segunda-feira, 4 de junho de 2012

A guerra dos tribunais arbitrais para o desporto

Artigo publicado no Público de 3 de Junho de 2102.

1. Em Portugal tudo parece abundar, melhor dizendo, à falta de um, surgem dois ou três, não sendo fácil acompanhar tanta dinâmica. É assim com as iniciativas legislativas a respeito da criação de um Tribunal Arbitral do Desporto. Onde estávamos?

2. Em 16 de Maio de 2011, uma Comissão para a Justiça Desportiva, nomeada pelos secretários de Estado da Justiça e da Juventude e do Desporto, apresentou um projecto de diploma legal – e o respectivo relatório – com vista à instituição de um Tribunal Arbitral do Desporto. Já neste espaço registámos algumas “peripécias” desse procedimento. Mas, neste momento, o Comité Olímpico de Portugal (COP) perdia por 15-0.
Novo Governo e um ex-membro – se valer a participação numa única reunião – dessa comissão chega a secretário de Estado, não da Juventude e do Desporto mas de algo substancialmente diverso, ou seja, do Desporto e Juventude. E é aqui que fica bem marcada a diferença entre o PS e o PSD.

 
3. Mestre Picanço tinha uma encomenda para entregar que o presidente do COP lhe deixou antes de assumir funções governativas (?): Tribunal Arbitral do Desporto só há um, o do COP e mais nenhum.
Vai daí, o Conselho de Ministros aprovou recentemente, para audições, um anteprojecto de proposta de lei. De um resultado negativo, o COP, sem passar pelo empate, passa a ganhar, 22-0.

 
4. Laurentino Dias, atento, não vai de modas. “Pega” no texto da comissão, reúne umas assinaturas dos seus colegas e o PS apresenta o projecto de lei nº 236/XII/1ª, que, pasme-se, cria o Tribunal Arbitral do Desporto. As equipas estão empatadas, se não levarmos em linha de conta que o árbitro é a maioria absoluta no Parlamento.


5. São muitas as incertezas, inconstitucionalidades (?), perplexidades, falta de lógica, que polvilham os dois textos, por vezes em idêntica medida.

Outros já meditaram ou encontram-se a meditar sobre algumas delas. Por ora, neste espaço, abordamos apenas o modelo de partida. E quem lê a exposição de motivos do projecto de lei do PS facilmente constata que o ponto de fricção inicial está na localização do tribunal no COP.
Com efeito, é bem verdade, que o texto do Governo “entrega” o tribunal ao COP. O tribunal é instituído “sob a égide do COP”. É ao COP que incumbe promover a respectiva instalação, bem como o seu funcionamento. É na sua sede que ele funcionará. No entanto, do mesmo passo, o Governo vai dizendo que o tribunal “é independente dos organismos que integram o sistema desportivo”.

 
6. Mais. Como vem assumido pelo texto do Governo, é em redor do COP que se concentram as federações desportivas, integrando a sua assembleia plenária.
Por outro lado, no Conselho de Arbitragem Desportiva, constituído por sete membros, três são designados pela comissão executiva do COP, um pelas federações desportivas olímpicas, um pelas federações desportivas não olímpicas e um sexto pela Federação Portuguesa de Futebol.

 
Ou seja, teremos um Tribunal Arbitral do COP e das federações desportivas. Curiosamente, entidades que estarão em causa em muitos dos casos que ao tribunal se coloquem, alguns de forma obrigatória (sanções disciplinares a agentes desportivos, desde logo a atletas, e a entidades desportivas). Para o presidente do tribunal, vice-presidente do tribunal, conselho directivo, secretário-geral e secretariado, vale o pressuposto.

 
7. Assim não vamos lá e vamos ter mais do mesmo e, o que não é desprezível, suportado – obviamente – pelo Estado

6 comentários:

Luís Leite disse...

Constata-se:

1) A extinção não oficial da CDP;
2) A aclamação do Futebol como Federação previlegiada, com representação dupla, através das modalidades olímpicas e através de ela mesma;
3) A constituição semelhante à do Tribunal Constitucional, em que os juízes são nomeados pelos partidos (em nome da independência política)?;
4) A hipervalorização de uma instituição (o COP), que é tão democrático e independente que: a Comissão Executiva é escolhida pelo Presidente entre as Federações que se propõem votar nele; a Assembleia Plenária, que não se percebe se é ou não uma Assembleia Geral é presidida pelo Presidente do COP.

Um espetáculo de incompetência, ao nível do Conselho Superior do Desporto!

Anónimo disse...

Escreve Meirim:

São muitas as incertezas, inconstitucionalidades (?), perplexidades, falta de lógica, que polvilham os dois textos, por vezes em idêntica medida.
Outros já meditaram ou encontram-se a meditar sobre algumas delas.


Ora:
- se o projecto do PS reproduz, ipsis verbis, o projecto da Comissão para a Justiça Desportiva;
- e se este foi elaborado pelos Professores Doutores Cardoso da Costa, Pedro Gonçalves, Júlio Gomes, João Leal Amado, Nogueira de Brito, para além dos Drs. José Luís Seixas, Luís Paulo Relógio e Rui Boticas Santos;

Seria interessante que JMMeirim explicasse em que consistem as inconstitucionalidades, as perplexidades e as incertezas que "polvilhariam" (na sua expressão) um projecto de diploma que foi elaborado por uma Comissão presidida apenas pelo ex-Presidente do Tribunal Constitucional!

Os leitores agradeceriam e as eventuais debilidades jurídicas do ex-Presidente do Tribunal Constitucional seriam aqui "desmascaradas" para bem de toda a Comunidade Jurídica!!!!

Anónimo disse...

A maior delas todas foi não ter sido elaborado pelo Dr. JMM. Ao contrário de alguns dos outros ele não é Doutor pela Faculdade de Direito mas sim pela Faculdade de Motricidade Humana e, não parecendo faz a diferença toda quando abordamos inconstitucionalidades!

José Manuel Meirim disse...

Há muito tempo que não venho ao comentário dos comentários. Hoje, todavia, deu-me para isso. Depois de ter validado dois comentários anónimos, no fundo, depois de eu ter-me agredido, passo por aqui.
O ánónimo do dia 4 é, de certeza ou um jovem estudante de Direito ou alguém que acredita que os títulos tudo valem e, por isso, vive ainda num mundo de mitos. Seja um ou outro tipo é, no entanto, alguém que não conhece nem a vida nem o Direito.
Não é conhecer a vida e o Direito, dar por adquirido que tudo o que resulta de um trabalho colectivo de Professores de Direito ou de um ex-presidente do Tribunal Cosntitucional, ser, somente por essa razão, isento de críticas e mesmo de juízos ou dúvidas de conformidade com a Constituição
Veio-me à memória um comenta´rio feito em tempos a uma posição que defendi - a respeito de uma norma de uma lei -, em que o autor "jogou" contra mim a força dos deputados que aprovaram. Como, na sua lógica, se fosse possível a Assembelia da República emanra leis que violassem a a lei fundamental. É, infelizmente, o mesmo raciocínio. Para conhecimento do jovem ou do mitológico, fica a informação de que a Comissão e o próprio Presidente - com quem tive o prazer de falar va´rias vezes sobre es te e outros temas - enfenta as dificuldades do estabelcimento da arbitragem necessária, como prevista no texto. E, se é verdade que o Tribunal Cosntitucional afastou juízos de inconstitucionalidade em dois casos, também é certo que o acolheu num terceiro. Mas isto, da relatividade dos casos e dos seus contornos específicos, da humildade do Próprio Professor Cardoso da Costa e de uma toda uma maneira de estra na vid e no Direito é algo que o jovem irá porventura adquirir ao longo dos anos e que o mitológico tem muita dificuldade em entender.

Hoje, veio outro anónimo - ou quiçá o mesmo.
Eu, jurista de formação, Doutro em Ciências do Desporto, não posso, nem devo, emitir qualquer juízo sobre eventuias normas, num prisma de uma venetual violação das normas e princípios constitucionais.
Mais juventude - ignorância- ou mitologia.
Aqui, se me permitem os eventuais leiotres de ste comentário, pouco adiantarei.
O que verdadeiramente me interessa, seja Doutor em Ciências do Desporto ou em Direito, é que tenha o reconhecimento dos meus pares, seja nas Ciências do Desporto seja na Ciência do Direito. E, felizmente, tenho.
Esse reconhecimento é público e notório e espenha-se, para além do mais, na leccionação do Direito do Desporto que levo a cabo em esoclas supeiores públicas de Desporto e de Direito e na Universidade Católica Portuguesa, bem como nos sucessivos convites de de diversos colegas, uns Doutores em Direito e outros em Desporto.

Peço desculpa não corrigi este texto.
Peço desculpa ainda por não corrigir a minha maneira de ser e estar.
A este anónimos desejo que continuem assim. O Direito, O Desporto e Direito do Desporto precisa mesmo é que eles não passem deste estado.

Marina Albino disse...

Os anónimos são necessários, quanto mais não seja para verificarmos que vêm defender pessoas e causas, sem contudo as conhecerem bem.
Caros anónimos leiam e vejam as propostas...encontrarão certamente motivos para discussão...

Armando Inocentes disse...

"os anónimos que reclamam essa liberdade e o acesso irrestrito a todos os segredos mantêm, contraditoriamente, o segredo sobre si próprios, negando às restantes pessoas o acesso às razões mais profundas do seu agir."

Fernanda Palma