Os tempos de publicação desta imagem da Glória são, aqui e agora, um avulso de possibilidades de entendimento da corrida que está para além da apresentação cronológica dos seus feitos e conquistas.
Em 2006, seguindo as pistas de Gil Moreira num trabalho de exploração de fontes para entender a profissionalização do ciclismo português, encontro este registo fotográfico da subida e, cinco anos mais tarde, a imagem é publicada no livro sobre a Volta a Portugal em bicicleta. A imagem é refeita de significado e é evocada para ilustrar um texto sobre a génese do espectáculo desportivo e comercial e, na fotografia, para mostrar o valor da multidão no reforço emocional da mensagem transmitida. Fotografada, a multidão é também um espectáculo, impressiona visualmente, é a objectivação da causa, seja ela qual for. Uma ideia prenhe de significado na necessidade política da afirmação autoritária dos movimentos nacionalistas, que viram na multidão a possibilidade de tornar objectiva a ideia de comunidade, e no espectáculo que ela representa a celebração de si própria, estabelecendo um paralelo com o papel desempenhado pela liturgia na religião. Actualmente, explorada a ideia para a produção televisiva, não faltam exemplos de cenários criados nos quais, na celebração espectacular, o ambiente criado chega a ser mais importante que a causa em si.
Quando este ano se conseguiu, sob apoio da SEJD, realizar a ICHC no Museu do Desporto que agora reside no Palácio Foz, colado à calçada da Glória, veio de novo à memória a imagem anos antes publicada. Volto à BNL à procura desse mote e eis que dou com os jornais desportivos das primeiras décadas em muito mau estado, a desfazerem-se, interditos à leitura. À falta de melhor pega-se então na foto da página do livro e de novo se lhe altera o sentido e, em pouco tempo, é o mote perfeito para convencer os parceiros institucionais a dar apoio à ideia extravagante de, na calçada, repetir o feito da corrida.
E, dito e feito, de novo a imagem circula e pegando nela a Matilha Cycle Crew transformou-a no cartaz que agora anuncia a corrida de 2013. Um design que nos confunde porque a tecnologia criativa consegue o presente parecer passado; é, também por isso, uma obra prima porque consegue baralhar todos os tempos que na imagem se cruzam e misturam.
É este poster que ficará como memória futura, é esta imagem que detém o poder transformativo do tempo. E apesar de serem hoje outros tempos é a multidão que ditará o sucesso do evento e dará visibilidade à agenda em causa: levar para o espaço publico a reflexão histórica sobre o valor do património desportivo; dar visibilidade à causa da bicicleta para em Lisboa termos menos auto-estradas e mais ruas; e, ainda, devolver à cidade a festa do ciclismo menos ligado a quadros competitivos federados e mais a jeito de nos levar a todos à Glória!
2 comentários:
“levar para o espaço publico a reflexão histórica sobre o valor do património desportivo”.
Enfim, a potência política do património de desporto… E quantos, durante tantos anos, não ligaram nenhuma? E durante quanto tempo fecharam os ouvidos a uma correta gestão do património do desporto em Portugal?
E quantos, como tenho aqui dito tantas vezes, em nome do fanatismo do alto-rendimento, impediram o acesso da população e das/dos cidadãos à competição desportiva (ao Desporto)? Basta olhar para as imagens deste post para ver o roubo que esses ideólogos lhes fizeram. Repare-se nas datas, para confirmar durante quanto tempo durou esse esbulho. Até isso.
Bem-haja a Ana Santos!
Talvez
Linda Homenagem a Abílio Gil Moreira, grande nome do ciclismo lusitano. Obrigado, Profª.Drª. Ana Santos, pelo excelente artigo!
Uma sugestão; a colocação dos botões de partilha neste blogue.
Os Meus Cumprimentos.
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