quarta-feira, 9 de maio de 2012

A inteligência competitiva no Benfica


No início da época desportiva do futebol o SLBenfica anunciou a criação de um gabinete de Inteligência Competitiva. Contratou para o efeito, salvo erro, dois professores catedráticos. O objetivo seria ajudar o treinador profissional de futebol nas suas diferentes tomadas de decisão. E anunciou a boa nova como se de um craque se tratasse.
A medida tinha o seu quê de originalidade. E não tanto pela dimensão epistemológica do conceito mas sobretudo pela novidade que consistia em introduzir uma dimensão filosófica/comportamental na gestão do treino e da preparação desportiva de uma equipa de futebol. Ademais, sendo o líder dessa preparação uma pessoa com indisfarçáveis défices de literacia e comunicação, ficava a dúvida de como seria possível transmitir informações e trabalhar situações com uma qualidade distinta da habitual e de modo a melhorar a tomada de decisão. E acrescentar-lhe valor. Pensei, mas posso estar enganado, que o objetivo era bem mais modesto: era apenas o de aconselhar o seu treinador a gerir o modo como comunicava. E, por arrasto, dar-lhe uma espécie de up-grade cultural. E a ser assim o gabinete deveria antes chamar-se de Inteligência Comunicativa. Mas reconheço que isso era embaraçoso porque para essa tarefa, a de comunicar, já existia um departamento e um especialista, rodado nos meandros da presidência da república ao tempo de Jorge Sampaio.
Ignoro o trabalho desse gabinete, o da Inteligência Competitiva. Se funcionava ou não. Se era bem ou mal escutado. Mas interrogo-me sobre o que ganhou o clube e o seu treinador com esse gabinete. O que fez e não teria feito graças a ele. O que mudou no modo de gerir a equipa e enfrentar a competição. E como não conheço o modo como esse trabalho era preparado, dele, não posso falar. Mas acompanhando as constantes declarações do treinador principal da equipa concluo, o que não é difícil, que continua igualzinho ao que era antes de começar a beneficiar do suposto aconselhamento de especialistas em inteligência competitiva: a mesma arrogância, a mesma soberba e a mesma incapacidade, quando não vence, em reconhecer mérito aos adversários.
Um treinador de futebol num clube como o Benfica, para além da relação estreita e necessária com os jogadores e a restante equipa técnica comunica com o público. E fá-lo com acrescida regularidade. E quem o escuta não é apenas esse público, mas também aqueles que dirige. E nestas coisas, não havendo uma bitola única, há, no entanto, um módico de ponderação, de bom senso e de cultivo de responsabilidade. Quem vive o desporto sabe que tem de contar com imponderáveis e custos de contexto: uma arbitragem mal feita, ocorrências imprevistas, uma lesão inesperada, a falta de sorte. Não pode atribuir o insucesso sempre à responsabilidade dos outros. Porque isso é uma forma de se desresponsabilizar.
Não é preciso ser bruxo para se adivinhar qual iria ser presente/futuro do Gabinete de Inteligência Competitiva no Benfica. Não por eventual incapacidade ou falta de qualidade dos mentores de tal propósito. Mas por uma óbvia e singela razão: pela natureza dos destinatários; pela ausência de competências que lhes permitissem aproveitar o conhecimento disponibilizado. Não é simpático dizê-lo. Mas é óbvio reconhecê-lo. Para benefício de todos. Incluindo o próprio treinador. O que porventura, por défice de inteligência preditiva, se não esperava era que o pretexto para a rescisão com os especialistas da Inteligência Competitiva fosse uma entrevista de um deles. Não a explicar o insucesso competitivo do clube, mas a prever que o treinador principal estaria de partida. Resultado: no dia seguinte o visado declarava para quem o queria ouvir: Porto? Quem chega ao topo não quer voltar para trás. Percebi bem? Mas não foi essa possibilidade que lhe serviu, há dois anos, de arma de arremesso, para renegociar, com o atual patrão, um contrato milionário?



4 comentários:

Anónimo disse...

A ciência pode ajudar e normalmente ajuda o desenvolvimento do desporto nas suas mais variadas facetas do Treino, competição e estratégia para vencer ou convencer o adversário dos nosso argumentos, mas atenção quando intervém em momento "EXACTO" e oportuno.
Quando existem para confrontar os que vivem no jogo, fora e dentro dele, só atrapalha e voltamos ao principio...
A presença do Doutor Manuel Sérgio poderia ter um vertente de reforço ideológico e valorização da equipa técnica, mas para isso tem que saber fazer o Desporto tal como ele deve ser treinado e jogado.
Quando não o faz, passa a ser prejudicial a presença destas ciências. Mas é óbvio que o treinador se tem mostrado pouco preparado para gerir todas as variáveis do treino desportivo.
AC

Fernando Tenreiro disse...

Para a informação do comum dos mortais é possível saber a identidade de todos os constituintes da dita inteligência competitiva?

É notório que muitas organizações desportivas portuguesas já tiveram medalhas desse género e cujo resultado produtivo, no que à competição diz respeito, foi e é inversamente proporcional à dimensão da fotografia de lançamento.

Luís Leite disse...

Também me parece que o Manuel Sérgio não é a pessoa mais indicada, independentemente da sua qualificação universitária, para lidar com gente do mundo pragmático (para não dizer outros nomes mais adequados) do futebol português.

joão boaventura disse...

Caro Luís Leite

O problema não está em saber se A, B ou C, estão em condições para cumprir o seu papel em determinado grupo; compete a A, B ou C, saber se se acham com aptidões para as aplicar.

Independentemente disto, os resultados, se negativos, exigem que se averigúem as causas do fracasso, muitas vezes externos ao grupo.

Os Laboratórios Científicos têm ilustres investigadores, e ilustres fracassos, ao lado de ilustres descobertas.

A NASA também conta com a excelência de técnicos credenciados e indiscutíveis, mas o erro humano faz parte dos resultados com que se contam.

Cordialmente