segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Um desporto descrente ou desorientado?

Há coisas que sabemos como começam. Mas só somos capazes de imaginar como terminam. As certezas são como os prognósticos do outro: só no fim do jogo. Mas cheira-me que estamos perante um desporto desorientado, ou, pelo menos, descrente, nos resultados que por aí chegarão até 2012.
O presidente do COP em entrevista ao jornal A Bola (6.2.2010) assumiu o que livremente já havia assumido em outros momentos: sempre acreditou que em Pequim Portugal pudesse arrecadar quatro ou cinco medalhas. Mas é prudente em relação ao futuro: não expressa objectivos desportivos. Opta por falar do museu e das condições de remuneração do cargo.
O secretário de estado do desporto é de outra escola. Não é o governo que compete e portanto não lhe peçam contas dos resultados. E tem aproveitado para enumerar o que tem sido feito durante o seu magistério para melhorar as condições do desporto nacional.Com razão em ambas.
O presidente da CDP ainda se não pronunciou mas, mesmo sem bola de cristal , não é difícil de adivinhar: o desporto português vive o seu melhor momento de sempre.
Entre a prudência dos primeiros e o voluntarismo do último há contudo um traço comum: tudo é explicável, mesmo na ausência de explicação. Ou pelo menos de uma explicação razoável.
Portugal vive uma situação curiosa: nunca, quando comparado com o passado, as condições de preparação e organização desportiva foram tão favoráveis; mas é grande o risco de os resultados alcançados serem inferiores aos desse passado. Como explicar esta aparente contradição?
Os factores de sucesso desportivo dependem das aptidões e capacidades dos praticantes. E do modo como se optimiza esse potencial. O que requisita uma dimensão técnica e uma dimensão social. A primeira da responsabilidade das organizações desportivas. A segunda dos poderes públicos.
Idealmente tudo deveria caminhar num mesmo sentido. Mas a gestão das diferentes variáveis é complexa. Eleger o que é determinante no sucesso desportivo - o atleta ,o treino, a organização desportiva, a política desportiva -é um exercício inútil. Porque a insuficiência de uma variável pode ser facilmente superada pela forte presença de uma outra. O que explica, por exemplo, que países com níveis demográficos equivalentes e potenciais desportivos aparentemente próximos tenham desvios significativos no sucesso desportivo internacional. E países com condições materiais de treino e preparação desportiva inferiores superem quem as tem a nível superior.
Identificar os factores críticos (ou os travões ao sucesso) e priorizar as respectivas intervenções é desejável. Mas para que isso ocorra é necessário uma definição prévia de objectivos (o que se pretende?) e de prioridades (o que é mais importante?). Para o sistema desportivo na sua globalidade e para cada um dos seus segmentos e modalidades.
Um centro de treino pode ser prioritário para uma modalidade e ser dinheiro deitado fora para uma outra. Um quadro competitivo internacional pode ser um factor de aumento da competitividade externa de uma modalidade e um perfeito desperdício de recursos em uma outra. Quando tudo é prioritário e para todas as modalidades é porque nada o é. Tratar como igual o que é diferente é prejudicar quem tem mais condições de competitividade. Ora nem todas as modalidades reúnem as mesmas condições. Pelo que os recursos disponíveis, ainda por cima normalmente escassos, deveriam ser concentrados, prioritariamente, nas que têm valor desportivo e estão aptas a alcançar níveis de eficiência elevados no plano da competitividade externa. Que se avalia pelos resultados alcançados.
Como aspirar a posições de relevo num número significativo de modalidades é imprudente - se tivermos em conta a dimensão, os recursos e a tradição desportiva do país- seria útil que o desporto português, no plano associativo, tivesse interlocutores com suficiente autoridade e capacidade para poder definir um quadro de prioridades, -não é aos governos que o cabe fazer, quando muito cabe-lhes disponibilizar avaliações da realidade nacional e possíveis alternativas - e poder propor aos poderes públicos uma politica de descriminação positiva às modalidades com maior capacidade competitiva. Manter o regime actual é desperdiçar recursos e não potenciar as modalidades com níveis de sucesso mais elevados.

4 comentários:

Anónimo disse...

Desde há longa data, a prioridade é manter o status quo. Alimentar as Mega Federações e os seus mega encargos sem prejuízos de cada vez mais os seus resultados serem miseráveis e o seu potencial inverso ao seu investimento. A razão para tal é simples: a manutenção das clientelas e dos mini “boys”. Urge avaliar as Federações e o seu potencial, bem como avaliar as modalidades e o seu potencial. Sem esta ruptura, difícil será alcançar o sucesso na obtenção de resultados desportivos. A política de descriminação positiva no que se refere aos resultados é fácil de implementar. Os resultados são objectivos bem como os montantes do investimento

Luís Leite disse...

Como demonstrei ainda há pouco tempo neste local, a realidade histórica do desporto português, quando comparada com o resto da Europa e sobretudo quando comparada com os países com semelhantes índices demográficos é miserável. Não consigo encontrar outro adjectivo mais adequado.
Isto é válido tanto para a prática desportiva informal, como para o número de federados ou para o alto rendimento. Estamos mesmo na cauda da Europa e entre os 27 da União Europeia, só mesmo os micro-estados, por razões óbvias, têm
resultados olímpicos inferiores. Os pequenos novos países que resultaram do desmembramento da União Soviética e da Jugoslávia, como demonstrei, vão ultrapassar-nos (todos) já em 2012, no número de medalhas alcançadas nos Jogos de Verão.
Em termos de condições de preparação, enquanto praticamente todos os países europeus fizeram grandes investimentos em Centros de Alto Rendimento multi-disciplinares mas de grande qualidade nos anos 60 e 70 e agora já estão na fase de reconstrução, remodelação e actualização, em Portugal só em 2004, no penúltimo Governo, se começou a pensar no assunto, embora com prioridades muito discutíveis. O que existia, no Estádio Nacional, era uma vergonha e Vila Real de Santo António era frequentada, a 90% por atletas estrangeiros, durante o Inverno/Primavera. Ou seja, levamos 40 anos de atraso em relação por exemplo a Espanha e França, os países mais próximos.
Até há muito pouco tempo, neste País ainda se pensava que era possível ganhar medalhas em Jogos Olímpicos ou Campeonatos do Mundo com semi-amadorismos.
Nas modalidades individuais, ainda se foi conseguindo superar as enormes lacunas, graças ao trabalho persistente de determinados atletas, treinadores e Federações, que conseguiram atingir classificações muito relevantes com alguma regularidade e consistência (Atletismo, Judo, Vela). No entanto nalgumas das mais importantes como o Ténis e a Natação, o balanço é muito fraco e insignificante.
Nas modalidades colectivas, com a excepção do Hóquei em Patins, de reduzidíssima expansão mundial e do Futebol (pelas razões sociológicas conhecidas), raramente se conseguem vitórias em jogos internacionais e a presença nos Jogos Olímpicos é impensável. Nalguns casos glorifica-se uma vitória após séries intermináveis de (habituais)derrotas.
Várias modalidades desportivas olímpicas com importância internacional são praticamente desconhecidas por cá.
Neste contexto e com estas lideranças, nunca passaremos de pobres mas honrados parceiros no desporto internacional.
Em Fevereiro de 2010, já é previsível um conjunto de resultados e um número de medalhas apenas e dificilmente ao nível de Pequim.
Desporto português:
Nem "descrente" nem "desorientado": honrado, mas incapaz.

ftenreiro disse...

Concordo que as modalidades de maior capacidade desprtiva devem ter maior financiamento.

Três questões

Primeira
A estrutura de financiamento tem sido a mesma: as maiores modalidades têm recebido mais, as mais pequenas recebem menos.

Segunda
A questão não avaliada é a da eficiência da despesa. Quem gasta cada euro com melhores resultados desportivos.

Terceira
Há falta de dinheiro em inúmeras actividades desportivas, justificando-se o maior financiamento público e privado.

A questão não é se o copo está meio cheio ou meio vazio mas antes que o copo é pequeno.

A questão é, voltando ao início do poste do José Constantino, como conseguir meios financeiros necessários com lideranças federadas apagadas e sem projectos desportivos mobilizadores.

É complicado!

Luís Leite disse...

O que eu acho é que não precisamos de inventar nada, porque já está tudo inventado.
O que precisamos de saber é como é que os países europeus com dimensão demográfica e económica igual ou inferior à nossa têm um sucesso desportivo incomparavelmente superior.
É preciso estudar esses fenómenos e, sem ter vergonha, ser capaz de copiá-los naqueles aspectos que são mais evidentes e óbvios.
O nosso problema é que se passaram décadas a debater modelos e a meter projectos em gavetas e não se fez quase nada.
E quando se fez, foi megalómano e inadequado.
Copiemos, pois.