segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Heterodoxias desportivas (I)

Em 2007,Portugal ocupava a 29ª posição no relatório referente ao desenvolvimento humano. Á frente de Portugal estavam os 17 países que compunham, antes do alargamento, a União Europeia, mais a Eslovénia. Os indicadores de prática desportiva, quando comparados com aqueles países europeus, correspondem ao mesmo posicionamento ou não? Ninguém, com segurança, é capaz de responder. Não existem disponíveis estudos que, com o rigor exigível, quantifiquem os indicadores da prática desportiva nacional. André Seabra explica o que valem os estudos publicados, incluindo o do Eurostat, (cf. Níveis de actividade física e práticas desportivas na população portuguesa – uma visão crítica dos factos, in Em defesa do desporto, mutações e valores em conflito) e a disparidade dos resultados encontrados. Como o país não dispõe de qualquer indicador credível sobre quantos praticantes desportivos tem (os únicos indicadores certificados são os licenciados nas federações desportivas) e um estudo da Marktest sobre os utilizadores de ginásios, o melhor é, sobre esta matéria, ser prudente quanto à enunciação de quaisquer valores. Como responder então à questão seguinte: tem ou não aumentado o número de portugueses que praticam desporto? Os investimentos e programas aplicados para esse objectivo têm ou não obtido os resultados pretendidos? Uma observação, mesmo desprovida de rigor científico, levará a dizer que o número de pessoas que pratica desporto e actividades físicas aparentadas é maior do que há dez anos atrás. Apontam nesse sentido os equipamentos construídos, ainda que com diferentes graus de rentabilização, as iniciativas autárquicas, o crescimento do sector privado ligado aos serviços de ginásios e similares. A própria participação desportiva internacional, em muitas modalidades, melhorou em termos quantitativos e qualitativos. Não há um autarca que diga que o seu concelho não cresceu desportivamente - e não devem estar todos a mentir até porque muitas cartas desportivas concelhias confirmam-no - pelo que seria um verdadeiro fenómeno a justificar um “estudo de caso”compreender como é que o todo nacional não reflectiria essa tendência. Resta saber, porque ninguém sabe e era importante conhecê-lo, se a distância para os outros países aumentou ou diminuiu. Uma outra questão necessita de resposta: a de saber se o nível desportivo nacional atingiu o chamado “efeito de tecto” ou seja alcançou o limite que os recursos disponíveis no país e colocados ao serviço do desporto (económicos, financeiros, demográficos, culturais e educacionais) permitiam. Ou se, pelo contrário, eram expectáveis resultados bem mais promissores. Na ausência, uma vez mais, de qualquer estudo credível a resposta vale o que valer a experiência de cada um de nós. E aí é possível constatar que o modo como se têm abordado alguns dos pontos críticos do edifício desportivo nacional limitam o alcance de muitas das medidas: a ausência de qualquer orientação estratégia articulável com objectivos de política desportiva em matéria de infra-estruturas e equipamentos desportivos; a prioridade a programas de promoção do activismo físico em detrimento de programas de promoção do desporto; a ausência de quaisquer opções em matéria de prioridades para a prática desportiva de alto rendimento; a incapacidade para estabilizar um modelo de promoção e participação desportiva na escola; a sobrevalorização do edifício normativo como eixo estruturante das políticas públicas; a inexistência de uma relação sinérgica entre as politicas locais e a política nacional; o carácter errático de muitas políticas associativas; a qualidade da formação dos quadros técnicos superiores de desporto têm sido males crónicos da situação desportiva nacional e, porventura, ainda constrangem e limitam os resultados alcançados. É preciso também reconhecer que muitas das medidas de política desportiva estão condicionadas por outras políticas globais. Desemprego, economia adormecida, escola em crise, não são propriamente parceiros adequados para as políticas de desenvolvimento desportivo. A conjugação de todos estes factores prevalece sobre o voluntarismo das análises que enfatizam como factores críticos a perenidade dos dirigentes federativos (que não é uma circunstância nacional ou exclusiva do desporto e que é mais consequência do que causa do estado da nação desportiva) ou os níveis de investimento público nas federações desportivas (cuja evolução qualitativa e quantitativa é iniludível, malgré tout).

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Dr. JM Constantino,

Permito-me chamar a sua atenção e dos restantes bloguistas desta "colectividadedesportiva" para um pequeno texto que acabo de publicar no site do Fórum Olímpico de Portugal (disponível em: www. forumolimpico.org) sob o título abaixo indicado e de que deixo um pequeno excerto inicial. trata-se de um conjunto de "Notas Breves" sobre o "Desenvolvimento do Desporto em Portugal", mais especificamente do que ele poderia e/ou deveria ser se obedecesse a delimitações de carácter científico e de planeamento e racionalidade estratégicos.
Para quem interessar esta temática, obviamente, sendo certo que a discussão ampla e aberta sobre estes temas determinantes para o futuro desportivo em Portugal faz tanta falta como o ar que respiram os desportistas amadores ou profissionais.
Passo ao excerto, portanto:


Desenvolvimento do Desporto em Portugal: Notas Breves (I)

Quando se procura falar de “desenvolvimento do desporto” tem de se considerar que o desenvolvimento é mais do que o mero e simples crescimento. Tal como na economia pode haver crescimento económico que não se traduza inequívoca e directamente em desenvolvimento económico, também no desporto o seu desenvolvimento implica bem mais do que o mero crescimento.

O “desenvolvimento do desporto” implicará, então, para além de um crescimento territorial harmonioso do desporto, a equidade e coesão no acesso ao desporto para quaisquer cidadãos, bem como um conjunto de condições básicas de bem-estar e rendimento que permitam a esses cidadãos a prática regular do desporto. O “desenvolvimento do desporto” implica também, por outro lado, o uso pleno das liberdades democráticas e de cidadania, as quais permitem não apenas o acesso ao desporto como também as capacidades individuais de escolha e decisão de o praticar.

Por conseguinte, o “desenvolvimento do desporto” alia a promoção das condições indispensáveis à garantia da equidade da participação à liberdade da prática pelos respectivos cidadãos, enquanto participantes activos da vida social e portadores de direitos e de deveres substantivos.

Como bem dizia Benito Castejon Paz (1973) “O desenvolvimento do desporto é o objectivo maior de toda a política desportiva”. Nesta conformidade, a política desportiva tem de ter como seu desiderato essencial a promoção do “desenvolvimento desportivo”.

(...)

josé manuel constantino disse...

Agradeço a participação e a sugestão de leitura que o Dr.josé Pinto Correia aqui deixou e que já consultei.