sábado, 18 de agosto de 2012

Desporto escolar? Sim ,mas ...(III)

Texto da autoria de Francisco Sobral ,cuja autorização de publicação se agradece

4) A carência de programas e orientações para a formação técnica específica nas modalidades desportivas.
O ensino da educação física curricular obedece a programas estabelecidos para os diversos ciclos de ensino, oficializados por despachos ministeriais publicados no Diário da República, 2ª Série, que vinculam os professores daquela disciplina à observância de conteúdos e procedimentos de ensino e de avaliação das aprendizagens dos alunos.
O desporto escolar, pelo contrário, como atividade de complemento curricular, sempre careceu de uma estrutura normativa e programática semelhante, atenta embora à sua especificidade. Existem, é certo, alguns documentos avulsos, com instruções de caráter técnico e regulamentar que, em muitos casos, foram proporcionados por algumas federações de modalidades ou concebidos com a colaboração dos seus departamentos técnicos – colaboração meritória que peca todavia por ser de cariz elementar e pontual.
Ora, por um lado, os professores de educação física não podem nem têm necessariamente de dominar todas as modalidades desportivas que os alunos possam escolher para a constituição dos seus núcleos de desporto escolar; e, por outro, não sendo interdito, não é vulgar entre nós que um outro professor (de matemática, de geografia, etc.) tome a responsabilidade de ser o “treinador” de uma equipa escolar, reconhecida a sua própria experiência pessoal como praticante desportivo, ao contrário do que se verifica em outros países europeus e é regra nos Estados Unidos.
Não se trata portanto de abrir a escola à temida invasão dos treinadores (mesmo quando cada vez mais os treinadores desportivos e os professores de educação física têm percursos académicos comuns) mas garantir a formação e a informação permanentes dos professores de educação física (e outros) para a intervenção especializada que a formação desportiva requer, atraindo ao mesmo tempo outros docentes capacitados para participar, sob diversas formas, no desenvolvimento do desporto na escola.
Porém, a superação destas barreiras – não tenhamos ilusões – só é possível verificada uma premissa essencial: a de que tanto o poder político como os cidadãos que os elegem aceita o desporto como um fator importante da expressão nacional. Sem isso, a que se chama vulgarmente vontade política e consenso nacional, jamais a escola fará seja o que for de significativo na elevação do valor desportivo do país. A última consideração sobre aquele que é um fator igualmente fulcral na análise das relações entre o desporto e a escola.
Como não haverá transformação significativa e sustentável do desporto nas escolas sem a adesão dos jovens que as frequentam (coisa que muito se esquece quando toda uma indústria poderosa, à escala global, os alicia com ofertas de um hedonismo questionável), até onde pode o desporto escolar oferecer experiências e oportunidades gratificantes, numa perspetiva de presente e de futuro, àqueles que tenham condições para enveredar por um processo de preparação desportiva exigente, longo e doloroso, impondo renúncias várias e numerosas?
Um exemplo extremo, e único no mundo porque nascido de um quadro cultural e social completamente sui generis, talvez possa esclarecer – tomadas as devidas distâncias – aonde pretendemos chegar. Nos Estados Unidos, os estudantes do ensino secundário (high school) esfarrapam-se para terem acesso às caríssimas e seletivas universidades, o que implica ganharem bolsas de estudo, não apenas através das suas classificações académicas mas também de outros méritos altamente valorizados no curriculum vitae: trabalho social voluntário ou prestação de pequenos serviços remunerados na comunidade (limpeza e manutenção dos jardins, distribuição de jornais, etc.. Mas claro que a confirmação das suas aptidões artísticas, científicas e desportivas têm um peso considerável.
Entre nós, o que se passa?
O apoio ao atleta de alta competição só é concedido, como a expressão indica, após confirmação do seu valor segundo os critérios desportivos universais e quando as etapas mais críticas da sua formação já foram cumpridas com sucesso. Mas, e até aí? Há, de facto, a figura do atleta em percurso para a alta competição mas que está longe de satisfazer as necessidades desse mesmo percurso. Esquecemos demasiadas vezes que, para atingir, aos vinte ou aos vinte e cinco anos de idade, o nível de prestação que confere ao atleta o estatuto de alta competição, ele teve (ou deveria ter tido) orientação e acompanhamento adequado nesse percurso cuja fase crítica se situa, em geral, entre os catorze e os dezoito anos. Ou seja, coincidindo exatamente com o período de maior exigência da vida escolar.
Quando assim não acontece, uma delas fica para trás: o jovem abandona a carreira desportiva ou abandona a escola.
Eis tudo o que se deve evitar e só a escola o pode fazer.



6 comentários:

Luís Leite disse...

Concordo.
Sempre defendi o modelo de percurso americano (Basic school, high school, college, profissionalização), algo impossível de implementar em Portugal.
Nos Estados Unidos não há treinadores nem dirigentes carolas em todo o percurso.
E há uma natural e saudável rivalidade entre escolas em todos os estados e em todos os níveis de ensino, que mobiliza a população escolar.
Algo que não existe em Portugal, onde a rivalidade se limita aos clubes.
Temos problemas culturais de facilitismo de tal maneira enraizados, que seriam necessárias muitas décadas de mudanças radicais para conseguir alguma coisa.
Claro que tudo se manterá como está.

Anónimo disse...

Quase se poderia propor, ao analisar a proposta, que nada prejuducaria que o equivalente ao Instituto do Desporto fosse sedeado no Ministério da Educação. Ou não?

Talvez

Fernando Tenreiro disse...

Caro Professor Francisco Sobral

A sua peça tem contributos que pela minha lente económica parecem fazer sentido e é nesse sentido que realço alguns pontos.

A identificação das metas do sector surgem-me como fundamentais para compreender o valor produzido pelos professores e pela escola.

O facto de em Portugal haver descriminação negativa parece-me um problema muito profundo e que identifico com a falta de uma estrutura económica que necessite de os valorizar antes de procurar extrair rendas. No nosso modelo a extração de rendas começa demasiado cedo condicionando toda a racionalidade dos agentes envolvidos.

A valorização da saúde e formação de massas não é possível actualmente quando as escolas trabalham para as finanças cumprirem metas troikistas.

As suas propostas de abrir as escolas creio que concordará que a abertura será recíproca e que há que dar condições aos professores chegarem fora da escola.

O reconhecimento público do atleta jovem em idade escolar é daquelas imposições legais que as inoportunas leis de bases desportivas criam e resolvem menos bem ou nunca.

Numa palavra o seu texto tem para mim contributos viáveis que ao ligar com o seu conhecimento do mercado americano e o exemplo dado da cultura são inspiradores economicamente que esta Ágorapermite, como lhe chama o João Boaventura.

Muito obrigado

Anónimo disse...

Professor Sobral.
No penúltimo parágrafo do seu texto refere a . Certamente não leu ainda o último diploma legal para o desporto de alto rendimento. Leia e terá certamente mais assunto para reflexão e escrita. Foi o último contributo que Laurentino Dias deixou ao desporto português de alto rendimento. Avalie, por exemplo, onde foi parar uma pequena "benesse" que, ainda, era dada aos jovens que entravam nessa categoria (acesso ao ensino superior) e que quase nos fazia pensar que estávamos no sistema educativo-desportivo americano.
Obrigado pelos seus escritos.

Anónimo disse...

Ao adotarmos e aplicarmos o modelo desportivo norte americano em portugal, logo não faria sentido a existência de federações desportivas.
Com a mentalidade dos nossos cidadãos, acabar com as federações desportivas não é possivel, porque implica acabar com interesses pessoais e economicos de muitos agentes desportivos. Para muitos portugueses, os mais informados, as Federações Desportivas, no desporto, não são mais que um verbo de encher e um entrave ao desenvolvimentos desportivo. O que a federções fazem em termos desportivos, os clubes que os atletas representam, podem muito bem fazer esse papel. Há que pensar nisso a bem do desporto nacional, porque os interesses das federações colidem em muito com os interesses dos clubes e dos atletas. Para mais, o papel das Federações Desportivas não é dar formação desportiva, esse papel cabe aos clubes.
Se tiver que haver mudanças no plano desportivo, estes é o momento certo, mais á frente já é tarde.

Luís Leite disse...

Este último anónimo desconhece para que servem as Federações desportivas.
Pelos vistos, tenho que lhe explicar:

1) Representação exlusiva e controlo da aplicação das regras e regulamentos internacionais da modalidade no país;

2) Formação e controlo do exercício de treinadores e árbitros;

3) Organização da representação nacional através das Seleções Nacionais.

4) Organização dos Campeonatos Nacionais absolutos e nos diversos escalões etários.