terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Municípios e desporto profissional

Se existem temas que têm percorrido a Colectividade Desportiva com habitualidade, eles são o do financiamento do desporto, em particular do desporto profissional, e o do posicionamento das entidades públicas a esse respeito, designadamente dos municípios.
Recentemente o Público, no seu caderno Cidades, de 7 de Fevereiro passado, compilou algo que já era conhecido de muitos e pressentido por quase todos: seis municípios gastam 20 milhões de euros por ano nos estádios do EURO 2004.
Esta notícia adicionou-se à leitura de dois artigos publicados no último número da Revue juridique et économique du sport (nº 93, Dezembro de 2009): “Sport professionnel et aides publiques. L’exemple des Conseils Géneraux”, de Pierre Chaix e “Les relations entre les clubs sportifs professionnels et les collectivités territoriales (État des lieux et perspectives)”, de Charles Dudognon.

Devo confessar que as minhas intransigências quanto apoio público municipal ao desporto profissional – não olhando agora a questão jurídica – se vão-se enfraquecendo. Continuo preconceituoso, mas algo parece mudar.
Quando sou confrontado, mais do que uma vez, com o facto de os municípios terem sido as vítimas do EURO 2004 e, com isso, despenderem durante anos verbas bem significativas, a faltar em outros sectores vitais da vida dos seus munícipes, pergunto-me se não teria melhores resultados uma política desportiva local – regulada e transparente – de apoio aos clubes profissionais.

Eis alguns dados franceses que o segundo dos estudos mencionados adianta:
· Em causa estão 5 modalidades desportivas: andebol, basquetebol, futebol, rugby e voleibol;
· O universo é de 130 entidades, com diferentes formas jurídicas (associações e sociedades);
· Na época desportiva 2007/2008, o total das subvenções locais cifrou-se em 111 milhões de euros;
· Este montante representa pouco mais que 1% da despesa desportiva local;
· Em alguns casos, particularmente no andebol, basquetebol e voleibol, a dependência do financiamento público local é bem significativa.

Para além das subvenções públicas há ainda a considerar outros tipos de apoio, como sejam a sponsorização e mesmo a aquisição de entradas para os espectáculos – situação também vivida entre nós – e a disponibilização de infra-estruturas desportivas e recurso humanos.

A finalizar, deixo uma questão: não seria tempo de os municípios, de uma forma conjunta, dotarem-se de regras de conduta – ou de outro tipo –, procurando oferecer uma resposta uniforme a esta questão, contribuindo, dessa forma, para uma concorrência sã, transparente e regulada desses apoios e das próprias competições desportivas?

2 comentários:

Luís Leite disse...

1) Os Municípios que construíram os estádios do EURO 2004 não são vítimas ingénuas do "grande desígnio nacional" do poder central;

2)A questão do financiamento dos clubes profissionais pelos Municípios pode colocar-se, mas sem qualquer efeito, já que a autonomia e independência do poder autárquico nas opções políticas, no actual enquadramento jurídico, prevalece sempre;

3) O que deve ser posto em causa é o processo de financiamento proveniente do poder central, designadamente no que respeita à elaboração de pareceres, aprovação, financiamento e acompanhamento dos investimentos, sejam eles quais forem; os organismos do Estado responsáveis funcionam tecnicamente mal e estão sob o controlo directo dos Governos;

4) o Tribunal de Contas, mesmo funcionando melhor, limita-se a fiscalizar o processo contabilístico e portanto as opções de natureza política, certas ou erradas, não são fiscalizadas convenientemente, já que a Assembleia da República não está nem nunca esteve interessada nestes assuntos; todos os partidos têm telhados de vidro ao nível da administração local;

5) Os Municípios não estão, obviamente, dispostos a prescindir de parte do seu poder discricionário legal, para criar regras de conduta uniformes; os "interesses" e as "oportunidades políticas" variam em demasia de Câmara para Câmara.

ftenreiro disse...

Não há nenhuma regra económica que exclua as actividades desportivas profissionais do financiamento público.

Mas há regras sobre a atribuição de subsídios públicos. Quando devem ser feitos e quando devem ser evitados.

A questão que deve ser colocada é que toda a riqueza é escassa e há que decidir a partir do custo de cada opção possível. Há que decidir se todas as possibilidades de despesa pública geram o melhor benefício social para a população.

Fala na questão jurídica. Não sei o que isso é em abstrato.
As boas leis, as que beneficiam a sociedade, têm um fundamento económico sólido. E logo que impedem o potencial social são substituídas por outras melhores. Por isso as boas leis são feitas por processos competitivos e eficientes.

As ciências sociais têm um papel fundamental para avaliarem os impactos das leis e demonstrarem a rendibilidade das leis.

O mercado dá sinais quando por exemplo as autarquias vão à falência, os clubes profissionais não pagam salários, as federações dependem a mais de 80% do Estado.

É preciso compreender as causas dessas falências desportiva, económica e socialmente.

Se os estádios foram mal concebidos sem uma análise de viabilidade económica e desportiva que alcançasse o depois da festa então talvez esteja aí uma razão para compreender o conflito de interesses.

Não se esqueça que existem inúmeras novas instalações espalhadas pelo país destinadas à alta competição e já serão muitas mais as autarquias a terrem instalações especializadas cuja rentabilidade económica ou não está estudada ou é igual à dos estádios.

O mal não está nos estádios de futebol nem nas instalações de alta competição.

A crise autárquica dos estádios é a do modelo de desenvolvimento desportivo português.

Para que esta situação se altere justifica-se, por exemplo, auditar o articulado legislativo do desporto e libertar a democracia dos diálogos entre iguais.