domingo, 2 de junho de 2013

Se cometeres crimes entrega o dinheiro ao clube.

Texto publicado no Público em 2 de Junho de 2013.

1. Se levasse em linha de conta o sentir da “opinião pública” sobre o valor das decisões da justiça desportiva, este texto poderia intitular-se “Lá como cá”.
2. Um dirigente desportivo, quando no exercício de funções públicas, foi condenado, em 1ª instância, em 4 anos e sete meses de prisão, com suspensão de execução da pena por igual período, acompanhada de regime de prova, pela prática de um crime de corrupção e outro de abuso de poder. Em causa encontram-se condutas ilícitas em que, resumindo, o arguido beneficiava empresários da construção civil e, com isso, obtinha para o clube importantes vantagens patrimoniais.
Interpostos recursos, incluindo pelo Ministério Público, o Tribunal da Relação veio a aplicar a pena única de 6 anos de prisão.
Seguiram-se os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que recentemente veio a tomar a decisão final sobre o caso.
3. Do extenso acórdão, destaquemos algo que nos marcou, isto é, a pena aplicada: 15 meses de prisão, com a execução suspensa por igual período.
Centremo-nos apenas em informar as razões que determinaram esta concreta pena, bem diversa da alcançada em 2ª instância.
Afirma o STJ que as penas servem finalidades de prevenção geral e especial, isto é, pretende-se não abalar a confiança das expectativas de todo dos cidadãos na validade das norma jurídicas e no “restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime”. Do ponto de vista da prevenção especial, o critério decisivo é, em princípio, a medida da necessidade de socialização do agente.
Ora, adita o STJ, exige-se um sinal claro de “intransigência” perante a corrupção e a venalidade, desta forma acompanhando os sentimentos de repúdio da comunidade pelo fenómeno da corrupção.        
4. Passando ao caso concreto, o STJ afirma que nada impede que a pluralidade de actos (concretamente oito) e a intensidade com que foram praticados sejam valoradas como factor de agravação da culpa.
Mas (primeiro mas): “Todavia, não será descabido, para a caracterização da medida da culpa, mais uma vez destacar os fins e motivos da actuação do arguido, não directamente ligados ao seu enriquecimento pessoal, uma vez que todas as vantagens, com excepção de uma única situação […] se destinaram ao clube, num contexto de dificuldades económicas e financeiras do clube”.
Assim sendo, 15 meses de prisão.
5. Mas (segundo mas): “Já antes destacámos a elevada dimensão em que se projectam as exigências de prevenção geral quanto ao crime de corrupção e o mesmo não deixa de se poder afirmar, em substancial medida, quanto ao crime de abuso de poder. Não obstante, há especiais contornos do crime de corrupção (aquele que assume, em função da pena parcelar por ele aplicada indiscutível preponderância no concurso) que o afastam dos casos típicos ou normais em que a ganância do agente dirigida ao seu enriquecimento pessoal é o principal fautor do crime. No caso, salvo uma única excepção, as vantagens destinaram-se a um clube desportivo e mesmo a única vantagem directa recebida pelo arguido não se dissocia da “vida” do clube porque foi destinada à campanha do arguido para a direcção do clube.
Os fins e motivos da actuação do arguido no quadro das «constantes dificuldades económicas e financeiras do clube», não podem deixar de interferir na percepção comunitária do crime atenuando as exigências de defesa do ordenamento jurídico que são, por regra e em abstracto, reclamadas pelo crime de corrupção.
Por isso, no caso, a suspensão da execução da pena, se subordinada ao cumprimento de deveres destinados a reparar o mal do crime, não deixará de ser compreensível para o sentimento jurídico da comunidade e para a manutenção da sua confiança no direito e na administração da justiça.”
6. Tudo bem, mas o meu sentimento jurídico não compreende. Sou um insensível, claro está.

3 comentários:

Anónimo disse...

Bom dia José Manuel Meirim
Parece-me faltar aqui um elemento relacionado com a hipótese de dentro da organização haver um benefício directo do interessado e nesse caso poder ter sido altamente beneficiado no processo do financiamento elevado das empresas de construção civil para o clube.
Melhores cumprimentos
Fernando Tenreiro

Luís Leite disse...

Se esta sentença fizer jusrisprudência, a corrupção no futebol vai generalizar-se a um nível impensável.
A partir de agora vale mesmo tudo.

Anónimo disse...

Os barões da droga estão ilibados, proponho, que sejam agraciados com o título de comendadores, pelas suas boas ações em prole da comunidade.