terça-feira, 29 de junho de 2010

Lugares comuns

Uma das afirmações que inunda as teorias da gestão (… e da politica) é a de que uma má decisão é sempre preferível a uma não decisão. Mas não é verdade. Um má decisão pode ter efeitos mais negativos que o seu adiamento. E não é preciso ir buscar exemplos. Mas a afirmação contém um outro problema: eleva o praticismo a critério de mérito.
Nos momentos de crise, de impasse ede crispação é natural que a impaciência se instale. E a impaciência só se sacia com resultados imediatos. O voluntarismo e a pressão podem empurrar para soluções imediatistas do tipo “devagar nunca se chega ao longe”. É neste terreno que crescem os práticos ou os desenrascados, como também são conhecidos.
O desenrascanso é, muitas vezes, sintoma de pouco rigor. De fazer por fazer. De idolatria pelo lado prático sem cuidar do resultado. Tal conduta não é necessariamente um mérito. O activismo pode esconder a ausência de conhecimento ou de estratégia sobre o melhor modo de enfrentar um problema. E pode não ser a melhor solução para esse problema.
O activismo nada tem a ver com o pragmatismo. É o oposto. O pragmatismo resulta da experiência e do conhecimento acumulados. O saber que não basta fazer. Que é preciso fazer bem. Mas que fazer bem é distinto de fazer muito bem. E que é preferível fazer bem, do que, por vezes, aguardar as condições óptimas para fazer muito bem.
O activismo revê-se apenas na acção independentemente do seu resultado. É forma sem conteúdo. O pragmatismo focaliza-se no resultado. É conteúdo sem descurar a forma.
A vida desportiva é um terreno fértil ao desenrascanso. Está dominada pelo imediato e pelos resultados. E convive mal com o insucesso. Mas o insucesso existe mesmo antes que os meios de comunicação reparem nele. E persiste quando já lhes deixaram de dar atenção. Viver a tirania do presente é aceitar a irresponsabilidade organizada. E é disso que se alimenta o desenrascanso.
Uma casa demora sempre mais tempo a construir que a demolir. E com as pessoas e as organizações passa-se o mesmo. Uma instituição desportiva é como uma mata: demora anos a crescer. Mas pode desaparecer em breves momentos.
A expressão competitiva de um talento não é imediata. A obtenção de resultados duráveis requer a construção de uma base de sustentação que demora vários anos. Mas a sua queda ou perda de qualidade pode ser brusca e instantânea.
Nas pessoas e nas organizações a pressa é inimiga do sucesso. Não é possível colher amanhã o que se semeou ontem. Quem assim pretenda está a enganar-se.
As organizações e as pessoas que crescem num ambiente de constantes adaptações normativas ou de regras de procedimento têm mais dificuldades em obter sucesso. Estar sempre a mudar não é positivo. A ausência de estabilidade e de rotina não são favoráveis. As crises e as mudanças bruscas só são janelas de oportunidade para poucos. A maioria fica pelo caminho. Mas é também aqui que reside o paradoxo.
Uma política desportiva é, como toda a política, a passagem do conhecimento rudimentar ao elaborado. Exige tempo e mediações. Objectivos claros, prioridades e meios de avaliação. E não pode ser de vistas curtas e viver apenas do imediato, do presente. O caminho de fazer por fazer, ou de repetir o já feito, deixar-nos -à permanentemente insatisfeitos. Mas o mudar por mudar não garante que o resultado seja diferente. Este estado de coisas e esta ambivalência esconde, afinal, em muitas circunstâncias, a ausência de visão e de estratégia.
A nossa vulnerabilidade está menos em apreciar leis, normas e diplomas e mais em definir uma politica de oportunidades que leve em linha de conta as necessidades, as capacidades e os recursos. O jeitinho especial para a “política fingida”- deixar os acontecimentos seguir normalmente e depois falar sobre eles de acordo com os estados emocionais criados pela comunicação social - também não ajuda.
O movimento desportivo vive em hemodiálise: sobrevive dependente das políticas públicas. As políticas públicas transformaram-se aos poucos numa penosa administração de trivialidades. Presta atenção excessiva a acontecimentos - como a modernização legislativa -com baixa probabilidade de alterarem a realidade desportiva nacional e menospreza acontecimentos que de forma rotineira marcarão o nosso futuro desportivo: o modo como se trabalha no desporto.

1 comentário:

Luís Leite disse...

Concordo em geral com o texto, mas especialmente com os dois últimos parágrafos.
As alterações legislativas só fazem sentido se forem: verdadeiramente úteis e acertadas;
exequíveis nos prazos definidos nos diplomas.
O que raramente tem acontecido.