sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Deixem-me ver se (não) percebi

Sou contratado para atingir um objectivo juntamente com um conjunto de colaboradores, em que tenho luz verde para decidir quais são dentro de uns certos parâmetros bem como carta branca para me rodear dos elementos técnicos nas mais diversas áreas que considerar importantes e lhes reconheça valor.

Esse objectivo é um processual e distribuído por um tempo de 14 a 16 meses, com uma série de fases a que podemos neste caso chamar de jogos oficiais e outros até de preparação.

Durante esse processo tenho uma série de comportamentos que não são considerados abonatórios para o signatário nem para a entidade patronal, para além de alguns desses comportamentos serem com uma das minhas chefias directas e outros comportamentos com outra entidade externa, mas numa espécie de corporate governance das organizações empresariais.

Esta mesma entidade patronal, quer seja directa quer seja indirectamente responsável pela minha orientação, considera então que o meu comportamento não foi claramente coerente com uma série de comportamentos adjacentes às minhas funções e até em termos de ética profissional e decidi colocar-me de castigo um mês. Neste mesmo mês estarei proibido de trabalhar a 100 % e exercer as funções para as quais fui contratado.

Deixem-me ver se compreendi!


Contratam-me para alcançar um objectivo, certo? Tive durante esse timing uma série de comportamentos que desagradaram e violaram procedimentos comportamentais, certo? Para além do confirmado, existem muitas suposições de descontentamento sobre a minha perfomance enquanto líder e responsável máximo para aquilo que estou balizado. Ficarei impedido de liderar a minha equipa durante duas dessas fases competitivas, ou seja, dois jogos, certo? Terá alguma espécie de coerência? Não entro pela parte jurídica, para isso está e muito bem, o Prof. José Manuel Meirim. Mas para a população em geral…como se explica isto?

Então e se a equipa nesses dois jogos fizer uma exibição excelente e depois, quando regressar, voltar aos rendimentos mais medíocres? E como atribuir responsabilidade máxima a esse líder se a equipa não se qualificar porque nesses dois jogos não tiver alcançado os pontos necessários? E como atribuir um castigo a alguém que a impede de fazer aquilo para o qual foi contratado?

É de facto um País estranho este, muito estranho.

6 comentários:

Gelo disse...

ai que saudades dos tempos em que os seleccinadores eram criticados por dizerem "pegana numa metralhadora e..." ou dos outros que andavam a dar pão aos patos :)

PP disse...

Não ponho em causa o seu valor enquanto técnico, enquanto gestor de grupo não me parece forte e a ler o jogo é fraco.
Quando saiu o sorteio eu disse logo que ficar em 1º do grupo ou ganhar a Espanha (se ficássemos em segundo no grupo) seria extremamente difícil. E por isso não acho que o desempenho da selecção no mundial tenha sido fraco ao contrário das palavras do Rui ou são do Carlos “voltar aos rendimentos mais medíocres”.

Mas estranho é ainda não terem despedido esse senhor, porque é claramente essa a vontade da população e institucional. Segundo o mesmo diz numa entrevista a um jornal nacional está a recibos verdes, "País estranho este", comportamento estranho este das partes envolvidas. Assim sendo sem vínculo contratual ou direito a indemnização. Ou será que existe contracto e os recibos verdes não são mais que um esquema (fiscal) no nosso "País estranho este". Porque se tal não for o caso é muito estranho que um profissional do seu gabarito, deixe o cargo que desempenhava para vir trabalhar nestas condições. Concordo "País estranho este", mas acrescento estranho o comportamento deste nosso seleccionador.

Luís Leite disse...

Caro Rui Lança,

Este é apenas um de muitos processos disciplinares cuja competência tem sedes próprias, de acordo com a Lei, com os Estatutos das Federações e com os respectivos Regulamentos Disciplinares.
Ao contrário do que provavelmente muita gente pensa este não é "o" caso, mas "um caso" entre muitos que aparecem no Desporto português.
Deixemos o processo correr normalmente até transitar em julgado.
A suspensão é uma das medidas normalmente previstas nestes casos, tal como a multa. Na minha opinião, a suspensão só faz sentido enquanto medida preventiva, durante a averiguação dos factos. Porque na realidade há uma incompatibilidade entre as obrigações do Seleccionador e o impedimento de cumprir as suas responsabilidades.
Quanto à multa, essa sim, no caso de um profissional pago a peso de ouro, devia ser, a provarem-se os factos, de valor muitíssimo superior aos 1000 euros. Para não falar de eventuais processos judiciais que possam correr em paralelo, interpostos por cada um dos injuriados ou até pela entidade que os integra nos seus quadros.

Anónimo disse...

Rui, muito boa e bem oportuna a observação. É mais do que evidente o resultado final relativo à capacidade completamente inviável do líder da selecção. Está irremediavelmente esvaziada. Isso deveria resolver-se já, independentemente dos pro...cessos jurídicos. No entanto vem pôr a nú, o que se passa em muitas organizações do desporto federado: Existem dirigentes que não admitem nem suportam o impacto e importância dos treinadores/seleccionadores. Neste caso concreto, aqueles tão pouco se importam com a necessária liderança da equipa ou da selecção nacional...Eles arriscam tudo. Afinal para que saiba...ELES É QUE MANDAM. Não há êxito colectivo nestas condições.Abraço

JL

joão boaventura disse...

Poeminha sobre as Reacções Paradoxais numa Sociedade

Na conversa sofisticada
a debutante, nervosa,
tem um problema bem seu:
fingir que entende tudo
ou fingir que não entendeu

Millôr Fernandes, in "Pif-Paf"


Poeminha de Insatisfação Absoluta

O que me dói
É que quando está tudo acabado
Pronto pronto
Não há nada acabado
Nem pronto pronto.
… …
E a poeira, em geral, está caindo invisível,
E a ferrugem está comendo não sei quê
E não há jeito de parar.

Millôr Fernandes, in "Pif-Paf"

joão boaventura disse...

Quem Me Mandou a Mim Querer Perceber?

Como quem num dia de Verão abre a porta de casa
E espreita para o calor dos campos com a cara toda,
Às vezes, de repente, bate-me a Natureza de chapa
Na cara dos meus sentidos,
E eu fico confuso, perturbado, querendo perceber
Não sei bem como nem o quê...
Mas quem me mandou a mim querer perceber?
Quem me disse que havia que perceber?
Quando o Verão me passa pela cara
A mão leve e quente da sua brisa,
Só tenho que sentir agrado porque é brisa
Ou que sentir desagrado porque é quente,
E de qualquer maneira que eu o sinta,
Assim, porque assim o sinto, é que é meu dever senti-lo...

Alberto Caeiro
in "O Guardador de Rebanhos - Poema XXII"
Heterónimo de Fernando Pessoa