quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

De bata e estetoscópio

Pessoa amiga contava-me, entre o incrédulo e o irónico, a experiência que viveu recentemente. Tratava-se de uma visita/reunião a um centro de controlo do treino desportivo. Durante a reunião surgiu o responsável pelo centro. Vestia bata branca e tinha um estetoscópio pendurado ao pescoço. Prestou as informações relativas ao trabalho no local. Á saída, a pessoa amiga, ignorando de quem se tratava, para além de ter sido indicado como responsável técnico do centro, perguntou a quem a acompanhava: quem era aquele médico? Ao que o interlocutor lhe respondeu:”não é médico nenhum, é um professor de educação física”.
Podemos entender o ocorrido como um “fait-divers” próprio da manifestação tardia de uma certa adolescência profissional. Também houve um geração de “gestores de desporto”que se encantavam com o “marketing mix”. E um vaga de treinadores e técnicos de exercício que são “personnal trainers”.E jovens que distribuem propaganda nas caixas de correio e que como profissão indicam “trabalho em publicidade”.Não vem grande mal ao mundo por isso.O problema é outro.
Como pertenço a uma geração que transitou de uma fase de afirmação profissional dos professores de educação física para uma outra que passou a viver mal, e em crise, com essa identidade profissional tenho imensas reservas a quem procura legitimidade profissional imitando /copiando lógicas de exercício profissional de outros grupos. Mas tenho ainda maior reserva aos que buscando inicialmente um formação vocacional na área do desporto terminam em especialistas em tudo e mais alguma coisa. E com os muitos anos que levo de vida profissional receio sempre encontrar alguém que sendo do desporto, do desporto sabe pouco, mas sabe muito de gestão, de arquitectura, de engenharia, de direito, de marketing, de finanças, de medicina etc. Ora estas são áreas de conhecimento que têm os seus especialistas. Que têm as pessoas que estudaram para dominar essas áreas. Aos profissionais das áreas do desporto o que se lhes pede é que saibam comunicar com esses especialistas. Não se pode é ter a atitude, que seria arrogante, de pensar que o conhecimento especializado nas áreas referidas é dominado por quem passa uns anos numa faculdade com um currículo onde existe uma cadeira de direito, de economia ou da saúde. Será já muito bom se, no plano profissional, aprender a falar com outras áreas de especialiadade dominando as suas linguagens e códigos essenciais. Porque infelizmente , por vezes, nem isso ocorre.
Diz-me também a experiência que especialistas de outras áreas (médicos, juristas, advogados, arquitectos, engenheiros) que têm experiência do desporto como praticantes ou dirigentes, por exemplo, têm um valor acrescentado nas suas áreas de especialidade profissional em relação ao desporto. A que muitas vezes juntam especializações acdémicas e profissionais das suas áreas em desporto.
Esta delimitação de áreas de especialização profissional é bem urgente perante e emergência de formações na área do desporto, onde o desporto parece ser o filho menor. E onde a legitimação profissional parece querer ser obtida através da captura de saberes e de lógicas de outros grupos profissionais e de outras especialidades. Até para que não suceda o inverso. Como no caso de uma universidade pública que promove mestrados, imaginem, em gestão e manutenção de campos de golfe(!) e em que nas habilitações de acesso não surge qualquer formação na área do desporto.
O caso inicialmente referido é sintomático. Não coloquem ordem na casa e “cada macaco no seu galho” a ainda hão-de ver um professor de educação física a dirigir um centro de medicina. Nem que para tanto baste um qualquer doutoramento, numa qualquer especialidade das ciências da saúde.

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