sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O Desporto e a Cidade em Portugal (Notas de futuro)

Um texto de José Pinto da Correia que a Colectividade Desportiva agradece.


Os países estão hoje envolvidos em processos de criação de riqueza que assentam na promoção de actividades económicas, sociais e culturais que apresentam valor e funcionam como elementos fundadores de bem-estar e qualidade de vida. As empresas são os principais criadores dessa riqueza e são também elas que permitem aos diferentes países e espaços económicos e geográficos competirem pela afirmação das respectivas capacidades e potencial.

As cidades foram sempre historicamente os principais centros criadores e acumuladores de riqueza, pois agregam grandes massas populacionais, mobilizam projectos individuais e colectivos de consumo e produção de bens e serviços, sobretudo daqueles que mais inovam e acrescentam valor em cadeia. Por isso, as cidades continuarão a ser no futuro as sedes naturais de muitas das melhores e mais bem sucedidas iniciativas empresariais lucrativas e das não-lucrativas que geram as oportunidades das carreiras e das vidas profissionais e familiares, bem como das diferentes e novas formas de garantir a organização em rede das iniciativas que geram valor e diferenciação competitiva.

As cidades organizam hoje com cada vez maior capacidade autónoma os seus espaços naturais e alargam-se cada vez mais para além dos seus limites geográficos tradicionais. A gestão moderna das cidades vai complexificar-se e obrigar a contemplar um novo conceito para o seu planeamento e para os modos como estão capazes de atraírem novas actividades, actores e projectos.

A vida das cidades competentes e eficazes na sua capacidade de afirmação global e nacional tem de estar cada vez mais intensamente aberta às iniciativas que organizem recursos e factores económicos e tecnológicos competitivos a escalas globais, que possam ultrapassar as circunstâncias nacionais e locais e possam inserir-se nas cadeias mundiais de actividades e valor.

As cidades podem e devem, por isso mesmo, acompanhar as grandes tendências de evolução produtiva e científico-tecnológica, abrirem espaços de organização em rede abertos ao mundo para a geração e organização de novas empresas e projectos. Pois é óbvio que o espaço natural de intervenção das cidades principais de cada país passou a ser o Mundo, e sempre que justificado os espaços regionais integrados do ponto de vista económico e/ou político (como por exemplo a União Europeia).

Evidentemente que cada cidade tem o seu contexto nacional por excelência onde está integrada; e para além deste também pode e deve conhecer detalhadamente as circunstâncias e as potencialidades ou constrangimentos da sua inserção territorial “microgeográfica”. As cidades têm, assim, uma autonomia estratégica e de gestão político-económica, social e cultural que já se não compadece com as intervenções tradicionalmente centralizadoras do poder político e governamental.

Assim sendo, o poder central do Estado tem de passar a transferir ou devolver um conjunto de poderes e competências mais alargados para a esfera de intervenção autónoma das cidades. E estas organizarão especificamente essas esferas de intervenção, com base no mais detalhado conhecimento e análise das suas próprias realidades, perspectivando com recurso a prospectivas de largo prazo as respectivas estratégias de desenvolvimento.
Nesta nova organização dos poderes das cidades cabe sem margem para dúvidas a da definição da sua “estratégia de desenvolvimento desportivo”. E para a sua fundamentação não servem modelos já ultrapassados das eras de centralização do poder do Estado.

As cidades têm, nestas novas circunstâncias da sua inserção global e nacional, de conceber as suas intervenções e objectivos estratégicos para o desporto em função das suas análises territoriais, populacionais, de recursos humanos e naturais, das infra-estruturas existentes de onde partem, das suas capacidades de mobilização de lideranças para o desporto, das estruturas organizativas disponíveis e das necessárias, por exemplo. E na definição destas estratégias de desenvolvimento desportivo, as cidades têm de fazer participar todos os seus agentes próprios, desde dirigentes a atletas, pais e educadores, escolas, clubes desportivos e culturais, empresas e empresários, organizações sociais e de trabalhadores.

A estratégia de desenvolvimento desportivo das nossas cidades modernas e abertas à competitividade internacional tem de ser o resultado de um amplo processo de envolvimento e participação de actores interessados e envolvidos no e pelo desporto para poder ser trabalhada com a indispensável profundidade e poder ter a efectiva e atempada operacionalização. E neste amplo processo de participação tudo se pode ganhar: as pessoas, os praticantes ou atletas desportivos, as organizações desportivas, empresariais e patrocinadoras, as vontades e a ambição e os novos projectos.

No fim destes novos entendimentos do perspectivar do contributo estratégico das cidades na promoção de mais e melhor desporto, quem ganha é o desporto, a cidade, e o papel do desporto na cidade nova e no país em geral.




19 comentários:

Luís Leite disse...

O autor coloca as cidades no papel de agentes activos autónomos, conscientes e responsáveis.
No entanto, a cidade (o "orgurb") é apenas um local de maior ou menor dimensão, mais ou menos organizado (urbanizado), com uma concentração relativamente elevada de população. Não é agente nem é autónoma.
A cidade resulta da interacção histórica e circunstancial de forças relativamente descontroladas. Forças políticas, económico-financeiras, grupos de interesses, forças centrípetas e centrífugas de migração, etc.
Forças e interesses humanos.
Na nossa organização administrativa as cidades nem têm poder próprio. Estão inseridas e dependentes do poder político-partidário autárquico (Concelhos e Juntas de Freguesia, Juntas Metropolitanas), embora também dependam muito do Governo Central e da iniciativa privada. De pessoas e organizações de pessoas, portanto. Boas, razoáveis e más. Capazes e incapazes. Honestas e desonestas. Cultas e incultas.
As cidades não são actores, são palcos onde interagem actores muito diversos.
Colocar as cidades como sujeitos que têm a capacidade de gerir o seu próprio destino é apenas uma ilusão. É muito mais complexo do que isso.

Luís Leite
Arquitecto
Pós-Graduado em Planeamento Urbanístico ESBAL 1983/84.

fernando tenreiro disse...

O poste de José Pinto Correia alerta para a forma das organizações, por exemplo, a cidade competir no contexto das cidades europeias.

O comentário que fiz ao anterior poste do Professor Olímpico Bento mostra o caso das autarquias que aceitam determinado investimento em infra-estruturas e prejudicam as suas populações e beneficiam outras autarquias/cidades.

Esse exemplo demonstra a chamada de atenção de JPC para o acompanhamento das grandes tendências e para a arte de obter o máximo benefício evitando actos e medidas que as prejudicam e a sectores como o desporto.

Luís Leite disse...

F. Tenreiro:

A especialização desportiva numa determinada modalidade, incluindo a construção de infraestruturas de bom nível, acima das necessidades teóricas de um Concelho, pode trazer grandes benefícios indirectos e até directos ao mesmo.
No caso do Atletismo temos dois excelentes exemplos:

Vila Real de Santo António é um dos centros de treino de alto rendimento mais procurados da Europa pelos atletas de alto rendimento (e não só) nórdicos, conseguindo-se fortes taxas de ocupação hoteleira em Monte Gordo, durante a época baixa, que seriam impossíveis sem aquele equipamento.

Leiria, ao dar grande atenção ao Atletismo, com a organização de grandes competições no seu Estádio Municipal e criando o Centro Nacional de Lançamentos, é hoje uma cidade-referência, conhecida na Europa, com reais benefícios para o Turismo.
Os eventos ali realizados trouxeram ao estádio quantidades de público raramente vistas nos jogos de futebol e provocaram um fortíssimo desenvolvimento da modalidade no Concelho, a ponto de se ter tornado a 2ª maior Associação do País. Foi uma forma inteligente de a autarquia justificar a construção do estádio e da pista, com a concordância da maioria da população, pese o défice financeiro mensal. Mas a pista de Leiria tem uma utilização permanente e em grande quantidade.
Leiria é hoje, reconhecidamente, a capital do Atletismo português e isso tem, naturalmente um preço, aqui plenamente justificado.

Portanto, não devemos generalizar, antes analisar as opções políticas caso a caso.

José Correia disse...

Caro Arquitecto Luís Leite,

As cidades de hoje são muitíssimo mais do que meros agregados inorgânicos de populações. Podem e devem organizar-se estrategicamente em diversas áreas de actividade e ter mesmo desde uma estratégia global até uma de cariz simplesmente microgeográfica. Não são nem podem continuar a ser elementos de luta político-partidária e de absurdas indefinições das suas principais orientações económicas, sociais e culturais, e também desportivas. Como muito bem demonstra o Professor Hernâni Lopes no seu livro "O Papel das Cidades no Desenvolvimento Económico", que recomendo vivamente a quantos ainda pensam como outrora a visão das cidades nos países que competem no mundo globalizado de agora, o desenvolvimento estratégico das nossas cidades é um dos cinco sectores que poderá viabilizar Portugal nas próximas duas décadas. Assim, é bem desejável que exista um novo pensamento e visão sobre a forma e os modos de organização do desporto e da sua mudança dinâmica no interior desses centros de racionalização geográfica e económico-social que são as cidades. É claro que, como diz categoricamente ao longo daquela sua obra o Professor Hernâni Lopes, há imenso a alterar entre nós nos modelos de organização e de orientação estratégica das cidades. Ele aliás fez um bom exercício da sua extensa e inovadora metodologia proposta para essa reorientação do poder das nossas cidades para o caso particular da cidade de Alcobaça, o qual está disponível em linha no sítio da sua empresa de consultoria SAer. Nada mais adequado, por conseguinte, do que usar aquela inovação conceptual das cidades para nelas e a partir delas poder impulsionar o nosso desporto escolar e federado, ou mesmo o profissional, em Portugal. Só que tal modelação exigiria mudanças radicais na própria orgânica governamental centralista de Lisboa e também na da Associação Nacional dos Municípios. Mas será isso possível?

José Pinto Correia

Luís Leite disse...

Caro José Correia,

O meu ponto de vista é pragmático e realista, não desejando ser pessimista.
É o ponto de vista de um urbanista.
Não conheço o trabalho do Dr. Ernâni Lopes que refere.
Os economistas são geralmente muito teóricos e agarram-se muito a gráficos e a modelos, raramente conhecendo a realidade concreta, social, que julgam depender exclusivamente da economia. Considerar as cidades como entidades unívocas é um erro técnico logo à partida, já que se trata de sistemas muito difíceis de conhecer e caracterizar, extremamente complexos e muito dependentes de muitas variáveis, com mudanças rápidas no tempo.
O meu ponto de vista é, também, na área do Desporto, feito de uma experiência muito rica que tive, no relacionamento com as Autarquias e o Poder Central, relativamente à construção de infrestruturas desportivas para o atletismo entre 2002 e 2009. A leitura da comunicação que apresentei no âmbito do Congresso do Desporto será interessante para perceber a realidade no terreno.
A real dependência dos equilíbrios e desequilíbrios dos órgãos políticos municipais e a consequente mudança rápida e casuística de interesses e opções, face um mar de pressões, retiram às cidades o papel de entidades autónomas e credíveis.

Fernando Tenreiro disse...

Luís Leite,

Os exemplos que dá do atletismo com o Turismo são interessantes.

São exemplos interessantes ponto

A questão é que ao espalhar no território instalações desportivas e esperar que depois elas dêem benefícios pode não ser bem assim.

Fez-se um estádio de futebol e Leiria tem mais espectadores com o Atletismo.

Óptimo por Leiria ter benefícios com o Atletismo, porque o clube de futebol queria ir para outro lado por causa dos custos do estádio.

Ou, alternativamente, não será também que o atletismo se desenvolve em Leiria por ser a região de onde é oriundo o Presidente da Federação de Atletismo, Prof. Fernando Mota, e a empatia e os laços sociais e desportivos que criou e desenvolveu ao longo das décadas com os seus conterrâneos pouco a pouco geram frutos sociais e económicos relevantes?

Depois não é por lhe parecer que as coisas económicas são como diz. Os políticos gostam muito de decidir investir em infra-estruturas e os exemplos que dá nenhum mostra que as contas estão equilibradas.

Eles demonstram que existe uma mais-valia, que no caso dos estrangeiros podem constituir uma fonte de novos rendimentos.

Existem outros casos, que não vou dizer, em que as autarquias estão a pagar para ter atletas de outras regiões.

O seu exemplo é útil mas não inviabiliza o modelo económico que esbocei.

A questão é que para as cidades serem inteligentes, como propõe o JPC, têm de ter estudos sobre os investimentos que fazem e apurarem com rigor os custos assumidos e os benefícios esperados a fim de a partir de certa altura os presidentes das câmaras não dizerem: "Se eu soubesse, o que sei hoje, não tinha feito este investimento".

Ou ainda como disse o Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses acerca da sua cidade Viseu: Ainda bem que Viseu não entrou no Euro2004.

Se tiver mais dados podemos ver como os equacionar economicamente.

José Correia disse...

Caro Arquitecto Luís Leite,

Infelizmente não consigo ver qualquer ciência, seja social como é a economia ou exacta como a física ou a matemática, sem corpos teóricos permanentemente em evolução. Nem aceito que a ciência económica ou a gestão empresarial ou desportiva possam ser reduzidas a quadros teóricos sem qualquer relação concreta e palpável com a profana realidade. A ser assim possível descaracterizar os quadros inteligentes e racionalizadores de qualquer ciência ou mesmo arte, como penso que se possa considerar a arquitectura, que restaria para intervenção racional e reflectida do homem nas estruturas económicas, sociais ou culturais? E nas desportivas?
Quanto ao Professor Hernâni Lopes sempre lhe informo que o seu trabalho saiu por volumes em várias edições do Jornal "O SOL" e que o currículo dele está bem acima de qualquer um de nós portugueses. Aliás foi ele que meteu mãos à obra na crise violenta de 1983-85 com a intervenção do FMI que os governantes adiavam sistematicamente. e teve toda ela um quadro teórico por base, que se mantém ainda hoje em muitas das intervenções de correcção estrutural que o FMI patrocina (vide o actual caso da Grécia).
Em final, diria mesmo que se desprezarmos as bases da teoria das diferentes ciências, de qualquer delas, ou até das artes, restará apenas um tosco e indefenível pragmatismo que poderá originar estados de coisas como o actual do país, ou como agora tão categoricamente se constata que foi a aventura do EURO 2004 em várias cidades portuguesas e de muitas outras infraestruturas desportivas nacionais (como bem refere o Dr. Tenreiro aqui no post anterior. Sempre me prefiro resguardar na dominância relexiva dos quadros teóricos de uma ciência como a economia, que aliás tem ao nosso inteiro dispor muitas e concretizáveis variantes premiadas pelo Nobel respectivo.
Pragmatismo muito e oco temos no actual Governo e no seu líder, o que infeliz e desafortunadamente vai conduzir-nos a uma submissão a um determinado quadro teórico conhecido - o do FMI com mais ou menos vigilância Alemã e das agências de financiamento externo.
Mas isto já são histórias de outros actores, globais e internacionais, mas alguns muitíssimo irresponsáveis...!

José Pinto Correia.

Luís Leite disse...

F. Tenreiro,

As Câmaras têm dinheiro para gastar, inscrito no seu orçamento.
O que está em causa é se o dinheiro é bem ou mal gasto.
Se o investimento é gerador de desenvolvimento, é bem gasto. Se só gera défice, sem nenhuma mais- valia, é mal gasto.
Quando referi o Estádio Dr. Magalhães Pessoa, apesar de tudo como um bom exemplo, isso significa que, sem a pista, que se deve à Drª Isabel Damasceno, provavelmente já teria sido demolido sem ter tido proveito algum.
Mas poderia referir também a aposta no Desporto que foi feita pela Câmara de Rio Maior (Silvino Sequeira) como uma aposta globalmente ganha.
Outro caso interessante é o do Seixal (Pista Carla Sacramento), sempre com muita actividade e formação.
São casos em que pode haver algum prejuízo financeiro, mas há resultados desportivos, formação, desenvolvimento desportivo e tudo isto é lucro para a cidade, para o Distrito e para o País.
Mas há outros, não muitos, exemplos de bom investimento. Mas a maioria são maus investimentos.
O problema está, como muito bem afirma, na falta de planeamento e nas decisões casuísticas de muitos municípios.
Posso dizer-lhe que existem mais de 30 pistas de atletismo em Portugal que não têm, nem nunca tiveram, nenhuma actividade e se degradaram rápida e definitivamente. Muitas nem nunca tiveram o indispensável apetrechamento. Mas houve muita gente que ganhou dinheiro com estas coisas...
Falo de casos do Atletismo porque são os que conheço.
Voltando ao assunto:
Falar em cidades como entidades geradoras de algo é um erro, já que a escala é a do Município e quem decide, bem ou mal, são pessoas que passam. As cidades limitam-se a ser palcos de concentração de actividades.

Fernando Tenreiro disse...

Luís Leite,

Algumas das suas frases podem ser assinadas por aqueles que você critica e, depois afinal, existem 30 pistas que têm problemas.

Veja que os exemplos que dei foi de grandes infra-estruturas.

Eu não estou a falar das pessoas estou a falar de estudos económicos como faz o José Pinto Correia ao referir-se às cidades inteligentes.

E depois é importante ter uma visão ampla para compreender que se calhar aquelas pessoas que Você prefere referir tiveram contactos fundamentais com aquele cujo nome não pode ser pronunciado.

As autarquias quando fazem investimentos têm que ter mais do que: 'sempre com muita actividade e formação' como refere.

Depois conclui 'Mas a maioria são maus investimentos.' Como economista o máximo que eu diria é que a inteligência, roubando o termo das cidades, da rede de infra-estruturas desportivas nacionais depende de análises de áreas do conhecimento como a geografia, a sociologia e a gestão para me ajudarem a analisar a viabilidade desses investimentos.

Você ao concluir que são maus investimentos abre a mão a análises actuais que ajudem o investidor e proprietário actual a valorizar o seu investimento.

As sociedades mais desenvolvidas são mais desenvolvidas porque possuem estruturas complexas de preparação da decisão pública e privada e onde existe abundância de informação.

Estas sociedades também consequem reanalisar os investimentos e corrigir os passos dados em falso.

Por fim a democracia dessas sociedade dá o máximo de liberdade e de responsabilidade aos seus cidadãos e instituições para conseguirem resultados benéficos individual e colectivamente gerando externalidades de rede cruzadas que nós ainda não compreendemos.

O exemplo das externalidades cruzadas é a actuação de um líder desportivo clarividente que pacientemente tece uma rede de contactos e vontades locais que chegam à população de base e que em determinado momento acumula efeitos mais do que proporcionais face ao gasto inicial e que no passado não tinham sido concebidos mas que a proficiência dessa actuação permitiu gerar.

Atentamente

Luís Leite disse...

Caros José Correia e Fernando Tenreiro:

Os modelos teóricos criados nas diversas áreas de investigação, a que recorrem sistematicamente os docentes universitários, desactualizam-se com o passar dos anos e vão perdendo validade e sendo substituídos por outros.
Em Portugal, no meio universitário, sempre tivemos a mania de nos agarrarmos muito a modelos teóricos, sobretudo estrangeiros, utilizando-os como paradigmas, mesmo quando a realidade no terreno já há muito mostrava a sua falência.

Quanto ao Dr. Ernâni Lopes, cujas funções públicas acompanhei na época e revivi no Plano Inclinado da SIC Notícias recentemente, o seu contributo para a resolução dos problemas crónicos deste país e o seu curriculum não estão em causa, nem julgo terem a ver com a questão de fundo deste nosso debate.

Nada tenho contra os modelos teóricos que vão aparecendo, mas não os coloco à frente do necessário pragmatismo. Podem ou não ser interessantes, caso tenham condições sustentadas para serem implementados. Essa implementação deve ser contextualizada de forma pragmática, com conhecimento específico diverso que vai além das ciências exactas. E da interferência constante dos políticos.

Considera-se este Governo PS pragmático? Eu, que sou sem dúvida um acérrimo crítico deste Governo, não o considero nada pragmático, antes e pelo contrário aventureiro em todas as áreas.

Também não posso concordar com a "dominância reflexiva dos quadros teóricos de uma ciência como a economia", preferindo no planeamento urbano claramente, como acontece nos países civilizados e mais avançados, o trabalho pluridisciplinar (Arquitectos, Engenheiros das diversas infrestruturas, Geógrafos, Historiadores, Sociólogos, Economistas, Juristas, Arquitectos Paisagistas, etc. e no caso do Desporto técnicos qualificados), coordenados por um Urbanista experiente.

Quanto às "externalidades cruzadas" de F. Tenreiro, são naturalmente a práxis (pedagógica) de qualquer presidente de uma Federação. No caso de F. Mota, que você trouxe para esta interessante troca de argumentos, estou à-vontade porque o acompanhei durante sete anos numa luta constante feita de centenas de milhar de quilómetros percorridos em todo o país, remando ambos para o mesmo lado. Uma luta ingrata, com uma percentagem de sucesso baixa, feita de muita teimosia (nossa) e pouca compreensão e interesse do lado dos simpáticos visitados. Não isenta de erros estratégicos do nosso lado.

Fernando Tenreiro disse...

Quanto ao planeamento urbanistico por arquitectos

Como é que pensa que está a ser decidida a 'racionalidade' da rede de infra-estruturas desportivas nacionais há décadas?

Por um arquitecto.

Você está ultrapassado.

Aqueles que critica já fazem o que sugere há décadas.

Aliás todo o processo de montante a jusante está cheio de arquitectos e engenheiros.

E veja a diferença, não tem professores de educação física, treinadores, gestores, sociólogos, nem economistas.

Fantástica a sua argumentação e a culpa toda é destes últimos!

Mas você insiste nos arquitectos e que tal pensar que talvez alguma coisa melhore se conseguir pôr os arquitectos e os engenheiros a trabalhar com as outras profissões???

josé manuel constantino disse...

O texto de José Pinto Correia é um interessante e motivante reflexão sobre o papel das cidades no âmbito das politicas locais de desenvolvimento do desporto .E os contributos do Luís Leite e do Fernando Tenreiro só acentuam a oportunidade do tema. Desejaria apenas colocar uma questão. Luís Leite apresenta alguns exemplos de autarquias cujo posicionamento relativamente ao desporto e particularmente ao atletismo têm sido relevantes E cita entre outras, o caso de Rio Maior e Leiria, ou seja dois municípios com níveis de endividamento elevadíssimos com um peso impossível de sustentar em despesa correntes. Ora esta matéria, o do desequilíbrio e insustentabilidade das contas públicas tem sido, e bem, uma constante preocupação do Luís Leite. Não tenho dúvidas sobre o importante papel que aqueles dois municípios têm tido no apoio ao desporto no que incluiria igualmente Vila Real de Santo António, Gaia e Portimão. Gostaria apenas de conhecer a formula que permite gastar mais do que as disponibilidades financeiras que têm á sua disposição. E perceber como se pode sustentar politicas cuja despesa não tem contrapartida na receita, como o comprovam os níveis de endividamento dos casos citados.

Luís Leite disse...

F. Tenreiro:

Deve estar a fazer confusão.
Eu escrevi que o planeamento deve ser pluridisciplinar, coordenado por um urbanista.
Julgo que está a fazer uma crítica ao funcionamento de toda a administração pública, incluindo o próprio IDP.
Se for isso, estamos de acordo.

Luís Leite disse...

J.M. Constantino:

O que eu escrevi foi que, apesar de tudo, é preferível que os Municípios tenham passivos mais ou menos gigantescos (todos têm)apresentando resultados desportivos com repercussões visíveis e significantes.
Sobretudo quando o passivo acumulado não advém directamente dessas actividades mas sim de outras causas.
Muitas Câmaras gastaram muito dinheiro em instalações desportivas que não rentabilizaram e acumularam passivos sem quaisquer benefícios.
A relação custo-benefício é a chave racional da gestão.
Em situação de crise financeira, a relação custo-benefício tem que ser muito mais valorizada.
Competiria ao IDP e ao Tribunal de contas fazerem essa avaliação, penalizando os maus exemplos.

Fernando Tenreiro disse...

Voltando ao ponto de onde saímos concorda com o artigo inicial do José Pinto Correia que diz em determinado passo:

'As cidades têm, nestas novas circunstâncias da sua inserção global e nacional, de conceber as suas intervenções e objectivos estratégicos para o desporto em função das suas análises territoriais, populacionais, de recursos humanos e naturais, das infra-estruturas existentes de onde partem, das suas capacidades de mobilização de lideranças para o desporto, das estruturas organizativas disponíveis e das necessárias, por exemplo.'

josé manuel constantino disse...

Luís leite,agradeço a sua opinião. Creio que a questão é politica. E menos de controle do IDP ou do Tribunal de Contas.O que se passa em muitos municípios, incluindo alguns dos que referi, é que a despesa em “desporto “ não tem repercussão à escala do valor dispendido no desenvolvimento das politicas desportivas locais para além de ser uma componente da despesa que agrava um endividamento insustentável. Não é só governo central que tem de gastar menos. A situação das autarquias é similar embora a uma escala diferente. E o desporto não pode passar ao lado. Gostaria de resto de perceber qual é o retorno para as autarquias que financiam centros de alto rendimento. Porque se há retorno justifica-se essa aposta. Se não há trata-se de mau uso dos dinheiros públicos. E pode até estar tudo legal de acordo com os cânones do Tribunal de Contas e as regras do IDP. Mas é ,a meu ver ,politicamente censurável.

Fernando Tenreiro disse...

O que acontece no nosso desporto, e assumo esta generalização, é a falta de criação de um ambiente competitivo onde múltiplas valências interajam e produzam um valor acrescentado efectivo e minimizem as perdas.

O desporto é prejudicado e prejudica o país pelos resultados que o debate deste poste tem proporcionado.

Falou-se da linguagem própria do futebol.

Este é dos arquétipos 'da especificidade do desporto', que tem destruído o desporto.

Sem ética e sem governança não se compreende que a linguagem de carroceiro é um mal a combater como a linguagem própria das claques e o abate dos estádios.

A sociedade portuguesa graças à sua iliteracia desportiva gloza as particularidades que o desporto por si próprio não consegue combater e que a comunicação social agradece a produção de conteúdos destrutivos que vende e lhes dá lucros.

Correr atrás do prejuízo até quando?

Luís Leite disse...

JMC:

Se as opções políticas continuarem a prevalecer, quase sem fiscalização, nunca sairemos desta situação.
Em democracia, as políticas são sufragadas unicamente pelos eleitores cada 4 anos.
Quando o nível de literacia é muito baixo e as pessoas se habituaram a votar em partidos, questões como esta dos investimentos em Desporto passam ao lado ou, ainda pior, vota-se em quem gastou demais com o clube de futebol da terra e obteve uma classificação razoável, apesar do passivo ter aumentado.
Insisto em que o controlo das despesas públicas tem que ser feito pelo Estado, através das instituições independentes que referi.

Luís Leite disse...

Em resumo:

Não há nem nunca haverá "cidades inteligentes".
O que há é modelos teóricos que têm que ser relativizados e parcialmente aproveitados pelos especialistas do planeamento urbano, os urbanistas, em pluridisciplinaridade, a quem compete delinear os PDM e os PP (entre outros planos).
Aos políticos compete o cumprimento dos seus programas eleitorais, bem como combater a corrupção. E não tomar decisões sem fundamentação.