assunto (sobre o qual, aliás, criara um grupo de trabalho...), a menos que os interessados se pusessem de acordo com a legislação a aprovar pelo Governo.

Alarguemos este princípio, tão fecundo de consequências, a outras áreas da vida social.

Por exemplo: nos casos do combate ao fisiologismo, despesismo ou ilegalismo, referidos por JMC, só se deverão adoptar medidas contra os mesmos se a Administração Pública se puser de acordo quanto às mesmas ou, melhor ainda, se os funcionários tiverem previamente frequentado cursos de bibe sobre "poupanças, recolhas, expropriações e apropriações"... Até que isso aconteça, nada de medidas e, menos ainda, de leis.

G'anda Monocelha!!!!!

Anónimo disse...

JMC tem, certamente, toda a razão a nível filosófico. Ao nível real todos sabemos que as coisas não vão mudar nunca pelo simples facto de que a política é formada por uma clientela de interesses pessoais e partidários que se sobrepõe a qualquer lógica racional de gestão. Mas, haveria, pelo menos, uma forma de colocar alguma seriedade na questão prática que se coloca cada vez que mudam as "hierarquias partidárias" que era a de, pelo menos, não se colocarem pessoas em lugares de responsabilidade que no passado já demonstraram a sua incompetência para a sua utilidade pública. Vermos pessoas cujo passado público é, de alguma forma suspeito, nebuloso ou menos bem esclarecido deixa desde logo uma "desvontade" em quem com ela tem que trabalhar, e não obedece a lógicas partidárias ou lobies e deixa desde logo nos utentes ou público alvo que, provavelmente, nada irá mudar ou talvez mesmo essa nebulosidade se adense ou se confirme, para mal da coisa pública e do "bom nome" da gestão pública. Neste País toda a gente têm a sensação de que são sempre os mesmos que ocupam as várias "cadeiras" durante longos anos e, parece, que não existe mais ninguém fora daquele grupo capaz de fazer a mesma coisa mas, em vez de efectuar uma gestão deficitária como é costume e com prémios pelo facto, capaz de fazer uma gestão empresarial em que as pessoas que formam a organização são as pedras basilares para objectivos que se desejam claros e lucrativos.

Anónimo disse...

Escreve o anónimo de 13 de Abril, às 11.55:

Vermos pessoas cujo passado público é, de alguma forma suspeito, nebuloso ou menos bem esclarecido deixa desde logo uma "desvontade" (...)

Não é de de alguma forma suspeito. É suspeito de todas as formas, qualquer que seja o ângulo de análise ou a posição em que seja observado!!!

E, além disso, não é suspeito; é sujo.

Por isso dizer-se que tal passado é nebuloso ou menos bem esclarecido - como se se pudesse branquear algo à força de melhores esclarecimentos - é esquecer que o próprio nunca quererá esclarecer coisa alguma sobre aquilo que fez. Basta ver o afã com que, à boleia da reestruturação de serviços, se procura "neutralizar" todas as testemunhas desse incómodo passado...