Algarve. Um atleta, sempre apoiado por uma autarquia no seu percurso de alta competição, distinguido com várias prebendas, ao ser convidado para estar presente num evento local respondeu que o assunto deveria ser tratado com o seu agente. Este, informado do convite, mandou dizer qual era o preço para que o atleta em causa estivesse presente. O presidente da autarquia, chocado com a resposta, lamentou-se daquilo que considerava ser uma enorme falta de gratidão. A sua autarquia sempre apoiou o desporto, sempre prestou apoio ao atleta muito para além do que seria razoável supor e sempre tinha recebido dele a contrapartida de responder positivamente aos convites da autarquia para estar presente neste ou naquele evento desportivo, quando as condições de treino ou de competição o permitiam. O que mudou então? Mudou o sucesso desportivo internacional do atleta, aumentou o dinheiro ganho, apareceu o agente e o atleta não é mais o rapaz simples, simpático e sempre disponível para apoiar as iniciativas desportivas. Dei comigo a pensar, quando me contaram esta ocorrência, que existe um pensamento desportivo que com relativa facilidade anatemiza os dirigentes e absolve os atletas. Sempre que existe um qualquer desvio às normas que supostamente deveriam ser obedecidas lá estão os dirigentes para receber a nota de culpa. É um pensamento que desresponsabiliza os atletas e os infantiliza porque, no limite, lhes transfere as eventuais responsabilidades do que ocorre. O fraco seria sempre o atleta, perante o poder do forte protagonizado pelo dirigente. É um raciocínio simplista e que se não pode aplicar a todas as situações. Em muitas delas os dirigentes não têm qualquer participação e tudo se circunscreve ao atleta e, neste caso, a ele ao seu agente. Bem sei, também, que o exemplo não pode ser generalizado. Mas não é caso único. E por isso serve para reflectir sobre o que se está a passar entre atletas e respectivos agentes. No passado, reduzidos ao futebol. Hoje em muitas modalidades desportivas, designadamente individuais, numa lógica de ganância ao dinheiro em termos e condições -na generalidade dos casos, de clara clandestinidade fiscal quer de atleta, quer de agente - não olhando a meios para receberem(muitas vezes sem facturarem) e ignorando por completo as responsabilidades sociais que têm para com a comunidade. Esta prática está a alterar a realidade desportiva nacional em modalidades onde outrora o dinheiro não era o móbil das condutas e das opções desportivas numa profissionalização encapotada e que, como sucede nestes casos, se reclama de profissional quando ela traz vantagens e se invoca a sua ausência quando ela impõe obrigações. Num outro plano as entidades formadoras e enquadradora, clubes e federações, estão completamente marginalizadas neste processo, assistindo, sem quaisquer meios para contrapor, a uma clara vampirização do sucesso desportivo num processo em que são parte. Talvez não fosse pura perda de tempo a Comissão de Atletas reflectir sobre este tema. Até porque mais tarde, vão ser confrontados com problemas similares enquanto dirigentes desportivos ou adjuntos de políticos que, seguramente, muitos deles, um dia serão.
quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
Crepúsculos desportivos (I) - o jovem campeão
publicado por josé manuel constantino às 09:56 Labels: Agentes desportivos
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7 comentários:
Curioso este texto. Soube de uma história, durante o mês de dezembro, com os mesmos contornos de um atleta que após ter recebido um convite de uma Autarquia para uma homenagem informou que esse assunto deveria ser tratado com o seu agente. O Agente pediu cerca de 1000 Euros para estar presente e com horário pré-definido. Não sei se é a mesma história mas esta autarquia é da Àrea metropolitana de Lisboa. Obviamente fiquei estupfacto em relação à história e ao atleta em questão. Coincidência ou não também é um atleta que teve sucesso internacional numa modalidade individual.
Tudo o resto concordo com o JMC, como sempre!
Caro Pedro Carvalho
A ser assim então já estamos perante duas histórias similares...
Estamos no mundo dos paradoxos.
Confronte-se este texto com o da Maria José (Organizar o futuro sem esquecer o passado), de 5 do corrente.
Posto isto, está explicada a antinomia, via paradoxo.
Continuamos a pensar em termos amadorísticos. Um profissional não é um amador. As regras da economia num profissional não se compadecem com o que aqui referes. Se o Estado brilha quando apoia atletas (Cf. Maria José) também a autarquia brilha quando apoia atletas, e não fica bem a uma autarquia pôr na cara do atleta os favore, já entretanto convertidos na boa publicidade que lhe foi proporcionada. À autarquia só lhe competia aceitar ou rejeitar.
A imagem tem os seus custos. E a vida de um atleta é de curta duração, ao qual o Estado, depois de se ter apropriado do seu brilhantismo, lhe vira as costas quando a decadência chega. E depois?
O problema não é esse mas um outro:para receber bens e serviços que a autarquia sempre lhe disponibilizou para a sua preparação desportiva invocou a sua condiçõa de amador;para corresponder ao convite da autarquia, desta vez,não invocou a qualidade de profissional mas comportou-se como se o fosse.Espero que autarquia tenha aprendido a lição.
Viva Caro Drº JMC, concordo com o que diz e acompanhei de bem perto o problema falando pessoalmente com o Nelson. Gostava de saber em que medida acha que a comissão de atletas pode intervir ?? Se os atletas olímpicos ainda sem grande notariedade / resultados ainda nos poderão ouvir, e não são esses os atingidos pelas suas palavras, já o mesmo não acontece com os "hipotéticos medalhados" uma vez que os agentes / ou como lhe queira chamar tomam conta dos atletas. Talvez o caminho seja tentar sensibilizar os jovens atletas ainda em fase de crescimento desportivo. Mas mais uma vez creio que passa principalmente por uma questão de educação e social. Abraço
Caro Nuno Fernandes.
Obrigado pela sua participação e fico satisfeito por saber que comunga de idênticas preocupações.Creio que a sensibilização que possa ser feita junto dos atletas é muito importante de modo a que se separe aquilo que é legítimo observar como utilização da imagem do atleta para usos comerciais daquilo que são contrapartidas e obrigações que um atleta deve cumprir no âmbito de uma certa responsabilidade social para com a comunidade.Note que reconheço como importante o papel dos chamados agentes,bem como compreendo que os atletas sejam remunerados pela utilização da sua imagem desportiva.Mas também defendo que existe um espaço de obrigação e responsabilidade social que não pode ser reduzido a um mero pagamento de serviços.O caso que referi,a meu ver,inclue-se precisamente neste último tipo.
Um abraço para si.
Caro JMC
Para mim o último culpado é o atleta.
Quanto à CAO recomendo que, antes das consequências, ataque decididamente as causas.
Uma visita a Lausanne também me parece recomendável.
GP
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