quarta-feira, 18 de março de 2009

As palavras e as normas V

Cá estamos nós, de novo, a efectuar o percurso do preâmbulo do regime jurídico das federações desportivas.
Eis o quarto destaque:

“Em quarto lugar, quer as federações das modalidades colectivas, quer as das modalidades individuais, devem reservar 30 % dos delegados para os representantes dos agentes desportivos (máxime, praticantes, treinadores e árbitros), sendo os restantes 70 % reservados para os representantes dos clubes (ou suas organizações). Nas modalidades colectivas, acresce ainda que terá de haver um equilíbrio entre os representantes dos clubes intervenientes nos quadros competitivos nacionais (35 %) e os representantes dos que intervêm nos quadros competitivos distritais ou regionais (35 %). Ao invés, nas modalidades individuais, a regra é a de que os clubes (ou as suas associações) devem, em qualquer caso, possuir o mesmo número de delegados.
Estas diferentes formas de ponderação do número de delegados asseguram que nenhum sector, nenhuma área da actividade desportiva, por si só, possa impor a sua vontade ao conjunto da modalidade desportiva.”

Aparte existirem modalidades desportivas que não conhecem – no rigor – a figura do treinador, ou dispõe de árbitros em número bem reduzido – crítica que se poderia endereçar, na mesma medida ao diploma anterior, a crua verdade é que as normas do diploma, mesmo na sua aparente abstracção e generalidade, e neste caso, a par e passo com o preâmbulo, se dirigem ao futebol, cobrindo por arrastamento as restantes modalidades colectivas.

Não se entende, pois, a afirmação final que destacamos, que nesta nota preambular, embora surja em último, é adiantada como o motivo primeiro da redefinição dos componentes da assembleia geral.

As razões que motivam a reforma nas modalidades colectivas como que desaparecem por magia nas modalidades individuais.
Esta é, verdadeiramente, uma real diferença entre esses dois tipos de modalidades e não outra como quer fazer o preâmbulo num momento anterior.

7 comentários:

Anónimo disse...

A tendência actual da sociologia do direito em geral, e sempre também, da do direito desportivo, consiste em:

- legislar de tal forma que as normas não configurem um corpo estranho no campo desportivo;

- evitar extrair do campo desportivo a norma a aplicar;

- evitar a inflação da logorreia.

Esta travessas já foram desenvolvidas por Rousseau e Habermas, e na mesma linha, por André-Jean Arnaut, "Le Droit trahi par la Sociologie", ed. LGDJ, Paris, 1998, e por Jean Carbonnier, "Flexible droit : pour une sociologie du droit sans rigueur", id.ib., 2001).

A autoridade do Estado não sai beneficiada com a inflação legislativa que acaba por ter efeitos e reflexos perversos quando, como no caso, introduz alterações que configuram intromissão na "Declaração relativa à salvaguarda da independência do desporto",do Conselho da Europa.

Por outro lado reflecte a dificuldade de os Estados Europeus converterem na prática os documentos que vertem com tanto entusiasmo no papel.

O que significa a dificuldade de cada país em:

- despojar-se do seu "banal nacionalismo" (título da obra de Michael Billig), para aceitar no seu país o que estipula para os outros e para o seu;

- aceitar sem mais delongas a sua própria Constituição; e

- alterar o entendimento jurídico relativamente à dinâmica social que sai coarctada pelos sucessivos atropelos.






.

Anónimo disse...

economicamente Neale(1964) referia a necessidade de compreender a lógica da actividade desportiva para estabelecer os princípios económicos do sector

Dani Rodrik ontem no Jornal de Negócios sugeria que se criticassem os economistas e não a economia pelo estado grave da economia mundial

o erro do direito nomeadamente do português são vários

1 - a lei do desporto que é feita não tem haver com Direito mas com objectivos de política, sendo executado por juristas enquanto responsáveis políticos e enquanto funcionários de carteira

2 - o erro é dos licenciados que não da ciência

3 - não existe outra ciência para ordenar a regulação dos mercados como o direito o faz, como não existe outra ciência para avaliar a eficiência dos mercados como a economia o faz

Creio que a sociologia terá outro problema relacionado com a definição dos seus objectos

decidir é optar, em todos os nossos actos desde que acordamos e nos levantamos de manhã e até que nos deitamos à noite

Não é possível ter respostas positivas para todos os actos sociais e a economia diz que existem custos de oportunidade

a escolha da compra de um bem tem o custo de oportunidade perdida de se adquirir um bem alternativo

A sociologia parece ter uma preocupação global e incapaz de fracturar e optar sobre a parte do todo

Esta dificuldade levará à incapacidade de actuar como faz o direito e a economia

os atropelos sendo opções são necessariamente passageiras e foco de alteração oportuna e capaz

daí a dificuldade de encontrar profissionais capazes de analisar a alteração e da assumpção do risco da escolha da decisão que visa o bem-estar mesmo que passageiro, antes da nova decisão e norma

Anónimo disse...

De acordo com o preâmbulo, "nas modalidades individuais, a regra é a de que os clubes (ou as suas associações) devem, em qualquer caso, possuir o mesmo número de delegados."

Por sua vez, o artigo 36.º, n.º 4, estabelece que "o número de delegados representantes de clubes ou das respectivas associações distritais e regionais não pode ser superior a 70 %, cabendo a cada uma dessas entidades idêntico número de delegados".

Dúvida:

Apesar de a lei se referir a "cada uma dessas entidades", o que apontaria para as associações distritais e regionais, deve entender-se que onde está "dessas" se deve ler "daquelas", no sentido de as entidades referidas serem os clubes e as associações?

Em suma, se 70% dos delegados corresponder a 22, serão 11 representantes dos clubes e 11 das associações (distritais e regionais), sem prejuízo das inerências do artigo 37.º?

Agradeço antecipadamente todos os comentários.

Anónimo disse...

O que o estado tem de fazer é limitar a garantir a coexistência ea capacidade de cada um para levar a vida que eles querem. Ma, una volta definita la questione in questo modo, come ha fatto la tradizione liberale, i problemi non sono affatto risolti, poiché non è chiaro che cosa debba fare lo Stato per garantire a ciascuno eguale considerazione e autonomia. Mas, uma vez definida a questão desta maneira, como a tradição liberal, os problemas não são resolvidos, pois não está claro que o Estado deve fazer para garantir igualdade de consideração de cada um e autonomia. Le differenze economiche e culturali sono tra i primi esempi che vengono alla mente, fattori che impediscono che tutti abbiano eguali chance nella vita. As diferenças econômicas e culturais estão entre os primeiros exemplos que vêm à mente, fatores que impedem que todos tenham a mesma oportunidade na vida

ESTUDANTE: Boa noite. Eu tinha que apresentar o objeto simbólico que escolhemos é uma cadeia Fizemos inspiração de uma frase de Rousseau, que em 1700 afirmou que: "Os homens nascem livres, mas estão presos em toda parte". "Agora a situação é a mesma: os homens nascem livres e em toda parte se encontra preso. A pergunta é esta e é dividido em duas partes: o direito é provavelmente um equilíbrio de poder? E o poder do Estado produz a liberdade de cidadão?

Então a lei não pode impedir a proclamação dos nossos direitos.
Então também posso opor-me ao direito?

Ou dito de outra forma, a regulação jurídica perfilha a logística do século XX, onde a imposição ditatorial era um facto consumado.

Prossegue a mesma linha, na convicção de que o movimento associativo mantém a mesma vivência do século passado, ainda apegado a fórmulas amadorísticas, pelo que o Estado deve intervir a todo o transe e desmesuradamente, sem medir a dimensão da sua jurisdição no direito desportivo.

A este propósito, Stefano Rodotà, na "La vita e le regole. Tra diritto e non diritto" ( ed. Feltrinelli, Milão, 2006) aborda o papel do direito e os seus limites.

Assim como Carbonnier considera que o direito não deve ter a vocação para estar em toda a parte e "abranger todo o universo", também Rodotà se debruça sobre papel do direito e dos seus limites de intervenção.

Tal como Arnaut, quando firmou que estamos rodeados de logorreia, também Rodotà assevera que vivemos numa sociedade saturada de um direito invasivo, que é imposto em vez de resultar de “um sentir comum”. O próprio pluralismo das sociedades democráticas, diz Rodotà, é o indicador do “limite de um modo de fazer direito, tornando o direito reconhecível e aceitável”, em busca do seu equilíbrio, entre o “direito” e o “não direito”, que é a recusa do direito imposto.

Resulta daqui que, tomando o Estado a plenitude do agir jurídico impositivo, paralelo mas não representativo do sentir do direito desportivo, ficar sujeito aos efeitos negativos ou contraproducentes dos objectivos supostamente correctos, mas opostos aos interesses e objectivos do associativismo.

Ocorre, por outro lado, a dificuldade em entender qual a via e o alvo do profissionalismo desportivo, ainda em fase sincrética, cujos contornos não se encontram totalmente definidos, pelas permanentes alterações orgânicas, tanto a nível nacional, como a nível europeu, e global.

Convém não esquecer que este cruzamento nacional-europeu-global se reflecte na indecisão sobre a procura de soluções, pelo que a aplicação de um direito mais fluido por parte do Estado seria a medida mais aconselhável face aos distúrbios que o choque entre os três níveis provoca.

Seria mais aconselhável reduzir as normas às linhas orientadoras mais essenciais, e deixar, dentro dessas linhas, que o associativismo encontre o seu caminho livre para decidir sobre o seu futuro. Esse é, no parecer de Rodotà, o “não direito” do associativismo.

As alterações nacionais dependem das alterações europeias, e estas, das globais. Dificilmente caminharão em sentido inverso.

José Manuel Meirim disse...

Agradeço os quatro valiosos comentários.
Tento responder ao terceiro, tarefa que, dado o registo normativo em presença, não se revela fácil, nem de solução inequívoca.
Dir-se-ia que as palavras que adianto devem ser lidas com cautela, como um primeiro exercício interpretativo sobre o tema.
Com essa prevenção essencial, vejamos o que, por ora, se pode dizer.

Em primeiro lugar, o nosso ambiente de análise são as modalidades individuais.
Sendo assim, a norma do artigo 36º, nº4, deve ser lida também com o apelo ao disposto no nº5: os delegados são eleitos por e de entre os clubes [...], sem prejuízo das inerências estabelecidas no artigo 37º(sendo que estas, em bom rigor, parecem pensadas apenas para as modalidades colectivas, maxime o futebol).
Se esta é regra fundamental, mal se percebe a referência às associações distritais e regionais presente no nº4.
Só os clubes - e nunca as suas associações - se encontrarão representados na assembleia geral.
Para estas últimas fica apenas a possibilidade de representação por inerência, asim o determinem os estatutos ou regulamentos federativos (o eleitoral, desde logo.
Há ainda um outro elemento perturbador da leitura escorreita destas normas.
Se bem atentarmos, o RJFD quando se refere às associações distritais e regionais nas modalidades colectivas, utiliza o eufemismo «associações territoriais de clubes».
Outra é a linguagem quando reverte às modalidades individuais (artigo 36º, nº4).
Temos para nós a convicção - inclusive face ao anteprojecto do Governo de 2007 - de que as normas sobre as modalidades individuais foram «enxertadas» sem cuidado no universo das colectivas,desde logo do futebol.
Com isso gerou-se, e vai continuar a gerar-se, espaços de bem difícil aplicação do RJFD a todas as federações desportivas de modalidades individuais.
Continuarei por aqui a tentar perceber o diploma, com a ajuda deste tipo de comentários.
Obrigado.
JMMeirim

Anónimo disse...

Caro Tenreiro

Já uma vez aqui expressei que, tanto a sociologia, como o direito, e a economia, se encontram, cada uma, em permanente busca dos seus objectivos, por força das mudanças bruscas sociais e económicas.

Por isso Adorno considera que se a sociologia "não fizer uma rigorosa auto-crítica, então a sociologia teórica corre, de facto, perigo, enleia-se realmente numa mundividência vazia ou num lugar-comum entorpecido."

Este considerando pode aplicar-se igualmente à economia e ao direito.
Quando considera que a sociologia, o direito e a economia, permanecem iguais a si mesmos, imutáveis e infalíveis, e que os seus executores é que erram.

Posto isto, e porque o movimento social, económico, político, e cultural...está sempre em permanente mutação, com alterações constantes ao statu quo, não resultarão os erros dos licenciados da desadequação de cada ciência aos tempos mudados e em mutação?

Com os constantes paradigmas que cada uma apresenta em resposta aos novos desafios é a prova de que cada ciência não pode estancar sob pena de perder o andamento do tempo e do futuro.

Quando reporta que

"Dani Rodrik ontem no Jornal de Negócios sugeria que se criticassem os economistas e não a economia pelo estado grave da economia mundial"

a sugestão pode querer induzir que
a economia está sempre certa, que acompanha a par e passo a evolução do mundo.

Mas Dani Rodrik diz o que é simples de dizer, e não dá prova dos erros dos licenciados, nem prova de que a ciência económica evoluiu de facto, para sublinhar os erros dos economistas.

Portanto, quando abordo o problema da triangulação "nacional-europeu-global", apenas suscito que o mundo está a mudar, que novas fronteiras ainda não estão resolvidas, que novas mudanças se operaram abruptamente, e que nenhuma ciência se pode gabar de se ter adaptado aos novos desafios.

Antes de falar do erro dos licenciados, Dani Rodrik deve averiguar se os erros não estão nos centros universitários.

De qualquer forma, caro Tenreiro, ambos acabámos por cair naquele dito de Montaigne:

"Il y a plus affaire à interpréter les interprétations qu'à interpréter les choses".

Anónimo disse...

Caro anónimo

aceito que também a ciência tem limites porque é percepcionada pelos homens como refere a sua citação de Montaigne

os erros passam também para os prémios Nobel, em que anos depois se verifica a precipitação do comité e dos que os apoiam, certamente cientistas de primeira água

há inúmeras anedotas sobre os economistas porque estão sempre a dizer, em inglês, 'on one hand' e 'on the other hand', e que deveriam ter apenas uma mão e não duas

ou seja, o pensamento económico tem presente a complexidade da realidade e toma posições simplificadas para obter conclusões, ou seja, tira fotografias instantâneas sobre a realidade, a partir das quais complexifica o modelo inicial

neste quadro, o mais seguro é o uso de conceitos e princípios testados e confirmados pela ciência que são os mais seguros, tendo a certeza da limitação da abordagem

isto para dizer da necessidade de avançar apesar das limitações da abordagem, da compreensão da realidade complexa e da criação e uso de instrumentos eficientes


o 'campo desportivo' que refere no seu primeiro comentário é desde logo uma abstracção e apesar disso é um instrumento que cada um, cada ciência, toma a parte apetecida

o que divirjo é que o direito atropele

a realidade social tem direitos e responsabilidades e há direitos inaceitáveis que levam à anarquia

se bem que as sociedade actuais sejam as mais libertárias de toda a história no sentido das capacidades de podermos fazer tudo o que quisermos num nível que as sociedades do passado apenas tenham sonhado

a limitação dos instrumentos criados são essenciais, vitais?, para o usufruto desse mundo que a sociologia vislumbra

mas sem esses instrumentos sociais estariamos sem capacidade de dominar esse universo promissor