quarta-feira, 30 de junho de 2010

Mais futebol e menos conversa

Por vezes somos tentados – incluindo-me naturalmente no colectivo – a olhar a localização do futebol no todo desportivo nacional como algo que, em alguma medida, só nos afecta.
Em meu abono devo dizer que, em todas as matérias, sempre vou adiantando – particularmente aos alunos – que a nossa vivência não é positiva mas (sempre este mas) não estamos isolados e o vírus percorre um número bem significativo de sociedades e países.
As peripécias nacionalistas deste Campeonato do Mundo de Futebol têm tido contornos quase esquizofrénicos.
De todo o modo, há algo que deve ser dito, em abono de uma verdade (?) sociológica: é assim que as pessoas o sentem, quer queiramos, quer não, e os políticos acabam por reforçar esse sentir.

Por cá, o responsável (?) governamental pelo desporto tem acompanhado intensamente a performance da selecção.
A respeito das declarações de Deco sobre as opções tácticas e técnicas do seleccionador, foi lesto a ditar: «Mais futebol e menos conversa».
Intervenção decisiva para a nossa robusta vitória sobre a Coreia do Norte.
Já antes tinha adiantado que o resultado do primeiro jogo tinha «sabido a pouco».
E rematou: “os portugueses têm que confiar no trabalho do Sr. Queirós e dos 23 jogadores que ele escolheu para representar o país neste grande certame internacional”.
Para ontem o mote estava dado por Laurentino Dias: Cristiano Ronaldo é o maior trunfo da selecção portuguesa e, por outro lado, espera que Portugal e Espanha façam “um grande jogo de futebol” na próxima terça-feira, até porque concorrem juntos à organização do Mundial2018.

A verdade é que a «participação no jogo» de Laurentino fica muito aquém do que se passou (e ainda se passa) em França.
Nesse país, o Mundial é – literal e materialmente – assunto de Estado.
Nicolas Sarkozy recebe Henry, de urgência, no retorno a França (o jogador deixou o aeroporto num carro da presidência). Para garantir a audiência, Sarkozy cancelou mesmo uma reunião com as organizações não governamentais (ONG) que tinha sido convocada para debater as posições francesas nas reuniões do G8 e do G20. Foi de imediato criticado por dar "mais importância" ao futebol do que à "situação de três mil milhões de pobres nos países em desenvolvimento".

O presidente exige responsabilidades e anunciou “uma futura reflexão mais profunda e completa sobre o futebol na França”.
Exigiu ao seu executivo "garantias aos ministros para que os responsáveis assumam rapidamente as consequências pelo desastre". O presidente da federação francesa já se demitiu.
Haverá uma reflexão conjunta sobre o futebol francês – mais Estados Gerais – e a partir das conclusões, o Governo empreenderá uma reflexão mais geral sobre a governança das federações desportivas (porquê de todas?).

E em Itália?
Berlusconi, conhecido treinado da AC Milan, parece estar mais calmo. Numa conferência de imprensa, durante a reunião do G-8 (grupo dos países mais industrializados do mundo), no Canadá, afirmou que “ninguém ousou” falar no G-8 sobre derrota da Itália.
Mas, sem demoras, o Secretário de Estado do Vaticano, Cardeal Tarcisio Bertone, falou sobre a eliminação da Itália:"agora há muitos acusadores, mas nós devemos procurar uma nova equipa e um novo treinador".

Parece-me difícil negar a força do poder do futebol, em particular, restringindo-nos à Europa, nos países do sul.
Tal poder, convivendo com os outros (o político, o económico e o dos media), assume uma natureza transversal e, dessa forma, redobrando o seu vigor, vai determinando parte substancial da nossa vida colectiva.

2 comentários:

Luís Leite disse...

A força e influência desmesuradas do Futebol são uma realidade, mas isto acontece, fundamentalmente, em boa parte da Europa, nos países latinos e em África.
A importância futebolística do Soccer na América do Norte, na Ásia e na Oceania é muito menor do que outras modalidades:
o Basebol, o Basquetebol, o Futebol Americano, o Hóquei no Gelo e muitas outras modalidades nos Estados Unidos e Canadá;
O Basebol no Japão;
O Rugby na Oceania e na África do Sul;
O Crickett e o Hóquei em Campo no Paquistão e na Índia;
O Ténis de Mesa e a Ginástica na China.
O que o Futebol tem de facto é um conjunto de características pró-emocionais, relacionadas com a facilidade de entendimento das regras, a baixa marcação de pontos, a consequente incerteza dos resultados e a influência decisiva das arbitragens em lances capitais que o tornam muito chamativo, por ser simples e muito polémico.
E certos Governos aproveitam-se disso.
Obviamente.

Ana disse...

O desafio impõe-se, então, em saber usar o futebol como uma ferramenta de intervenção social. E neste campo ainda há tanto a fazer...!