quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

José Maria Noronha Feio:in memoriam

José Maria Noronha Feio morreu no dia 6 de Dezembro de 1990.Como escreveu Mia Couto”um morto amado nunca acaba por morrer”.Noronha Feio é recordado por todos quantos com ele conviveram .Viveu sempre à frente do tempo e o tempo atraiçou-o e levou-o cedo de mais.Ele é uma figura cimeira da educação física e do desporto nacional cuja dimensão está para além do tempo que viveu.
Essa dimensão histórica resulta da circunstância de, sendo reconhecidamente um homem que tinha do desporto uma visão profundamente cultural, - entender as práticas despotivas numa perspectiva de raiz humanista, em que o desporto só tinha razão de ser enquanto forma, modelo e conteúdo ao serviço dos homens e das sociedades - procurou mercê dos lugares que ocupou na administração pública, introduzir o discurso cultural do desporto . Umas vezes com total sucesso; em outras circunstâncias sem que o tenha conseguido.
Na esteira de outros grandes homens da educação física e do desporto nacional, casos de Serradas Duarte, José Esteves e Mário Lemos, colegas que insistentemente recordava, Noronha Feio teve sobre eles a possibilidade de exercer um apostolado de pedagogia desportiva a diferentes níveis da administração esforçando-se por romper com a visão artesanal que habitualmente presidia à análise do fenómeno desportivo, O seu “discurso desportivo” servido por uma sólida cultura geral era reconhecidamente factor de imediata respeitabilidade e uma referência sempre recordada pelas centenas de alunos que tiveram o privilégio de o ter como professor. Um professor com quem dava prazer conversar, porque cada conversa era uma forma de com ele aprendermos.
A valorização do homem e da sociedade, a relação íntima entre as práticas corporais e a sociedade eram temas caros a Noronha Feio. Nunca procurou esconder a sua origem profissional e assumindo-se em todas as circunstâncias como um homem da educação física, defendeu sempre uma escola que permitisse que os jovens praticassem desporto, mas simultaneamente lhes proporcionasse possibilidades de apropriação e fruição de outras expressões da cultura moderna: a leitura, o teatro, o cinema, as artes plásticas.
Como homem do desporto, colocava permanentes interrogações sobre que prática cultural queríamos desenvolver. Viveu e sofreu por isso, por vezes dolorosamente, um dos paradoxos do tempo presente. Um tempo em que parece não haver tempo, nem lugar, para a problematização e conceptualização dos fenómenos culturais e desportivos, atitudes consideradas supérfluas e longe das realidades. O paradoxo no facto do que, à complexificação crescente de problemas e soluções desportivas, parece querer corresponder um suspeito pragmatismo que as mais das vezes, esconde apenas, a ausência de conteúdo e capacidades culturais para avaliar e discutir, em suma, para intervir.
Noronha Feio, era um homem da emoção e da paixão, mesmo quando o tribunal do tempo, lhe indicava que nem tudo fica resolvido com a pura paixão por muito sincera que ela seja sentida. Era um homem que precisava de viver com a ilusão. Aquilo a que outros designam como o sonho ou a utopia. Agradava e encantava os que o escutavam, naquele seu ar aristocrático, que escondia uma personalidade tímida, meiga e profundamente afectuosa.
Longas conversas mantivemos a propósito do futuro da educação física e do desporto do nosso País e do papel que nele pode desempenhar o poder local. Com ele compartilhamos a leitura global da situação: um país pequeno, pouco desenvolvido, culturalmente fraco. Com ele vivemos a dificuldade de articular estratégias de longo prazo com o desenvolvimento desportivo.Com ele aprendemos que países como Portugal não têm escolha possível, pois as únicas estratégias viáveis são as de longo prazo, porque só estas conduzem a resultados visíveis e palpáveis. Contudo aqui residia o insuperável: as estratégias de longo prazo não são sedutoras. E por isso, Noronha Feio, insistentemente dizia a alguns dos seus colaboradores que contrariamente ao que muitos afirmavam, em Portugal, o difícil não era começar um trabalho: era continuá-lo. Hoje, dezassete anos depois, os seus amigos lembraram-no numa cerimónia em Queijas no pavilhão desportivo que tem o seu nome. Obrigado Professor!

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