domingo, 10 de janeiro de 2010

Um parceiro credível

A reforma institucional consagrada no Tratado de Lisboa (TL) vem redimensionar o funcionamento da União Europeia. Importa equacionar, nesta nova ordem, ainda que precocemente, o seu impacto na produção de políticas desportivas europeias.

O Tratado põe fim ao sistema de pilares, criado pelo Tratado de Maastricht em 1992, cuja complexidade de gestão política marcava uma Europa a dois tempos: Mais atrasada e politizada nos pilares intergovernamentais em torno da soberania dos Estados membros (Politica Externa e de Segurança Comum e Justiça e Assuntos Internos) e com maior integração, mais regulação e política técnico-burocrática no pilar comunitário - integrado num sistema institucional único com personalidade jurídica, a Comunidade Europeia, - marcado pela política incremental de pequenos passos.

O TL vem aclarar (arts 2.º a 6.º) os domínios de competência exclusiva da União Europeia (UE), de competência partilhada, e fundamentalmente, as políticas onde a União opera em complemento, coordenação e apoio à acção dos Estados – como é o caso das politicas desportivas – as quais são competências próprias destes, não susceptíveis de harmonização.

O reconhecimento da personalidade jurídica da UE, a generalização do procedimento de co-decisão e do direito de iniciativa da Comissão, e a extensão das matérias decididas por maioria qualificada são características do TL que contribuem claramente para a consolidação de uma estratégia politica europeia para o desporto definida no Livro Branco.

Com a institucionalização de uma agenda permanente, acordada pelos ministros europeus responsáveis pelo desporto em Janeiro de 2004 em Dublin, o ciclo das políticas europeias para o sector ganhou uma nova lógica com a definição de prioridades transversais ao longo de várias presidências e concertação da acção dos Estados-Membros, assumindo a Comissão uma posição de destaque ao longo de todo o processo. No fundo, desde 2004, comunitarizou-se a politica desportiva da União.

A difusão de vários grupos de trabalho, o reforço dos mecanismos de consulta e participação dos actores desportivos e a divulgação de estudos e diagnósticos sobre várias dimensões do desporto europeu traduzem a lógica de acção comunitária, marcadamente consociativa, através de uma lógica de produção política passo a passo, que rentabiliza a acção empreendedora e negociadora da Comissão para consolidar os seus objectivos, gerindo os efeitos de spillover e as janelas de oportunidade política que vão surgindo. Disso é exemplo, bem recente, a divulgação do estudo sobre os agentes desportivos na UE e o processo de consulta pública em curso sobre o financiamento das bases do desporto europeu.

Este trajecto, sustentado de baixo para cima em articulação com o mundo desportivo, foi autonomizando o ciclo político-desportivo da UE do diktat dos chefes de Estado que instrumentalizou a Comissão durante anos, profícuo após o caso Bosman com as declarações anexas aos tratados de Amesterdão e Nice e o Relatório de Helsínquia.

O reforço da co-decisão e a consagração do desporto como competência da União criam novas estruturas junto das instâncias decisórias, como é o caso do novo grupo de trabalho sobre o desporto, a funcionar junto do Comité de Representantes Permanentes do Conselho.

A lógica consociativa que tem imperado visa distender os interesses em presença, torná-los mais visíveis e menos dissimulados. A política europeia é tanto mais eficaz quanto mais claros forem os interesses em confronto. O mérito da Comissão tem sido precisamente esse: Expor claramente os vários interesses e negociar as posições numa agenda transparente onde os actores principais são os organismos desportivos e as administrações nacionais, constituindo-se como um parceiro credível para intervir e apoiar a sua acção quando necessário.

Nestes primeiros tempos de alguma incerteza institucional no funcionamento da União é bom ter esta noção bem presente, caso queira manter-se como um parceiro credível. A UE tem no desporto uma competência complementar e de apoio, onde a iniciativa política pertence à Comissão, num quadro estratégico e num plano de acção claramente definidos em torno de um modelo de governação no qual o seu papel é secundário. As memórias de outros tempos em que assim não o foi deixaram marcas num rasto de desregulação e conflito entre as instituições europeias, e entre estas e o mundo do desporto, com profundas consequências.

1 comentário:

joão boaventura disse...

Caro João Almeida

Agradecemos as informações que nos vai dando do mundo da utopia.

Mas aquilo que na UE vão fazendo, escrevendo, pensando, congeminando, pelas europas, é trabalho de Sísifo.

Repare que o tempo vai passando, os textos aparecem a recordar textos antigos, não para trazer novas adendas mas para esgotarem o tempo que a burocracia exige.

Quando as dificuldades são grandes, em termos de domínio, conhecimento e saber, voltam ao recurso de consultar as pessoas pela segunda ou terceira vez, e hão-de reincidir, porque é uma forma de comunicar que desejam resolver os problemas.

Relembra de certa forma o Ministério dos Negócios do Reino que em 1907 mandou inquirir junto dos liceus centrais e nacionais sobre as condições em que a educação física era ministrada, quer quanto a instalações quer quanto ao pessoal docente.

Todos se queixaram que as condições eram péssimas, que o pessoal docente, quando oficiais ou sargentos do exército, ora faltavam porque estavam de serviço no quartel, ou porque havia exercícios de repetição, e assim por diante.

Sabido isto, e sem nenhuma solução aos problemas apresentados, é feito novo inquérito, a indagar se as quintas feiras à tarde dedicadas à educação física, são cumpridas, isto é, o primeiro inquérito morreu.

Depois, no final de 1907, o Decreto de 19.12.1907, aparece a promulgar medidas provisórias sobre a organização e distribuição do pessoal do ensino da ginástica nos liceus, enquanto se não organiza convenientemente este importante ramo do ensino. (DG. n.º 290, 23.12.1907).

Em vão, porque em Dezembro de 1908, o Ministro do Reino, Conselheiro Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, apresentou à respectiva comissão parlamentar,novo projecto para organizar definitivamente a educação física dos liceus.

E é assim de definitivamente em definitivamente, que tudo vai funcionando provisoriamente.

Desculpe este retrocesso com o passado em Portugal, mas pretendo apenas que veja Portugal com o tamanho da UE, e fica esta retratada.

Isto para dizer que, dada a dimensão do problema desporto a UE em vez de o resolver, pelo contrário, vai levantando mais problemas.

Trata-se de ir ganhando tempo para encobrir as fissuras do edifício da UE, quais sejam as de que cada país continua a ser cada país, princípio de que nenhum nunca abdicará.

E cada um deles está lá dentro, transportando consigo as suas carências, os seus vícios nacionais. E não poucos terão objectivos discrepantes em relação à União.

E é assim que os euroburocratas se vão entretendo a encher resmas e resmas de papel, porque há necessidade de mostrar trabalho, e ganhando tempo, na esperança de que o tempo resolva.

E nós, Caro João Almeida, agradecemos que nos vá informando do que se passa na UE, para podermos ir ajuizando do difícil trilho criado ao desporto.

Cordialmente