segunda-feira, 25 de abril de 2011

O crime de ser árbitro.

Na semana passada, já no rescaldo do clássico Porto vs. Sporting, vimos relatado no jornal Record online as seguintes declarações de Carlos Barbosa, recentemente eleito vice-presidente leonino, "O que é preciso é haver pessoas competentes a apitar. Isto tem de acabar de uma vez por todas. Como? Com processos, processos-crime... Uma pessoa que deliberadamente faz erros como [Artur Soares Dias] fez, por incompetência, evidentemente tem de ser castigada. Num negócio de milhões, não podem prejudicar seja quem for".

Um pormenor fez com que esta notícia se distinguisse de todas as outras que quase diariamente relatam as críticas de dirigentes e administradores de Clubes e SAD aos agentes de arbitragem: os processos-crime.

Em Portugal, o estatuto jurídico-desportivo do árbitro não encontra trabalho doutrinal ou jurisprudencial que se possa considerar relevante, como é salientado por Maria José Carvalho no seu recentíssimo artigo “O Agente da Arbitragem: Agente Desportivo ou mal necessário?” (Desporto & Direito, Revista Jurídica do Desporto, n.º22).

Porém, se actualmente se pode considerar uma acção de responsabilidade civil contra um árbitro, por facto (ilícito?) cometido durante a sua actuação técnico-desportiva como sendo de difícil concretização, derivado de inúmeras dificuldades de construção técnico jurídica, consideramos ainda de maior dificuldade a construção de processos-crime fora dos já conhecidos e consagrados legalmente (e, noutra perspectiva, regulamentarmente) crimes de corrupção.

Se por um lado consideramos que um processo-crime dificilmente seria o mecanismo jurídico apropriado para que um clube se pudesse ressarcir de prejuízos num negócio de milhões, por outro, não se pode ainda deixar de destacar a expressão “Uma pessoa que deliberadamente faz erros”, e do respectivo alcance penal de tal expressão, como que evidenciando o conhecimento (?) por parte daquele dirigente de uma actuação dolosa do árbitro.

Ficamos sem perceber perante que crime terá incorrido Artur Soares Dias, de acordo com as palavras proferidas pelo vice-presidente do Sporting, ou mesmo se terá havido crime.

Por tudo isto, temos dificuldades em conseguir alcançar o sentido que Carlos Barbosa pretendia dar neste seu contributo muito próprio para o melhoramento da realidade da arbitragem em Portugal, que, ironicamente, se vê nos últimos tempos confrontada com inúmeros problemas quanto à sua profissionalização, e que terá como uma das principais bandeiras a independência dos árbitros, a par do melhoramento da qualidade de trabalho daqueles agentes desportivos.

9 comentários:

Luís Leite disse...

O principal problema do desporto português continua a ser, como defendi no Seminário de Silves, este ano, o fraco nível médio cultural e de conhecimento específico, do dirigismo desportivo, aos diversos níveis de responsabilidade.
Que não tem solução, já que impera o "amadorismo" e não há exigência de formação específica nesta área, embora existam várias licenciaturas, mestrados e até doutoramentos em Gestão do Desporto.

joão boaventura disse...

Caro Luís Leite

Tem razão.
Mas devemos considerar que as declarações dos dirigentes, como dos treinadores e até jogadores, não têm a função de dar testemunho da sua argúcia gestora, ou de uma boa argumentação jurídica.

As declarações têm a finalidade de pressionar os árbitros, criticando-os com agressividade e assertividade, empolando excessivamente as críticas, como meio psicológico de os amedrontar, na convicção de que o temor os leve a melhorar a arbitragem a favor dos reclamantes.

Perguntei uma vez a um jogador de um club, onde fui dirigente e exigindo sempre o respeito pelo árbitro, para evitar os confrontos de teimas porque o papel deles era o de jogarem como o do árbitro o de derimirem o duelo, com o argumento de que, se a arbitragem erra, também os jogadores erram, perguntei ao jogador, como dizia no início, as razões de reclamarem faltas não assinaladas

A resposta foi a de que "às vezes a "teimosia resultava".

Outro lado da moeda revela uma forma, quer dos dirigentes, quer dos jogadores, de desviar as atenções para as falhas ou incapacidades dos mesmos para resolver os problemas administrativos, ou das insuficiências técnicas dos jogadores.

Há uma transferência de responsabilidades facilitada pelo facto de a gestão ser invisível, como as contas do Estado, enquanto a arbitragem tem todos os holofotes apontados, com a sobrecarga acusatória da televisão que evidencia até à exaustão o que o olho humano não enxerga numa fracção de segundo.

Cordialmente

Luís Leite disse...

Na verdade, há questões que não têm a ver com conhecimentos de Gestão, mas com a formação cultural do indivíduo, da população.
Acedem com facilidade ao dirigismo pessoas fortemente empenhadas e trabalhadoras, mas mal formadas.
A arbitragem é, para essa gente da clubite desenfreada, bode expiatório nuns casos, objecto de manipulação prévia noutros.

joão boaventura disse...

A propósito da arbitragem e do papel dos jogadores, enquanto actores simuladores de faltas inexistentes, leitura de um comentador no jornal desportivo espanhol "Marca":

"Ahora que citas el reglamento, puestos a ponernos serios, también dice que la simulación de faltas o de lesiones con el fin de provocar sanciones en el rival, se castigarán con tarjeta amarilla, no estoy citando textualmente porque no tengo a mano el reglamento, pero seguro que dice algo de eso. Y lo de la fuerza excesiva es gracioso. Si hubiera que sacar roja en el fútbol cada vez que se usa "fuerza excesiva" (y habría que ver que entendemos por fuerza excesiva), entonces el fútbol sería un partido de tenis portero contra portero."

joão boaventura disse...

A prova provada de que o jogador do Real Madrid, Pepe, foi expulso injustamente pode ser visto e revisto no aqui, para se verificar que o olho do árbitro, portanto, o olho humano não pode enxergar numa fracção de segundo o que só a fotografia em movimento consegue.

Ocorrências destas são uma constante no futebol, porque a FIFA, com o pretexto de que o visionamento electrónico retira a mágica do futebol, nem faz parte do futebol, permitindo que a dúvida permaneça escondida, mesmo depois da televisão passar as faltas, existentes e não existentes, até à exaustão.

Permanece assim estranha esta mentalidade da FIFA perante um sistema já corrente tno ténis e no râguebi, e, que se saiba, nenhuma destas modalidades perdeu o encanto que os respectivos jogadores e espectadores nelas encontram.

Armando Inocentes disse...

Parece-me haver aqui duas ou três questões centrais:

1ª - as declarações dos dirigentes e o que faz notícia nos mídia;

2ª - a dificuldade em destrinçar por completo o que pertence à justiça desportiva e à justiça civil (penal?);

3ª - a tal "cultura desportiva" (ou a falta dela) e que se pode resumir na falta de competência de pessoas que deviam ser "verdadeiros profissionais" ou na falta de étiva e de moral de algumas dessas pessoas...

Moral da história: poderia o desporto ser o mesmo sem isto? Poedria, mas não seria a mesma coisa...

Luís Leite disse...

Caro João Boaventura:

O Futebol é o jogo preferido dos povos latinos.
Os latinos têm fama de malandrecos.
Nos países latinos, o Futebol e a comunicação social, sobretudo a desportiva, vivem e alimentam-se dos "casos" resultantes das decisões duvidosas das arbitragens e das suas consequências.
E de fezadas de "reforços".
O Râguebi e o Ténis são realidades sócio-económicas completamente diferentes.
Não são alienantes.
A paixão futebolística germina na alienação (clubite) e vice-versa.
A FIFA sabe que o seu principal mercado está nas ilhas britânicas, na Europa do sul, na América Latina e em parte de África.
O Futebol felizmente não é tudo, para quem gosta de Desporto.
Nem é o desporto nº 1 do mundo, como querem fazer-nos acreditar.

Armando Inocentes disse...

Faltou a Luís Leite (e penso que teria ficado em suspenso esta discussão quando Maria José Carvalho interrompeu a sua actividade no blog)dizer que existe "a excessiva futebolização do país e a importância dada pela Administração Pública a esta modalidade profissional".

Perguntem à maioria dos letrados em deportubol quantos buracos tem um campo de golfe? Ou quantas armas tem a esgrima? Ou porque o garrafão da NBA é rectângular e o nosso cónico? Ou até as medidas da baliza de futebol? E aí veremos a nossa cultura desportiva...

Ah! Já agora perguntem por que motivo no final de cada jogo tem de haver uma entrevista...

Um abraço a todos!

Luís Leite disse...

Liga Europa de Futebol com meias finais e finais com 3 clubes portugueses. Mas as equipas (os jogadores) são quase todos sul-americanos e os golos marcados (8) todos por estrangeiros...

Taça UEFA de Futsal com 2 clubes portugueses (SLB e SCP), mais um italiano e um cazaque, numa "final four" disputada em Almaty, no Cazaquistão, um país claramente asiático.
Três quartos dos jogadores presentes são brasileiros.
Em quantos países se joga Futsal (e já agora o famosíssimo Futebol de Praia, com os seus "mundialitos")?

Grande sucesso do futebol português e do desporto português, tanto para a comunicação social como para o membro do Governo que tutela o Desporto.

Hilariante...