quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Políticas desportivas comparadas: Portugal vs. Reino Unido (III)

Mais um texto de José Pinto Correia, que se agradece.


(Esta é a primeira parte do terceiro e último dos textos, originalmente publicados em Setembro de 2007 no Jornal “O Primeiro de Janeiro”, nos quais se procurava estabelecer uma comparação entre o nível da fundamentação e concretização das políticas públicas desportivas do Reino Unido e de Portugal até aquela data).


Vamos apresentar hoje, em conclusão, a visão de desenvolvimento desportivo constante do documento “A Sporting Future for All” (Um Futuro Desportivo para Todos), que constituiu, como dissemos anteriormente, a primeira manifestação formal de política desportiva do partido trabalhista do Reino Unido, e foi publicado no ano 2000.

Passemos então a analisar, seguidamente, o conteúdo do referido documento britânico no que respeita à visão que presidia aquele novo instrumento de política desportiva. Esta visão estava depois devidamente detalhada para implementação num plano de acção que não é aqui, por vantagem simplificativa, objecto de referência – e ambos compunham a denominada estratégia de desenvolvimento do desporto no respectivo horizonte temporal de referência. Vejamos então:

A Visão
Esta visão, é uma das duas partes da estratégia sendo a outra o plano de acção que a concretiza, e apresenta-se subdividida nos seguintes cinco níveis:

Um primeiro nível desta visão respeitava ao “Desporto na Educação” onde se assume desde logo o objectivo de aumento da participação dos jovens. A educação física e o desporto são considerados como parte fundamental na educação dos jovens, não apenas pela participação mas também pela ajuda no desenvolvimento de valores importantes como a disciplina, o trabalho de equipa, a criatividade e a responsabilidade.

E embora exista uma tradição de as escolas Inglesas fornecerem educação física e desporto de alta qualidade, assume-se que nos últimos anos essa provisão tinha decaído em muitas delas. Por isso, se impunha uma reviravolta nesse estado de coisas, através de uma nova abordagem que criasse mudança sustentável e de longo prazo, apoiando os professores, os pais e os jovens.

A nova ambição era, assim, a de aumentar os padrões da educação física e do desporto escolar em todas as escolas permitindo-lhes alcançar os níveis das melhores delas. Para tal estava previsto um plano dividido em cinco partes com a ambição de dar um novo fôlego ao desporto escolar e que incluía:

• Reconstrução das instalações desportivas escolares, através de uma nova iniciativa dotada de 150 milhões de libras para reconverter as piores instalações desportivas e artísticas escolares nas escolas primárias; ao mesmo tempo o Sport England afectaria 20% dos fundos da lotaria ao desporto juvenil para ser atribuído sobretudo às escolas; e seriam incentivadas as federações desportivas a investirem uma parte dos seus rendimentos provenientes dos direitos televisivos em instalações desportivas escolares;
• Criação de 110 “Colégios Desportivos Especializados” em 2003, que corresponderiam a escolas secundárias com um foco especial na educação física e desporto, para liderarem a prática inovadora e trabalharem com escolas secundárias e primárias parceiras na partilha das boas práticas e no aumento dos padrões desportivos; trabalhariam também com a profissão da educação física para ajudar os professores a melhorarem a qualidade e a quantidade da educação física e do desporto em todas as escolas;
• Extensão de oportunidades para além do dia escolar encorajando as escolas a prover um leque de actividades extra-escolares para todos os alunos independentemente da sua idade; previsão do dispêndio de 240 milhões de libras para apoiar as escolas a fornecer um leque destas actividades de aprendizagem extra, incluindo as de educação física e desporto;
• Estabelecimento de 600 coordenadores de desporto escolar nas comunidades mais necessitadas, baseadas em grupos de escolas ligados pelas “Autoridades Locais Escolares” aos “Colégios Desportivos Especializados”; esses coordenadores fomentariam oportunidades de competição regular para os jovens num leque alargado de desportos, envolvendo nos três anos subsequentes 150 grupos de escolas que juntassem cerca de 600 escolas secundárias e 3000 escolas primárias;
• Assegurar que os jovens mais talentosos dos 14 aos 18 anos tivessem acesso ao apoio de treino que os competidores de elite necessitam para serem campeões mundiais no futuro; criação de uma “Rede de Colégios Desportivos Especializados” explicitamente focados no desporto de elite.

Um segundo nível desta visão respeitava ao “Desporto na Comunidade” onde se destaca a perspectiva do fomento da participação desportiva ao longo da vida.

Considera-se que o desporto não acaba, por isso, no portão da escola, ele é a actividade de lazer mais popular – com mais de metade dos adultos a participarem semanalmente num leque alargado de actividades, desde as caminhadas ao hóquei, o futebol e natação. O desporto representava ainda 12 biliões de libras de despesas de consumo e empregava cerca de 420.000 pessoas.

Todavia, enuncia-se a existência de diferenças marcadas na participação entre homens e mulheres, grupos étnicos e nas diversas classes sociais – os profissionais qualificados participam mais que os trabalhadores não especializados e são em maior proporção membros de clubes desportivos, por exemplo.

O objectivo era, por isso, o de reduzir a desigualdade de acesso ao desporto ao longo dos próximos dez anos, investindo para tal nas instalações para o desporto de base e incentivando todos os envolvidos no desporto a concertarem esforços para darem oportunidades de prática aos actualmente dela excluídos. Seria também realizado um esforço para evitar o desmantelamento de campos desportivos existentes nas localidades e escolas, reforçando as “Orientações de Política de Planeamento sobre Desporto e Recreação”. E seriam feitos investimentos em diferentes tipos de instalações desportivas comunitárias, através de fundos provenientes da “Lotaria Nacional”, baseados numa auditoria de âmbito nacional que permitisse determinar quais os locais com maiores carências – este trabalho de avaliação foi, então, solicitado ao Sport England e à “Associação do Governo Local”.

Por outro lado, foi anunciado também um montante de 125 milhões de libras do “Fundo das Novas Oportunidades” para a criação de novos espaços verdes. E o Sport England investiria 75% do rendimento proveniente da “Lotaria” no desenvolvimento do desporto comunitário, por exemplo na construção de instalações de “indoor” para ténis, instalações multiusos, e no desenvolvimento de programas de treino para jovens em cidades do interior. Isto tudo constituiria uma melhoria massiva nas instalações desportivas significando entre 1.5 e 2 biliões de libras dispendidas ao longo dos próximos dez anos no desporto comunitário, especialmente nas zonas mais carenciadas do país.

Ao mesmo tempo, esperava-se que os desportos com significativos rendimentos de direitos de transmissão tivessem uma especial responsabilidade neste desenvolvimento desportivo e dedicassem pelo menos 5% desse rendimento, mesmo 10% a médio prazo, às instalações do desporto de base. Sempre que possível este novo investimento nas instalações do desporto de base deveriam ser direccionados para as escolas, melhorando essas infra-estruturas e aprofundando o compromisso do Governo de colocar as escolas no coração da vida comunitária.

Considerava-se que o trabalho de inclusão social estava bem para além das instalações e implicaria a acção conjunta das autoridades locais, das federações desportivas e das organizações financiadoras – pois sabia-se que o desporto constituía um dos melhores mecanismos de quebra de barreiras sociais. As autoridades locais teriam o seu destacado papel na promoção destas oportunidades de acesso e inclusão, usando cada vez mais os respectivos “Agentes de Desenvolvimento Desportivo”.

Também se exigiria uma estrutura de clubes mais profissional que complementasse devidamente o papel das escolas – sendo reconhecido o elevado número e a tradicional predominância dos clubes amadores baseados em voluntários –, pois os clubes são um elo vital entre as escolas e a competição de alto nível. Queria-se, por isso, desenvolver com apoio das federações desportivas e das autoridades locais uma mais eficaz estrutura de clubes, incentivando os clubes com potencial para desenvolverem várias equipas que oferecessem oportunidades para progresso para níveis mais elevados de competição, bem como a promoverem a gestão profissional de todas as suas actividades.

Ao longo dos próximos dez anos queria-se, por conseguinte, transformar o panorama do desporto de base do país – o qual era considerado um meio insubstituível para aumentar a participação e de melhorar a respectiva competitividade internacional.

(A Continuar)

2 comentários:

Anónimo disse...

Uma das grandes diferenças entre as políticas desportivas de Portugal e do Reino Unido é que, em Portugal, o Parlamento não faz estudos e debates sobre o funcionamento e a organização do futebol luso, ao contrário do Reino Unido que entendeu que tal assunto deveria merecer o esforço e o tempo dos senhores Deputados da House of Commons, como recentemente ocorreu em Julho de 2011.

Se o mesmo tivesse ocorrido em Portugal, logo teriam acorrido os mesmos que tanto gostam de dar o exemplo dos ingleses para criticarem o nosso País, verberando a inaceitável intromissão dos Poderes Públicos na sacrossanta autonomia do Movimento Associativo.

E mais: não satisfeito pela publicação desse estudo, o Secretário de Estado inglês até estabeleceu um prazo para a Federação inglesa de futebol alterar os seus estatutos em consonância com as recomendações do Parlamento britânico, sob pena de, não o fazendo, o Governo (inglês) legislar sobre a matéria.

Imagine-se o que não diria o economista Correia se o mesmo se tivesse passado em Portugal!!!!

joão boaventura disse...

Caro José Correia

Conhece bem os ingleses mas tem de primeiro conhecer como funcionam cérebros portugueses.

O desnivelamento é tão notório, só pela amostra, mas longe de mim que não continue a expandir as suas ideias que acabam por se ajustarem ao apelo do Primeiro Ministro para que lhas dêem.

Não leve a mal mas o optimismo não casa comigo, e a Casa Portuguesa está tão em ruínas que só falta saber quando cairá.

Cordialmente.