sexta-feira, 13 de junho de 2008

Da reflexividade à responsabilidade das políticas desportivas

A debilidade das políticas públicas em Portugal manifesta as carências de reflexividade na nossa sociedade, legado de uma cultura paroquial e paternalista, face ao que hoje representam os valores da moderna cidadania.

Anthony Giddens é, por certo, uma das maiores referências na produção de teoria social sobre a modernidade. Para este autor o conceito de reflexividade – o potencial dos individuos analisarem em profundidade o impacto das suas escolhas e decisões -, é fundamental para analisar o processo de desenvolvimento que surge da interdependência entre a estrutura e a acção. Ou, por outras palavras, entre o sistema de regras e recursos de uma sociedade e as opções dos agentes sociais

As políticas avulsas, carentes de sustentabilidade e boa governança, e as medidas "estratégicas" erráticas e imediatas que se assistem hà décadas nos mais diversos sectores da nossa sociedade manifestam um déficit de capital social – onde a reflexividade, entre outras dimensões, se inscreve - dos actores que se situam no espaço público, a começar nos políticos, passando pelas corporações, órgãos de classe, até ao cidadão anónimo. Diversos estudos comparativos com os parceiros europeus foram publicados sobre esta matéria e mostram resultados preocupantes.

O desporto aqui não é excepção. Antes pelo contrário, é talvez dos sectores mais atrasados na concepção, avaliação, implementação e desenvolvimento de modernas políticas públicas.

A estagnação, quando não a regressão, dos indicadores de prática desportiva de base e participação em actividades físicas dos portugueses, o impacto das estratégias de combate ao sedentarismo ou o impacto desportivo da realização de grandes eventos desportivos no nosso país são bem reveladores da incipiente sustentabilidade, utilidade, eficácia, eficiência, coerência, pertinência e relevância dos programas públicos desportivos nos hábitos e consumos desportivos da população portuguesa. Quem diariamente opera no sistema desportivo dificilmente identifica efeitos estruturais (indirectos, induzidos e mediatos) de alavancagem, ou criação de valor nos níveis de participação desportiva de importantes segmentos populacionais

E não se pode dizer que exista uma total carência de reflexão e orientação estratégica do modelo desportivo para o nosso país. Por certo não existem os estudos necessários, com a amplitude necessária, ou o grau de integração com outros sectores e níveis de Administração (nacional e comunitária). Por certo não existem livros de cor sobre o desporto português. Mas, com todos os defeitos e virtudes que possa ter, o Estado, como é sabido, pôs na gaveta uma proposta séria e concreta de intervenção estratégica sobre o desporto português, para um período de 10 anos. Os sucessivos governos continuam a eximir-se de apresentar à sociedade a sua visão do sistema desportivo, e definir objectivos, prioridades estratégicas, instrumentos de intervenção e recursos mobilizáveis, com metas claramente quantificáveis sobre a mesa, pelas quais preste contas e responsabilize os demais agentes envolvidos. Continua a optar-se pela inevitável reforma legislativa, e pela discricionariedade das medidas avulsas e imediatas, sem se vincular a metas concretas e a indicadores precisos.

Aqui retorna-se a Giddens. Este sociólogo é para muitos políticos o ideólogo do que se chama a “Terceira Via”, a qual tem como matriz estruturante a aposta em políticas sociais activas e de capacitação do individuo na sua relação com o Estado. Via fundada na reflexividade dos agentes sociais. O governo trabalhista inglês talvez seja aquele que seguiu mais de perto esta proposta alternativa - e pouco consensual - de um novo contrato social, onde os deveres de cidadania são recalibrados através da participação e responsabilização na implementação das políticas públicas. A governação (do Governo) transforma-se em governança (da sociedade).

No que concerne ao desporto, Gordon Brown, ciente das carências desportivas do seu país, apresentou recentemente um conjunto de ambiciosas medidas de desenvolvimento desportivo.

Não se tratam de medidas pontuais a partir de um esboço do panorama desportivo inglês, mas encontram-se prioridades bem delineadas no contrato que estabeleceu com a sociedade inglesa, numa perspectiva plurianual com estratégia claramente definida – a partir de um diagnóstico prévio - numa lógica de “value for money”, partenariado, envolvimento das comunidades locais, maximização de sinergias e prestação de contas, visando capitalizar desportivamente, através de um plano de acção, a oportunidade única que os Jogos Olímpicos de Londres em 2012 irão proporcionar para o futuro.

Deseja-se que, ao invés do que já se viu neste blogue - e pulula no país desportivo - se passe da discussão de pessoas e curriculos, para a discussão de ideias e programas de acção concretos. Se tome noção das consequências da ausência de politicas públicas desportivas crediveis e sustentáveis. Se possível criticando, discutindo e aprendendo com aqueles que há muito procuram implementar uma orientação estratégica para a sua política desportiva.


5 comentários:

mdsol disse...

ver também Slavoj Žižek
:)

Anónimo disse...

Enquanto não houver um Ministério do Desporto, em vez de minhoquices como os INDs,e outros derivados das DGDs,o desporto continua a ser um apátrida.

Anónimo disse...

Da(In)Governança Desportiva Portuguesa


O documento estratégico do Sport England aqui referenciado é suficientemente ilustrativo daquilo que no nosso desporto, melhor na governação desportiva portuguesa, inexiste por falta de capacidade e de vontade política.

Sobram por isso entre nós os discursos vazios de objectivos e metas a realizar e as discricionariedades dos políticos e dirigentes desportivos que fazem o que bem entendem e lhes rende votos e mandatos.

Depois, obviamente, não são responsáveis e responsabilizáveis, pois não assumiram quaisquer compromissos prévios para a condução e melhoria do desporto.

E no meio saltam as grandiosas modificações legislativas sempre inacabadas, os grandes eventos e as construções de infra-estruturas, tudo isto para dar a ilusão de que o desporto é valorizado.

Ao redor, claro, está o deserto de programas e de actividades que façam do desporto um instrumento de desenvolvimento comunitário e pessoal, mobilizador de vontades e de iniciativas que dêem coesão social e reforcem o capital social.

Seria possível pedir ao nosso governo e ao IDP que intentassem para Portugal um exercício de planeamento similar? Haverá cultura organizacional, de gestão e política que permita um trabalho deste teor, com assunção de objectivos e metas de desenvolvimento?

Uma discussão em torno destas questões permitiria aprofundar as limitações de governança desportiva que têm coexistido entre nós e indicar alguns dos instrumentos e meios de alterar estas condições prevalecentes.

Poderiam, assim, porventura, aventar-se soluções institucionais, novas formas e métodos de gestão da administração pública desportiva e das federações, formação de quadros técnicos gestores para nível central, regional e local, programas de formação de treinadores de modalidades, criação de centros de estudos sobre desporto (com valências económicas e de gestão, nomeadamente).

E também estudar comparativamente as experiências de governança desportiva de países que pudessem constituir referências a considerar devidamente no desenvolvimento desportivo nacional (“processo de benchmarking”), com o Reino Unido como um dos casos a merecer o devido e aprofundado estudo e disseminação.

J. Manageiro da Costa
(16 de Junho de 2008)

Anónimo disse...

Mas qual reflexividade? Mas qual orientação estratégica ? Mas quais novas formas de governação?Pura ilusão!Vejam o que se passou com o dinheiro para o Tiago Monteiro ou com o que se passa no Jamor.Está lá tudo sobre a governação que temos para o desporto!
C.V.

Anónimo disse...

Caro Manageiro

Pelos documentos não vamos lá.

A UE está cheia deles, nós por cá também somos prolixos fabricadores de documentos mas esquece que os documentos são, como as Constituições, mãos cheias de boas intenções.

Depois mandam-nos morrer longe.