sábado, 13 de fevereiro de 2010

A velha história do ovo e da galinha

A pergunta é repetida, porquanto não tem resposta pronta, à mão de semear. Pertence ao rol das questões existenciais que inquietam e dão que pensar. E no entanto ela é deveras simples. O que é que surgiu primeiro: o ovo ou a galinha?
Não sei se vale a pena perder tempo a tentar, em vão, encontrar uma ordem de precedência. Devia bastar-nos o conhecimento de que há uma relação de causalidade mútua ou de reciprocidade. O ovo e a galinha são cúmplices um do outro, sem deixar de parte, obviamente, o galo.
O mesmo vale para outras relações e acepções. Veja-se o caso dos dirigentes desportivos e dos árbitros. Diz-se que alguns dos primeiros são corruptores e a alguns dos segundos chamam-lhes corruptos. É bem possível que assim seja. Mas… quem surgiu primeiro: os corruptores ou os corrompidos? Haveria corruptores se não houvesse corruptíveis e vice-versa?
Também aqui nos devíamos concentrar não no estabelecimento de quem gera o quê, mas muito mais no combate impiedoso ao fenómeno da corrupção, dos seus fautores, instrumentos e beneficiários.
Cheguemos ao assunto candente que nos move e trouxe a este ponto: o das ameaças à liberdade de expressão e do controle dos órgãos mediáticos. Nas últimas semanas tem sido um arraial indecoroso, um regabofe sem conta nem medida, impróprio para consumo. O tema dá para tudo: tanto para preocupações e reflexões sérias, como para hilariantes tragicomédias e para as mais refinadas encenações da farsa e da hipocrisia. O rio das lágrimas de crocodilo vai raso pelas margens; políticos e jornalistas têm dado para o peditório tanto quanto podem. A burla continua e fede a trampa. Claro que isto não é para levar a mal: estamos em tempo de Carnaval! Os fantoches e caretos estão em alta e nós andamos necessitados de pândega.
Perguntará o leitor se não estou a passar ao de leve ou até de modo leviano por uma problemática tão grave. Certamente o problema é denso e sério; porém não é de agora. Urge vê-lo para além dos afloramentos folclóricos que ele toma ao sabor dos interesses e conveniências na moda.
Não é verdade que a economia, pior ainda, a finança manda na política, que a noção de serviço e bem públicos se esvanece lentamente e que quase tudo está já a mando da insaciável ganância privada? Será mentira que vivemos num regime (reparem que não digo ‘democracia’!) mediático, em que o conúbio e o festim entre os detentores dos vários poderes e os donos, mandarins e mandaretes da (des)informação são a regra? O que é que isto implica e significa? Estas, sim, são perguntas inquietantes e ponderosas, porque sabemos, de cor e salteado, a aviltante resposta. Sentimos e vemos esta, no dia-a-dia, a entrar-nos pelos olhos dentro e a ferir-nos a consciência, a lucidez, a razão, o coração e a alma.
A tentação de condicionar, controlar, manipular e comandar a opinião pública através dos media alimenta-se da certeza ou convicção de poder contar a bel-prazer com a docilidade, a prontidão, a submissão, o servilismo e o indecoro de não poucos agentes mediáticos. Não adianta querer tapar o sol com a peneira! Nem todos os indivíduos rotulados de ‘jornalistas’ fazem jus à condição; não são amantes e praticantes da dignidade, da decência, da ética e da deontologia profissional.
Autorizará isto e o mais que temos presenciado a afirmar que não há, entre nós, liberdade de expressão? A indagação carece de ser correctamente colocada e respondida. Há muita gente que gostaria de a cercear ou limitar ou, talvez melhor, de a utilizar a seu favor, lá isso é verdade. Essa gente acalenta esse desígnio e move-se nessa direcção, precisamente porque parte deste saber, de experiência feito e sobejamente comprovado: há jornalistas que prescindem da independência, da liberdade e das obrigações inerentes à sua profissão e estatuto, por lhes ser custoso e enfadonho o caminho que aí conduz; ignoram o que é a honra, o carácter, a rectidão, a vergonha, o respeito por si próprios; dão-se bem e são felizes e contentes a fazer fretes e a ser paus-mandados dos grandes e poderosos, pertençam estes ao mundo dos negócios ou ao da política ou ao do desporto. Gostam da mordaça, afeiçoam-se a ela e procuram compensação para a sua indignidade e a indigência mental e moral no acto de ludibriarem os outros. Não se pode olvidar que isto é a mais crua verdade e que os exemplos abundam, com muitas cores e feitios.
Saibamos, pois, sacudir a poeira que anda no ar e nos atrai para posicionamentos parcelares e unilaterais. À compreensível paixão e veemência das nossas reacções juntemos o julgamento procedente de serenas e abrangentes avaliações. Indignemo-nos perante a descabelada intenção de nos alienarem a sensatez e a razão.

1 comentário:

joão boaventura disse...

Pio XI numa audiência com jornalistas lançou este memorável aviso:

"Os jornalistas são responsáveis, não só pelo que escrevem, mas também pelo que calam".

No panorama presente que Governo e Imprensa nos oferecem gostaria de saber como enquadrar o aviso do Papa.

A Imprensa deve "escrever" para descortinar o que o Governo trama na sombra?

ou

A Imprensa deve "calar", para o Governo manobrar à vontade na sombra?

ou ainda

A imprensa quer escreva quer se cale deve ter por certo o arrependimento?