terça-feira, 22 de maio de 2012

O país dos Ronaldos e dos Figos

A fazer fé na comunicação social, o deputado Basílio Horta, terá colocado em causa uma estratégia de afirmação internacional em que se gastou muito dinheiro a promover a marca Portugal através dos seus valores do futebol. Se Basílio Horta o fez, fez bem. Mais vale tarde que nunca. Porque não há um investidor que escolha Portugal para criar empresas e emprego pelo facto de sermos bons para o pontapé na bola. E não há mais importação de produtos nacionais porque o Ronaldo bate todos os recordes no clube onde atua. Já agora, ele não disse, mas digo eu, que também é deitar dinheiro fora o que, em nome da concorrência bancária fez, e em alguns casos ainda faz, um banco do Estado, como a Caixa Geral de Depósitos, a financiar clubes de futebol, selecionadores nacionais de futebol, jogadores de futebol e centros de estágio para clubes de futebol. E a fazer tudo isto e, em simultâneo, fechar o apoio às atividades económicas dos pequenos e médios empresários com cortes e restrições ao crédito bancário. Se é para isto que serve uma instituição bancária do Estado vendam-na.
O facto de no estrangeiro se conhecer Portugal por identificação com Ronaldo ou Figo revela a força do futebol. Mas a força do futebol revela a fraqueza do país. Sei, que dizer as coisas deste modo colide com um pensamento que por aí divaga, de que o futebol faz mais pela afirmação do país que muitos outros setores de atividade. Não faz nada. Tornar o país mais conhecido por ser a pátria de algumas estrelas futebolísticas é fraco consolo. O conhecimento internacional das estrelas do desporto não traz qualquer benefício aos portugueses, salvo esse valor intangível e imaterial que serve para tudo e mais alguma coisa e que se designa por autoestima e identidade nacional. Um bem que, em período de crise e pobreza nacionais, não mata a fome, nem dá emprego. Mas massaja o ego, a quem para o efeito se dispõe, e alimenta a alma!
A questão deve ser colocada precisamente ao contrário. O que fazemos nós para nos afirmarmos internacionalmente como nação, quando muitos só nos conhecem pelo facto de produzirmos futebolistas com elevado talento. O que nada belisca o mérito desses futebolistas. Nem atinge a modalidade. Mas coloca em causa a manobra ideológica de identificar o seu sucesso como um proveito tangível para o país. Há uns anos o governo de então, era Cavaco Silva primeiro-ministro, chamou um guru da competitividade global, Michael Porter para estudar os nichos da competitividade externa da economia portuguesa. Dizem que o senhor apontou o futebol como um dos clusters. Lendo o que foi publicado não se encontra qualquer referência à indústria do futebol como um cluster estratégico. Confirmei isso com quem, no governo de então, o convidou e com ele trabalhou. E conhecendo a metodologia Porter para a competitividade estranha-se tal observação. Mas respigo o que escreveu, no jornal Record, João Querido Manha: “Há uma década, quando era forçoso convencer os portugueses da bondade do investimento na organização do Euro'2004, alguém pagou a encomenda de uma ideia surrealista de um guru da crise global de que o futebol poderia ser um "cluster" industrial decisivo para a economia deste país periférico. Alienados pela vertigem e pela classe superlativa de um punhado de jogadores, dois dos quais chegaram a ser considerados os melhores do Mundo, os responsáveis nacionais ganharam coragem para prosseguirem a campanha de desperdício, adquirindo uma crise permanente como herança para os adeptos vindouros”.
Há uma tendência que pretende determinar que quem de gosta de futebol deve usar cachecol e aplaudir as barbaridades que se dizem a propósito da modalidade. Eu, que gosto de futebol e aprecio a qualidade desportiva de muitos dos nossos futebolistas, recuso a manipulação das consciências, que através do futebol muitos gostam de fazer. O futebol é uma extraordinária modalidade desportiva que vive do capitalismo de casino e da especulação de ativos. Mundialmente vive na Suíça. E em outros paraísos fiscais. Em Portugal retirem-lhe os dinheiros públicos que, infelizmente, as finanças autárquicas e regionais lá colocam e vejam o resultado. Não é preciso, por isso, recorrer ao modo como muitas disciplinas das ciências sociais tratam estas apropriações e manipulações identitárias. Fico-me por uma observação mais plebeia: não nos sirvam gato por lebre.



9 comentários:

Luís Leite disse...

Caro JM Constantino.
De uma coisa pode estar certo:
Vão continuar a servir-nos gato por lebre.
Não tenho qualquer dúvida de que Portugal é o único país, em todo o mundo, em que o Futebol é considerado "o desporto" e as outras modalidades apenas curiosidades.
Basta ver como a RTP, nos telejornais, trata o "Futebol" como sinónimo de "desporto", desvalorizando as outras modalidades.
"Seleção Nacional" é a de Futebol. As outras, pelos vistos, não são.
Os políticos portugueses sempre perceberam o poder extremamente alienante que esta modalidade tem, dadas as características muito específicas da baixa marcação e do peso da arbitragem nos resultados.
Sobretudo porque serve para desviar a atenção dos assuntos realmente importantes.
Agora, o "Euro", enquanto houver ilusões, vai servir para que não se pense nem fale do resto.
Pobre país!

Anónimo disse...

Excelente comentário da importância dos "Cristianos e Figos" na nossa vida colectiva e visão politica dos governantes ou não, sobre futebol no nosso país como actividade que interessa à juventude nacional e importante motor na economia com receitas de jogos e venda de jogadores aos mercados internacionais das melhores praças do mundo futebolístico nas competições nacionais e internacionais.
Os políticos ficam todos contentes em tirar aos pobres mas não tem visão estratégica! onde estão as verdadeiramente as fontes de receita, Desporto,Turismo e com todas as vantagens para a restauração existente em todo o país..
São cegos e tem a mania das grandezas...O Desporto nunca esteve tão bem e com tão maus representantes políticos a nível do actual Governo.. uns reservistas de um plantel já de si frágil...
AC

Anónimo disse...

Excelente comentário da importância e da visão politica dos políticos ou não, sobre futebol no nosso país como actividade que interessa à juventude nacional e futuro motor na economia com a venda e receitas de jogos e jogadores nas competições nacionais e internacionais.
Os políticos ficam todos contentes em tirar aos pobres mas não tem visão estratégica onde estão verdadeiramente as fontes de receita, Desporto, Turismo e Restauração com todas as vantagens para o aumento das receitas na actividade económico existente em todo o país..
Como disse o Secret. Estado do desporto Alexandre Mestre, receber ou não a horas, não afecta a preparação dos atletas..
Valha-me Stª Rita...
AC

joão boaventura disse...

Caro Zé

Ofereço esta troika:

Os detractores do futebol são tremendos: obrigam-se a falar do futebol.
Albert Camus

Acredita naqueles que procuram a verdade. Duvida daqueles que a encontram.
André Gide

A verdade de um homem é em primeiro lugar aquilo que ele esconde.
André Malraux

Com um abraço

Anónimo disse...

"Como disse o Secret. Estado do desporto Alexandre Mestre, receber ou não a horas, não afecta a preparação dos atletas.."
Alguém o desmentiu? Parece que não ...

Anónimo disse...

Aconselho a crónica de Aberto Gonçalves "Eu não sou o melhor treinador do mundo" na Sábado do dia 14 de Janeiro de 2011.

P.S. Está disponível em http://www.sabado.pt/Opiniao/Alberto-Goncalves.aspx?Page=3

Luís Leite disse...

O que será para Alexandre Mestre e Vicente Moura uma "presença digna" e "honrar Portugal" nos Jogos Olímpicos?
Ninguém sabe.

Marina Albino disse...

Talvez participar... e não mais do que isto.
Neste momento " Ganhar ou perder é desporto".

Anónimo disse...

Será mais uma presença digna nas cerimónias protocolares, recepções e beberetes.