terça-feira, 20 de novembro de 2012

O lado oculto dos números




No estado de necessidade a que o país chegou existe uma preocupação, que é compreensível, com tudo o que envolve despesa com impacto na vertente pública. E como corolário desta constatação uma espécie de culto dos números em que se olha para o país como se de uma empresa se tratasse. De um lado a despesa e do outro os proveitos. O resultado, positivo ou negativo, definirá as políticas e o rumo a seguir. Neste exercício o risco de ficarmos pela evidência superficial dos factos é enorme. Acresce que os momentos de crise não são os mais disponíveis para a reflexão e a interpretação dos problemas. Transformar coisas complexas em equações simplistas é, por isso, um perigo que nos persegue.
Ciclicamente somos abalados pelos nossos resultados olímpicos. Consciências adormecidas durante quatro anos acordam e descobrem que não somos tão competitivos quanto devíamos. E toca de apresentar soluções. E para que as soluções sejam credibilizadas nada melhor que alinhar números, despesas, rankings e comparar resultados. E se a tudo isso se juntar o selo de uma qualquer entidade externa, mesmo pouco habituada a lidar com o desporto, mas que manobra números, cria-se a ideia de que o sucesso, afinal, está ali ao dobrar da esquina. É só querermos. O que trocado por miúdos quer dizer ir aos Jogos Olímpicos e regressar de lá com umas medalhas. Se assim é, então que assim se faça. Só que o problema não fica pelo simplismo do seu enunciado.
Desde logo porque o conceito de competitividade externa em matéria desportiva se não circunscreve à participação olímpica. Se assim fosse o ranking internacional da nossa modalidade mais cotada internacionalmente, o futebol, não podia ser o que é. Por outro lado, a maioria das modalidades desportivas não fazem parte do programa olímpico. E as que fazem participam em outros quadros competitivos internacionais. Medir o nosso grau de competitividade externa requer necessariamente uma extensão do cenário avaliativo para além da participação olímpica. Mas o assunto não fica por aqui. Qualquer pessoa minimamente informada e esclarecida sabe que o conceito de competitividade é multifatorial e a vertente financeira é apenas uma das suas variáveis. E uma variável que não pode ser medida exclusivamente por aquilo que é despendido na chamada preparação olímpica.
Nos sistemas desportivos estabilizados a relação sistémica entre os diferentes subsistemas explica o sucesso desportivo do alto rendimento e a respetiva competitividade externa. Em sistemas onde os diferentes subsistemas estão dispersos e sem relações de complementaridade é sempre possível o êxito temporário através de soluções mais ou menos imediatas: naturalização de atletas por razões de interesse desportivo; afrouxamento nos processos de despistagem da dopagem; processos intensivos de preparação desportiva; deslocação/emigração de atletas para outros sistemas de preparação; contratação de especialistas externos; etc. Ou até o êxito em alguns segmentos competitivos por razões culturais, de historia desportiva local ou até contingenciais sem que esses resultados sejam o reflexo de qualquer sistema desportivo minimamente sustentado. Isto para dizer que se pode procurar produzir resultados desportivos de elevado nível através de várias soluções. Para todas é preciso dinheiro, podemo-lo dizer simplificando a argumentação, mas para nenhuma delas basta o dinheiro.
É um equívoco a ideia de que tudo se resolve arrumando de forma diferente a despesa, concentrando porventura mais meios financeiros em modalidades desportivas que potencialmente apresentem indicadores de maior grau de competitividade externa. Porque a simples definição de prioridades competitivas e alocação de meios financeiros não é um imperativo de sucesso. O resultado desportivo é o reflexo do talento dos atletas com as condições sociais e desportivas disponibilizadas para o poder exprimir ao mais elevado nível competitivo. E essas condições estão para além da vertente financeira embora, muitas delas, por ela sejam condicionadas. Os números,que nestas ocasiões se alinhavam,  ajudam a fazer perguntas. Mas não constituem respostas. Porque existe um lado oculto dos números. Seria, por isso, prudente não ficar refém de uma perspectiva contabilística e entender que o sucesso desportivo requer o aperfeiçoamento de outros factores críticos abundantemente descritos na literatura da especialidade.
Uma nota final: não é o governo que decreta qual é estratégia para aumentar a competitividade desportiva internacional. Não é para o desporto, como não é para a cultura, para a investigação, sequer para a economia. No desporto são as organizações desportivas; na cultura os agentes e produtores culturais;na investigação as agências do setor; na economia os  empresários. Mas os governos devem articular as suas políticas públicas no sentido de convergirem com as necessidades e expectativas desses parceiros. Outra coisa não faz sentido. O que requer capacidade de diálogo e de construção de soluções. Nestes casos não basta ouvir. É mesmo preciso entender o que se ouve.

 

1 comentário:

Luís Leite disse...

No país com maior sucesso desportivo da História, os Estados Unidos da América, o Estado Central não intervém.
O sistema baseia-se na sequência High School, College and Professional Leagues or Championships.
O Comité Olímpico e as Federações são de pequena dimensão e servem apenas para selecionar e organizar as Seleções Nacionais para as competições internacionais.
O desporto universitário e profissional é auto-regulado e financia-se recorrendo exclusivamente ao MERCADO.
As Ligas profissionais, em todas as modalidades, são negócios privados e lucrativos.
O sistema não é perfeito.
Mas é o mais perfeito que existe.
Baseia-se na existência de uma atividade económica liberal muito forte (iniciativa privada), que valoriza o mérito e o sucesso, em detrimento de uma política inclusiva igualitária, pretensamente democrática, que não leva a nada, como está provado por estes lados.