segunda-feira, 2 de agosto de 2010

O Processo de Bolonha e o Canyoning


Temos assistido nos últimos tempos a exposições e declarações públicas, com enfoque no domínio do Direito e na posição do Bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, que resumidamente poderemos considerar tratarem da maior ou menor habilitação dos estudantes que tenham finalizado a sua licenciatura no instituído Processo de Bolonha para o exercício profissional.
Independentemente da maior ou menor assertividade das posições deste bastonário e das expressões rudes e por vezes demasiado radicais que utiliza para transmitir as suas ideias e convicções, convoco-o a este texto simplesmente para apelar à necessidade de reflectirmos acerca das consequências da formação em desporto, também decorrente do processo de Bolonha. Como é sabido, tal processo traduziu-se até ao momento, fundamentalmente, na instituição de três graus académicos, na redução dos 5 anos de licenciatura para 3 ou 4 anos e nas consequentes adaptações curriculares (basta consultar a enxurrada de diplomas com este fim na área do desporto, que vem sendo publicada há vários números na crónica de legislação da revista Desporto e Direito). Muito há ainda a fazer no domínio da total reorganização do processo formativo balizado por novos processos e novos valores, tais como o enfoque nas competências e não só nos conteúdos, nas aprendizagens e não simplesmente no ensino, na participação e envolvimento de outros agentes implicados (por exemplo nos estágios em diversas unidades curriculares do 1.º ciclo ou no estágio profissionalizante do 2.º ciclo) e não apenas nos professores e estudantes.

Contudo, independentemente de ser com base neste novo quadro que temos equacionar a formação actual e a ela nos adaptarmos com intervenções diferentes das do passado, o que importa, inexoravelmente, é reflectir acerca da formação dos profissionais do desporto no âmbito do quadro regulador existente entre nós.
E, fundamentalmente, coloco, por ora, duas questões que me parece essencial equacionar:
1.º estarão os estudantes de desporto formados pelas dezenas de instituições de ensino superior portuguesas habilitados, ao fim de 3 ou 4 anos de licenciatura, para o exercício das múltiplas profissões do sector desportivo?
2.º serão as imposições e exigências legais para o desempenho profissional na área do desporto suficientes?

Deixo igualmente algumas interrogações acerca da realidade actual (pós-bolonha), para as quais não encontro suficiente justificação:
- qual a razão para que um professor de educação física do ensino básico e secundário seja possuidor da licenciatura em Educação Física ou Desporto, complementada com o 2.º ciclo (mestrado) em ensino, e um professor de actividades de enriquecimento curricular (AEC´s ) da área disciplinar de Educação Física seja possuidor apenas do grau da licenciatura?
- O que justificará que, no recrutamento enunciado nos concursos públicos para técnicos superiores de desporto, uns municípios exijam licenciados em Educação Física, outros licenciados em Desporto, outros ainda licenciados em Gestão do Desporto (para além de outras formações)?
- Como se fundamenta que um treinador (veja-se o programa nacional de formação de treinadores) ou um profissional responsável pela orientação e condução de actividades físicas e desportivas (PROCAFD), tenha, ainda que muitos anos após os propósitos iniciais, merecido a atenção do legislador português, em detrimento da regulação da actividade de professores ou monitores das inúmeras variantes dos apelidados desportos da natureza ou desportos radicais?

Foram estas e outras inquietações que me surgiram novamente durante as 4 horas em que percorri, entusiasticamente, um rio lindíssimo do norte do País, fazendo habilidades incríveis e de alto risco, juntamente com mais 14 pessoas totalmente inexperientes na actividade, o canyoning. Os profissionais responsáveis por esta actividade de grupo não tinham qualquer formação específica neste domínio, nem licenciaturas ou mestrados pré ou pós-Bolonha, nem cursos creditados, nem formações próprias nestas actividades ministradas além fronteiras. Nada! Que inconsciência dos vários intervenientes e implicados: consumidores, empresa que presta o serviço, profissionais em causa e, em último lugar, Estado que não acautela os bens maiores dos seus cidadãos.

Nesta fase de mudança na formação em Desporto operada pelo processo de Bolonha, era tempo de parar para se reflectir e decidir convenientemente acerca da formação a ministrar aos futuros profissionais deste vasto sector social, assim como nas acções de formação a exigir para aqueles que já actuam nos mais distintos domínios da actividade desportiva sem a imprescindivel formação, a bem da melhoria da prestação desportiva, da saúde e da vida dos praticantes/consumidores desportivos.

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