segunda-feira, 23 de março de 2009

A bondade da convicção

A Lei do Orçamento de Estado de 2008, ao alterar a verba 2.13 da Lista I do Código do IVA, procurava estabelecer alguma ordem à tributação daquele imposto em serviços e actividades desportivas, após as tomadas de posição, e esclarecimentos, da Administração Fiscal. Do problema se deu conta, neste espaço, mais do que uma vez.

Na sua bondade, o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto (SEJD) considerou que se tratava de “…uma medida, a par de outras tomadas no Orçamento de Estado para 2008, destinadas a diminuir os custos da actividade física desportiva para aqueles que pagam para terem acesso a modalidades desportivas e um contributo objectivo para o alargamento da prática desportiva a mais cidadãos”. Mais acrescentou que “…O princípio é claro, por via da redução do IVA facultar serviços a preços mais baratos aos cidadãos e é isso que terá de acontecer” .

Infelizmente o mercado não foi tão bondoso e os preços dos serviços desportivos, em particular nos ginásios, não diminuíram, conforme esperado.

Nos meses seguintes as reclamações e denúncias dos utentes de ginásios começaram a surgir e o SEJD levantou duvidas sobre a concertação de preços entre os operadores do mercado, pelo que vários organismos públicos com competências fiscalizadoras entraram em campo para acompanhar esta situação.

Após mais de um ano da entrada em vigor da Lei do Orçamento de Estado de 2008, a Autoridade da Concorrência (AdC) – depois de coligir um conjunto de denuncias particulares e informações prestadas pelos organismos anteriormente aludidos -, vem arquivar o inquérito contra-ordenacional que tinha aberto sobre esta matéria, concluindo “pela inexistência de um padrão de comportamento concertado entre os diversos operadores económicos investigados,(…) não se verificando por isso elementos probatórios da existência de um entendimento concertado entre estas empresas”, decidindo arquivar o inquérito, de acordo com o Comunicado n.º 3/2009.

Desta novela importa tirar conclusões sobre a aplicação de incentivos fiscais em politicas públicas.

1. O que seria uma medida que visava aplicar o IVA a 5% - a qual deveria estar em vigor, para diversos serviços desportivos, desde 2006 – com o objectivo de , “por via da redução do IVA facultar serviços a preços mais baratos aos cidadãos", tornou-se um verdadeiro maná para os operadores do mercado que mantiveram ou aumentaram os preços dos serviços, com um bónus de 16% de IVA. Com esta “bondade” não admira o silêncio dos organismos representantes de ginásios deste país.

2. O impacto deste “incentivo fiscal” no consumidor foi nulo e criou uma situação mais lesiva do que à partida também para o Estado.

3. O Estado, que tão pressurosamente vem agora defender os consumidores, esquece-se que durante os dois anos em que os operadores viveram alheados do disposto no Ofício-Circulado n.º 30088/2006, arrecadou indevidamente 16% de IVA.

4. O Estado, enquanto agente do mercado, que isenta de IVA a utilização do parque desportivo público e serviços prestados nas instalações à sua guarda, está, á partida, a viciar a concorrência com os demais agentes.

Se houvesse um bom exemplo de como não se deve desenhar uma política pública e aplicar os seus instrumentos, este seria um bom estudo de caso, o qual, em bom rigor, para ser compreendido na sua plenitude, teria de se juntar um completo autismo face às normas e jurisprudência comunitárias sobre a aplicação de IVA a actividades desportivas.

Face a esta decisão da AdC não resta outra opção politica a não ser declarar que se continua “absolutamente convicto de que quando o Governo decidiu baixar o IVA para os ginásios, o fez para benefício dos utentes dos ginásios e a realidade, de facto, que aconteceu a partir daí, não foi um benefício para os utentes dos ginásios. Por isso, alguma coisa há de errado nesse ponto”.

Pois há algo de errado. Há de errado a incapacidade de avaliar o funcionamento do mercado e saber implementar medidas que incidam sobre as suas falhas, de modo a proteger os cidadãos, ao invés de agravar as disfuncionalidades existentes. Há de errado não perceber que as politicas públicas não são uma questão de "convicção", mas sim uma questão de razão.

O consumidor. Esse sujeito anónimo que paga a factura desta incompetência agradece!

1 comentário:

Henrique Figueiredo disse...

Nem todos os operadores desconheciam esse ofício-circular. Alguns já o aplicavam, provocando injustiça concorrencial.