quarta-feira, 27 de junho de 2012

Qual corpo, qual mente...Rezo logo existo




Entendo que, nas escolas, se reduza a carga horária da E.F. pois só assim se preserva a melancolia dos alunos e da comunidade por inteiro. Aliás a historicidade das sucessivas reformas dão-nos a todos cansaço que baste, uma depressividade contrária a toda e qualquer actividade.  A tomada de novos poderes sobre a escola pública parece ser sempre feita pela via do ressentimento e, por causa disso, a escola tornou-se o cemitério de todos os entusiasmos, nela jazem todos os projectos, maior parte dos quais incompletos.

A formação que aposta na variedade de performances cria corpos que sabiamente dominam a leitura de jogos que, no campo, na tela, no palco ou no papel, artisticamente se reinventam. Escolas com este tipo de formação almejam um espaço de vitalidade que não só de moralidade, são um território de incitamento, resolvem inibições e, mais do que olhar para trás, estes lugares dão visão e preparam para o futuro. Contrariamente, se a aposta é numa formação que desvaloriza o próprio corpo então vamos tornar todos os jovens herdeiros das nossas frustrações mal vividas, das partes doidas da nossa história colectiva. E, loucura insana, vamos desde já mostrar-lhes que são herdeiros de coisa nenhuma porque nas ansias de tudo querer melhorar reside  a incapacidade de aceitar a parte da equação já resolvida. Este eterno retorno, de tudo apagar até do rascunho, é também um modelo de rebeldia pueril caracterizado pela vontade de vingar por via do esquecimento criador.

E em prol de um iluminismo ressuscitado, que nos mostra uma ciência triste, vamos então todos imaginar que, num esforço colectivo bem sucedido, criamos uma nova elite de sucesso na matemática. Ora, para que necessitam estes génios de EF no seu currículo se para resolver a função lhes basta dúzia e meia de neurónios mal medidos? A mesma questão se aplica ao cirurgião que, na neurologia, dá um apertão a estes neurónios ou ao engenheiro que concebe tão sofisticada aparelhagem usada na operação. Indo mais longe, ao fulcro da questão, pergunto para que necessitam eles do corpo por inteiro se apenas com a mente até prego enfiam na parede? A resposta a todas estas questões encontra-se na fé, à qual qualquer um deles recorre mal seja o sujeito a operar.  E, aí sim, conscientes da falta das rédeas no destino, todos rezam para que a mão do médico não trema, rezam para que este tenha resistência e aguente o stress e o cansaço, rezam para que este consiga gerar em torno do seu acto cirurgico uma energia emocional e uma grande solidariedade por parte de toda a equipa que lidera. É nestes momentos de profunda inquietação que todos descobrem o corpo que são!

Perante a crença disparatada na dualidade “mente sã em corpo são” que tão só alimenta a dúvida sobre o corpo uno que somos, também  pouco mais nos resta do que ter fé. Rezemos então para que a democracia aguente a estalada dada pela elite criada que, impulsionada pelos trampolins privados suportados pelos capitais familiares, é munida de performances polivalentes e, tendo passado com excelência em todos os exames, emigra! E, embalados, rezemos também pela democracia e não nos deixemos cair na tentação  de pensar que são só os que têm maior sucesso nos exames que politicamente nos servem e/ou governam. A tradição sempre foi o que era e, para mandarim, basta nas hostes do partido parecê-lo – esperto – já não tem sequer de sê-lo!

E, pejados de fé, vamos todos a Fátima em procissão rezar por todas as famílias que não têm dinheiro para pagar o inglês do Instituto, a música e/ou o teatro da Academia, as actividades do Clube ou do Heath Club e, com isso, não têm os filhos agraciados com as performances requeridas nas agências de emigração de talentos. Nesta procissão, com andor aos ombros todos nós penitentes que não temos orçamento para explicações e nem esperança no ensino individualizado por causa do aumento de alunos por turma. Este aumento vem alegrar o fulgor e o desassossego da idade, ao qual sempre se junta  o mimo dado por progenitores mal amanhados e, por via disto tudo, dar animo ao tempo  doido gasto no mandar calar ou no exaspero gritado do “já p’ra rua!”.

Oremos também pelos alunos oriundos de famílias descapitalizadas de academia e de economia que rapidamente da escola, reprodutora de desigualdades,  são “postos a mexer”. Evoquemos também aquelas escolas que se empenham a gerar mecanismos de combate ao abandono escolar e, nunca bem colocadas nos rankings do mérito de exame, garantem a inclusão dos desfavorecidos e são exemplo de solidariedade social. Sem preces, deixemos o elogio pronto dado a colégios afamados que, como a equipa do Real Madrid, escolhem aqueles que lhes garantem os melhores resultados marginalizando todos aqueles que têm ou dão chatices.

Rezemos também um terço em prol do crescimento quantitativo das Associações de Mães, Pais e EE, para que os 4 ou 5 (em geral familiares dos melhores alunos a matemática e piores a EF) que, dada a automaticidade democrática, acabam por representar os 300 ou 400 que nunca participam e /ou querem saber (em geral familiares dos alunos pouco dados a matemática mas que muito apreciam EF). Rezemos uma novena por inteiro para que se restrinja o número de mandatos nas cúpulas das respectivas Confederações para, na televisão, aparecerem caras novas com discursos inovadores.

Rezemos, então, pelo retirar da escola pública de quocientes da fé!

18 comentários:

Isabel Bettencourt disse...

Li agora este vosso comentário e revejo-me interramente nele. Na realidade revejo-me à 20 anos atrás numa luta equivalente. É verdadeiramente uma tristeza e agora ao cabo de 40 anos de trabalho (30 no ensino) e com 57 anos já não me sinto com a mesma coragem de lutar contra sempre o mesmo fantasma. O da ignorância e desprezo por valores que já não se diviam discutir em pleno séc. 21.Acho que, já que ainda me permitem, vou repensar se não está na altura de continuar a fazer o que gosto (como até agora) mas fora da escola, porque "esta escola" já não é a minha pela qual sempre lutei, penso que dignamente.

Anónimo disse...

Ou então:

"Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente.
E pela mesma razão."

Eça de Queiroz

Anabela Santos disse...

Sou professora de educação física, já lá vão mais de 20 anos. Talvez por manter um corpo são capaz de albergar uma salutar dose de loucura AMO A ESCOLA. Ámen!

Margarida disse...

Sou Professora de Educação Física desde há 33 anos! Sou-o por devoção e convicção!...Se tudo passar a ser uma questão de Fé, e, porque o Fado é destino "... entrego ao vento os meus ais..." que são tão grandes que até a alma me dói!... Recuso-me a aceitar esta prepotência barata por parte de quem nos (des)governa! Obrigada pelo vosso texto!
Margarida Pires

Anónimo disse...

Para quê a Escola, se ela agora é no Google, na Wikipedia, e na Internet (com videos, e prémios nóbeis a darem diretamente as aulas)?
Para quê o «corpo» se a vontade Humana é a desmaterializaçao, e a sustituição da matéria proteica por outro suporte muito mais durável e sem doenças?
Estes comentários, e o texto, são de Pessoas do Velho Mundo. Os «ais»,os «prantos», as «poéticas inflamadas», as «culpas atiradas para cima dos outros» não esconderão a incapacidade de acetar que o Mundo, tal como o concebiam, mudou?

FdoE

Ana Santos disse...

fDOe, nesse Novo Mundo que lhe é familiar, os rituais da procriação também prescindem do corpo e é "tudo" tratado via Skype?

Anónimo disse...

A procriação passa a ser uma prática selvagem, de animais numa fase de evolução equivalente, para os humanos, por exemplo aos frangos ou às minhocas.

FdoE

Ana Santos disse...

Filmes à parte, a investigação recente mostra que, não obstante toda esta digitalização e comunicação multiplicada pelas redes sociais,a presença do corpo e da multidão são cada vez mais essenciais à força de qualquer causa. Sem falar nas multidões que se deslocam ao estádio porque não conseguirá ver nelas expressão das emoções colectivas,em The Global City, Sassen mostra-lhe que as grandes corporações procuram proximidade no espaço das grandes metrópoles porque a formalidade dos contratos assenta, por incrível que pareça, nas relações de confiança firmadas na informalidade de encontros sociais, como num restaurante ou, noutros casos de maior envolvência de negócio, num campo de golfe.

Anónimo disse...

Isso são discursos para apaziguar as multidões, e dar-lhes conforto. O problema é sempre o mesmo, de sempre. Ficar, ou não conseguir ficar, no topo da cadeia predatória. As fêmeas humanas já não conseguem gerar (procriar) cérebros maiores desde há cerca de400mil anos. As cesarianas aumentam exponencialmente. Sem cérebros maiores os humanos perdem o topo da cadeia de adaptação e sobrevivência, sobretudo quando há excesso de população para os recursos dentro de um mesmo território. O tempo da procriação das femeas, e a sua utilidade para esse fim, está terminado (ver Relatórios sobre Fisiologia e Evolução Humana de Max Plank Institute, Univ Harvard, Cambridge, Oxford, China Science, etc, etc.). Só noutro suporte conseguiremos aumentar a capacidade de codificação. No passado, até recente, e noutros Habitats até neste preciso momento, ocorrem extinções em massa. Por isso é que essa questão da procriação, da proximidade, do corpo, são meras poesias que já não fazem sentido do modo como foram formuladas. É um Novo Mundo até para o modo de falar e escrever, o que já está a ocorrer.

FdoE

Ana Santos disse...

Fdoe, fico-me então pela poesia do presente deixando-lhe a si, visionário e erudito wiki, as inquietações dessa história disangélica.

josé manuel constantino disse...

A Ana está á altura dos acontecimentos….e eu tomo a liberdade de propôr publicamente o que já lhe segredei em privado…que todos os autores do blogue deleguem nela a responsabilidade de responder ao ex- FdE , a partir de agora justamente designado erudito wiki. Força Ana!

Anónimo disse...

Pois teem toda a razao do mundo mas
ja dizia o velho mestre quem sabe mais ha muito quem faça melhor e que ha pouco ou seja ...... nada

Anónimo disse...

Nos comentários que tiveram a amabilidade de me enviarem não se encontra quaisquer argumento, informação, ou ideia, que permitam ao leitor alterar o conteúdo do que escrevi. E isso é que era interessante a quem lê a discussão. Isso é que acrescentava valor á «Colectividade». Porque chamar «nomes» aos outros é o que fazem as crianças nos pátios das escolas, e nalgumas casas, sem qualquer proveito ou consequência útil. Sobre a «erudição» é necessário não andar distraído com o que se passa ao redor. Porque os relatórios a que me referi são «públicos», estão nos sítios internet das universidades que mencionei. Não estão é nas revistas-mundanas e na Wikipedia, ou no Google. Mas a isso não chamaria «erudição», chamaria apenas «outras leituras», ou «atenção para com outros assuntos».

FdoE

Luísa Gomes disse...

Ana, gostei muito de ler o teu texto. Bravo!

Pedro Gonçalves disse...

Um grande Ámen!

Anónimo disse...

Senhor FdoE

Não se aborreça por não respondermos aquilo que deseja que respondamos por duas razões:

1 - O sr. não conversa, desconversa
2 - O sr. quer evidenciar-se, e como já conseguiu, sossegue agora o seu espírito por algum tempo.

EdoF (Estado do Funcionário)

Anónimo disse...

Podia explicar...?!

Portanto, agora que vamos todos rezar muito para ganhar favores superiores das divindades, qual o sentido de historicidade que a doutora teve realmente em consideração para considerar nas diferentes reformas educativas? Ficaria muito encarecidamente agradecido se a professora/autora me fizesse o obséquio de explicar esse sentido...

J. Manageiro da Costa

Ana Santos disse...

Não tinha sentido único porque o que pretendia, mesmo, era dar uma volta turística pelas ruínas, ie, proponho mais uma visão do tempo do que da história das reformas.
Mas, claro, caso tenha um texto preparado sobre a história das ditas não hesite em partilhá-lo!