segunda-feira, 5 de novembro de 2012

É tudo muito lento


Texto publicado no Público de 4 de Novembro de 2012.

1. Poder-se-á afirmar que é uma questão de pormenor ou um excesso de perfeccionismo. Com o devido respeito, não vejo as coisas desse modo. Atribuo relevância para o alcançar de uma eficácia do sistema desportivo nacional. Falo-vos da publicação, na passada 2.ª feira, da portaria n.º 345/2012, que veio aprovar o modelo de requerimento que deve ser apresentado para efeitos do pedido de atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva, definindo ainda os documentos que devem acompanhar esse mesmo requerimento. Exactamente uma página do Diário da República. Quatro artiguitos e um modelito de requerimento. Um esforço hercúleo assinado por Mestre Picanço.
2. A publicação desta bem modesta portaria encontra-se prevista no artigo 16.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas, constante do Decreto-Lei n.º 248-B/2008, de 31 de Dezembro. Se estivéssemos no Brasil, falaríamos em “Lei Laurentino”.



Ora o anterior Governo e o actual levaram, nada menos, nada mais, do que quase quatro anos para “produzir” tão preciosa, complexa e extensa portaria. Durante este período qualquer entidade que quisesse requerer a atribuição do estatuto de utilidade pública desportiva não tinha nenhum enquadramento, por omissão do(s) Governo(s).

3. As “coisas” passam-se assim.

Publica-se uma Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto em 16 de Janeiro de 2007. Esta lei de bases prevê que toda a sua regulamentação - que não exija a intervenção da Assembleia da República – seja publicada no prazo de 180 dias. Entendeu – mal ou bem – Laurentino Dias que seria um decreto-lei. Publicado em 31 de Dezembro de 2008. Este, por sua vez, exigia uma portaria – a já referida –, que surge a 29 de Outubro de 2012.

Do topo à base, pois, caminhamos para os seis anos da regulação neste domínio. Como dizem os miúdos: “É mau, é muito mau.”

4. Mas, já agora, que estamos a falar de portarias, sempre se aditará um outro exemplo de omissão, em nossa opinião de redobrado relevo.

Não é crível – mas as coisas acontecem –, mas suponhamos que numa dada modalidade desportiva ganha espaço a vontade de organizar uma competição de natureza profissional. Na nossa lei, desde 1993 até ao dia 1 de Janeiro de 2009, sempre o Estado teve, de uma forma ou de outra, a última palavra sobre a concretização dessa vontade. É um exemplo clássico do grau (elevado) de intervenção pública no desporto federado. Ora, todo o quadro jurídico existente veio a ser revogado pelo artigo 66.º da “Lei Laurentino”. O que existe, agora, para os operadores desportivos? Uma mera esperança de portaria, como previsto no artigo 59.º do Regime Jurídico das Federações Desportivas: os parâmetros para o reconhecimento da natureza profissional das competições desportivas e os consequentes pressupostos de participação nas mesmas são estabelecidos, ouvido o Conselho Nacional do Desporto, por portaria do membro do Governo responsável pela área do desporto, a qual igualmente estabelece o procedimento a observar para tal reconhecimento.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro professor Meirim a sua nota é correcta e falta-lhe o outro aspecto para uma nova oportunidade relacionada com os erros cometidos pelo direito no desporto que a publicação de legislação tão aclamada pelo acto em si se esquece do conteúdo errado de fazer legislação no desporto tanto eficaz quanto eficiente a qual apesar de ser sobejamente conhecida não é objecto de análise e de actuação ética por parte dos decisores e dos seus assessores

Anónimo disse...

Permita-se-me não estar de acordo com o acordo dado à “nota” pelo «Anónimo 6Nov2012 8:40». O Povo costuma dizer sobre este meu desacordo o seguinte: «as coisas não se medem aos palmos». Quero com isto contrapor que a utilidade das leis também não se medem pelos kilos de linhas.

E neste caso concreto permitam uma imagem, para apresentar o argumento.
As extensas leis anteriores sobre o assunto indicado no post criaram muitas portas, mas faltavam-lhes uma pequena coisa para funcionarem. Faltava-lhes a simples e pequena «chave» para se poderem abrir-e-fechar. Isto é, para poderem funcionar.

Talvez