Quando esta quinta-feira a sessão de Inverno da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa discutir e votar a proposta de resolução exposta no relatório “A Necessidade de Preservar o Modelo Europeu de Desporto” elaborado por José Luís Arnaut, marca-se mais uma passagem do périplo da UEFA pelas diversas instâncias do sistema multilateral de governação europeia. Aqui com a presença especial de Michel Platini, presidente da UEFA, que irá dirigir-se àquela assembleia.
Arnaut tem sido o cicerone da agenda política da UEFA sobre o desporto europeu, desde o Estudo Independente Sobre o Desporto Europeu (Relatório Arnaut), encomendado em 2005 pela presidência britânica da União Europeia (UE), com um forte suporte da UEFA e incidência sobre a regulação do futebol.
O estudo tinha como principal missão salientar o valor social e cultural do desporto, que caracteriza o seu modelo europeu, e dá corpo à especificidade do desporto face a outros sectores de actividade. Avançou com a necessidade de definir um quadro estável e seguro sobre a aplicação das normas comunitárias ao desporto que preservasse tais valores. O documento sublinhou a autonomia e independência das autoridades desportivas na regulação do desporto e propôs um acordo formal entre a UE e a UEFA.
Já aqui se referiu não ter sido esse o entendimento da Comissão Europeia ao elaborar o Livro Branco sobre o Desporto onde privilegia uma abordagem “caso a caso” ao invés do ambicionado quadro estável e delimitador dos campos de acção dos reguladores desportivos e dos reguladores comunitários. O desporto claramente submete-se ao acquis comunitário e as excepções, quando se justifiquem, são analisadas de uma forma proporcional em cada situação especifica, de acordo com a recente jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades.
A solução minimalista adoptada em Lisboa com a introdução do desporto no direito primário europeu através da nova redacção do artigo 149.º do Tratado, ainda que aplaudida pelas autoridades do futebol por incluir a especificidade do desporto, ficou também aquém dos seus interesses numa excepção alargada para o futebol e de todo o esforço de lobbying protagonizado em Bruxelas e nas capitais europeias ao longo de uma década.
A especificidade do desporto, permanentemente reclamada por Arnaut, não é mais do que a expressão política da excepção jurídica, na forma como está veiculada nos documentos produzidos pela UEFA.
Mudando de palco, no Conselho da Europa (organismo com importante missão na preservação dos valores culturais europeus) a gestão desta paleta de interesses ficou marcada, desde logo, pela Resolução CM/Res(2007)8 onde se estabelece o Acordo Parcial Alargado sobre o Desporto. Com o objectivo de estabelecer uma plataforma intergovernamental de cooperação no domínio do desporto, este acordo procura alinhar as estratégias de política desportiva europeia em torno de referências comuns, o que poderá vir a constituir-se como mais um pólo de mobilização de interesses do mundo do futebol. Neste momento 18 Estados já o assinaram.
Assim, não é com surpresa que o relatório submetido hoje à votação exorta os Estados a aderirem àquele acordo. Não é, também, com surpresas, que o relatório realça as dimensões sócio-culturais do modelo europeu de desporto para justificar uma forte autonomia das suas organizações. Reincide-se numa análise redutora do desporto europeu em torno dos problemas do futebol profissional e das modalidades colectivas economicamente mais relevantes. Posiciona o discurso na tónica de “o influxo de dinheiro do desporto e o “laissez-faire” do ambiente regulador – também resultante de uma aplicação das leis da UE ao desporto – está comprometendo a capacidade dos clubes mais pequenos (financeiramente menos poderosos) de competirem e assim distorce o Modelo Europeu do Desporto.”. E dá a receita esperada...: “Para ultrapassar a situação actual deve ser reconhecida a especificidade da actividade desportiva”, ao que acresce a “necessidade de reconhecer e proteger a autonomia das autoridades desportivas”, pelo que “urge os governos dos Estados-membros a suportarem o Modelo Europeu de Desporto ao reconhecerem a especificidade do desporto e protegerem a autonomia das federações desportivas”.
Portanto, os argumentos mantêm-se, bem como a estratégia de acção, mas muda-se o cenário para abrir portas ao Relatório Arnaut 2, ou se preferirem, ao Relatório UEFA 2.
As limitações deste espaço não dão azo a ir mais além, mas várias inquietações (para os que se inquietam) podem ser deixadas à discussão:
- A compatibilidade da estrutura piramidal do modelo de desporto europeu, não só com as regras comunitárias, mas fundamentalmente com a diversidade de formas de organização, regulação, governação e promoção do desporto;
- A instrumentalização do modelo europeu do desporto pelo mundo do futebol na gestão de uma agenda marcadamente política. Qual o seu futuro enquanto modelo social de desporto?
- As consequências de um maior alinhamento das políticas desportivas do Estados europeus com vista à emergência de um quadro de referência europeu em política desportiva com base em indicadores de desempenho, como ocorre com outras políticas onde a acção da UE é supletiva, tal como as políticas de emprego, por exemplo.
Por fim um lamento, talvez habitual, para o alheamento da sociedade desportiva portuguesa sobre estas questões. Dos poderes públicos, aos organismos desportivos, passando pelas universidades. A Europa, também no que ao desporto se refere, continua bem longe...
4 comentários:
Caro João Almeida:
Parabéns pelo seu texto.
O problema do Modelo Europeu de Desporto é que tem dinheiro fácil para não dizer sujo, tem dinheiro a mais para não dizer que esbanja dinheiro e tem dirigentes no vértice estratégico que, salvo honrosas excepções, são incompetentes para não dizer corruptos.
Entretanto, deixe-me dizer-lhe que não está sozinho. Eu próprio, por vezes acompanhado do Dr. José Pinto Correia, tenho publicado acerca do assunto. Alguns dos textos podem se consultado no site do Fórum Olímpico de Portugal.
Um abraço.
Gustavo Pires
Caro professor
Claro que não estou sozinho. O fórum é um espaço com excelentes textos, nesta e noutras matérias, mas é quase uma ilha.
Somos poucos e sempre os mesmos.
E isso tem custos para todos.
Um abraço
Aí é que se enganam.
1.º - São poucos e os mesmos, é uma mera constatação.
2.º - Estão sozinhos por opção.
3.º - Os blogs não têm nenhum impacte porque as ideias perdem-se, e porque são telegráficas para consumo imediato. São como os jornais. Lêem-se, deitam-se fora, e espera-se pelo seguinte.
4.º - As ideias perdem-se na voragem do tempo que tudo consome.
5.º - As ideias desenvolvidas e estampadas em livro, são mais expansíveis, e exigem tempo e capacidade de leitura.
6.º - Transponham as ideias bloguistas (ilhas) para um livro (continente) e vejam a diferença.
7.º - Se me enganei, vivo noutro planeta.
Caro anónimo
Se tivesse que fazer uma análise à sua pertinente lista diria que me revejo mais nos pontos 1, 2 e 5. Estou mais afastado nos restantes.
Não diria que vive noutro planeta. Com o devido respeito, não colocando as coisas em enganos ou acertos, diria que tem uma visão pré mundo-plano, mas isso é respeitável pois muitos aindam acreditam na tese de Colombo de que o mundo é redondo.
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