terça-feira, 7 de agosto de 2012

A propósito dos Jogos Olímpicos e da Universidade


Tenho dito e escrito, repetidas vezes, que a insana, predatória, selvática e tresloucada versão dos ‘rankings’, dos ‘papers’ e da ‘competitividade’, hoje prevalecente na boca e linguagem de muitos dirigentes e atores do mundo universitário e afim, desnuda a fria e cruel mentalidade neoliberal, apostada em desmerecer, diminuir, rebaixar e até aniquilar o outro. Ela incorporou e ultrapassa em muito o pior que, aqui e ali, surge nas derivas e perversões da competição desportiva.
Porém a matriz imanente ao ‘agonismo’ desportivo é de outra ordem: é da ordem da altura e elevação, da arte e perfeição, da beleza e estetização, da transcendência e superação, do humanismo e da sua exaltação, da magnanimidade e criação, da virtude e sublimação.
É isto que tem estado bem visível nos Jogos Olímpicos em curso. Constitui um regalo para os olhos e um lenitivo para a alma ver como os ‘com-petidores’ revelam atenção e sensibilidade pelo Outro, como os vencedores e vencidos se apreciam, consideram, estimam, respeitam e saúdam mutuamente, como os vencidos evidenciam admiração pelos vencedores e estes manifestam generosidade para com aqueles, na elegância e gentileza das atitudes de felicitações e consolação, na magnificência das emoções e expressões.
A isso chama-se cultura, educação, civilização e humanização. É para o aprimoramento deste legado que devia ser configurada a Universidade. Infelizmente muitos dos seus ‘chefes’ e protagonistas desviam-na da nobreza desta visão e enfiam-na no viés da capitulação e perdição. Renunciam à claridade e grandeza da sua missão; preferem aprisioná-la, pouco a pouco, nos calabouços da pequenez e escuridão.
No desporto a harmonia entre competição, humanidade e dignidade é sustentável e viável, na Universidade neoliberal parece que não. Os Jogos Olímpicos consagram o desporto como processo civilizado e civilizador, fiador de ideais, normativos, princípios e valores de autenticidade, excelência e fulguração; o neoliberalismo desfigura a Universidade como entidade acuada e atira-a para os braços do conúbio com o polvo do aviltamento, da deformação, desumanidade, exclusão e regressão.

33 comentários:

Anónimo disse...

É importante este texto. Sobretudo por ter sido posto, de imediato, após o anterior.
“Tenho procurado uma razão científica para a existência do Desporto, quer na sua forma actual, quer em formas anteriores, e não a encontro. Nem vejo que o acto desportivo seja necessário à existência do Homem e da humanidade. Não brota, pois, da razão da necessidade, nem pode ser justificado por razões orgânicas ou biológicas.” (Jorge Bento, “Desporto e Humanismo, o campo possível”, 1999).
Não são muitos os que têm a coragem de se expor publicamente ao exercício crítico da dúvida, e da constante investigação. São raros. Mas são esses que permitem à Coletividade não ficar presa dos donos-da-verdade, dos que rejeitam a mudança por estarem no conforto das certezas e dogmas que lhes dão o estatuto.
E é por isso que neste debate custa ouvir repetidamente, outra e outra vez, a mesma conversa de sempre. Sim, a mesma conversa improdutiva igual à que era dita há mais de 100 anos.
Isto porque faz este ano precisamente 130 anos (1882-2012) que um texto, igual ao que foi posto por J.M.Constantino, era dito. Nessa altura, em 1882, por Paul Lauret, no exemplar n.º1 da revista quinzenal “O Gymnasta”, editado também na cidade do Porto, e que custava nesse tempo 40 réis.
Comprove-se se é ou não verdade aquilo que afirmo?: - “O Gymnasta é um brado contra a incúria dos governos que, adormecendo à sombra de louros colhidos às vezes no campo do desperdício, teem deixado definhar e morrer à míngua de uma sã educação moral e physica milhares e milhares de cidadãos. O Gymnasta nasceu do amor à causa da humanidade, que precisa fortalecer-se, regenerar-se no corpo, para se proporcionar com mais vantagem a educação do espírito. Appellamos para a boa vontade das pessoas illustradas, appellamos para o público nos ler, e convidamos todos a envidar os maiores esforços para que se cuide no nosso paiz da educação physica, que até aqui se tem quasi completamente descurado.” (Paul Loret, 1882)
O que escapa aos textos deste tipo é muito mais interessante para se refletir e debater.
O que eles mostram é que, nem J.M.Constantino (com o pós-modernismo, e outros conceitos abstrato-psicológicos), nem a biomecânica de Vilas-Boas (repleta de dinamometria, electromiografia, electrogoniometria, cinemetria, plataforma de forças, células de carga, transdutores de pressão planar, electrodos activos, electrogoniómetros biaxiais, camâras de vídeo de alta velocidade, etc.), são suficientes. Nem uma coisa nem outra serviram para resolver as lacunas que ambos criticam ao Desporto Português. Porquê? Esta é a questão principal que vale a pena debater.
Este tipo de textos e desabafos que há mais de cem anos são escritos são textos que atiram as culpas para cima dos outros.
Mas um olhar mais atento mostra que foram estes dois caminhos, o da Filosofia e o da Motricidade, que, afinal, falharam. E os dois autores pertencem-lhes sem disso se aperceberem, ou quererem aceitar.
Foi esta geração que falhou nos Resultados que conseguiu obter para o Desporto Português. E que teima em repetir a mesma conversa que não conseguiu senão a improdutividade.
O que é necessário, como referi, é uma Mudança Organizacional e um novo Planeamento Estratégico. Que, no contributo concreto que propus, fazia ganhar 53% de produtividade ao atual estado-das-coisas na Administração Pública do Desporto.
A questão não é a pessoa que propõe, se é alta ou baixa, se é assim ou assado, se é nossa amiga ou não, se antipatizamos com ela ou não. A questão é não serem capazes de apresentar, há mais de 40 anos, uma proposta melhor, em termos de ganhos de produtividade e de benefício para o Desporto Português. A análise ou as ofensas pessoais nada lhes valem. São apenas o desespero perante o desnudar público do nó do problema. Estiveram ou não no poder, e na condução das decisões? Porque nada fizeram que mudasse o que criticam? Porquê?
Onde está a proposta alternativa à da Folha A4, apresentada assim, de modo aberto e escrutinado publicamente?
Não falarão muito… para tapar o sol com uma peneira.

Talvez

joão boaventura disse...

Tudo posto e ponderado, porque de tudo se pode falar e opinar, argumentar, criticar e divagar, resta-me pôr à consideração este pequeno trecho de Xenofonte(430 a.C. — 355 a.C.), como se de hoje fosse:

"Si un athlète après s'être donné beaucoup de peine à s'entraîner et être devenu capable de vaincre, passait toute sa vie sans jamais
concourir, comment pourrais-je avec quelque justice ne pas le taxer de folie ?"

in Cyropédie, I, v. 10

Luís Leite disse...

O Prof. Jorge O. Bento, por quem nutro especial admiração pessoal, parece defender que a Universidade não deve intrometer-se no apoio ao Alto Rendimento, desde que esta opção desportiva se afaste dos caminhos do Humanismo.

Lembro apenas que a competição ao mais alto nível entre países é uma moeda com duas faces: uma é aquilo que aparenta, com fundamento nos ideais olímpicos; a outra são os bastidores nacionalistas, em que vale tudo menos tirar olhos.

Também não podemos esquecer que o Desporto nasceu para substituir a guerra.

O Homem, sendo um animal predador com uma inteligência superior, busca o Poder e a fortuna.
É essa a sua matriz natural.
O Desporto é apenas mais uma forma de competição como todas as outras da atividade humana.

A Universidade tem que compreender a essência do Desporto e proceder em conformidade, tanto na formação humanista geral, como na potencialização das capacidades neuromotrizes dos guerreiros do alto rendimento.

Com o devido pragmatismo e o indispensável respeito.

jorge bento disse...

Peço desculpa, mas estes comentários passam à margem da substância e do alvo da minha brevíssima reflexão.

Anónimo disse...

Estou de acordo com o Prof. Jorge Bento e os comentários nada tem a ver com o tema, este blog não é um espaço de vaidades de gente da "treta desportiva" que anda nisto mas não faz nada pelo Desporto.
Fiquem e justifiquem as férias...
AA

Luís Leite disse...

Gostava de saber em que é que o meu comentário passa à margem da brevíssima refexão do autor.
Se me pudesse esclarecer, agradecia.

Quantao comentário do anónimo AA das 11.31h roça a boçalidade.
E eu não gosto que me tratem de uma forma boçal.

joão boaventura disse...

Ao Comentário do autor que opina:

"Peço desculpa, mas estes comentários passam à margem da substância e do alvo da minha brevíssima reflexão."

A substância transcrita e contida na expressão de Xenofonte, permitiu ao Professor Jorge Bento observar que:

"Constitui um regalo para os olhos e um lenitivo para a alma ver como os ‘com-petidores’ revelam atenção e sensibilidade pelo Outro, como os vencedores e vencidos se apreciam, consideram, estimam, respeitam e saúdam mutuamente, como os vencidos evidenciam admiração pelos vencedores e estes manifestam generosidade para com aqueles, na elegância e gentileza das atitudes de felicitações e consolação, na magnificência das emoções e expressões."

Bom como, afinal, o autor encontrou:

"uma razão científica para a existência do Desporto, quer na sua forma actual, quer em formas anteriores"

E se alguém passa à margem da "substância e do alvo da sua brevíssima reflexão", será Xenofonte que não eu.

Cordialmente

joão boaventura disse...

O pequeno excerto de Xenofonte, ínsito no comentário, poderá ler-se no Livro I, Cap. V, 10, com outra tradução, e a obra está disponível a quem quiser lê-la.

joão boaventura disse...

Como se pode observar, no final da prova de K2 1000 metros de canoagem, ocorrida hoje, nos Jogos Olímpicos de Londres, a razão ou a substância do Desporto está bem patente na expressiva foto, com os três pares vencedores, Hungria, Portugal, Alemanha, ao mesmo nível, e transmitindo a mesma alegria, como se todos eles tivessem chegado em primeiro lugar.

Espero que a foto transmita a substância do Desporto.

Cordialmente

joão boaventura disse...

Ainda uma última intromissão só para informar que foi Marguerite Yourcenar quem me inspirou a recorrer ao passado ao sugerir que:

"Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana."

Aproveite-se a oportunidade para apresentar o busto do homem que redigiu a Ciropedia no séc. IV a.C., o ateniense Xenofonte.

antonio cunha disse...

Quando li o artigo do colega Jorge Bento e as “provocações” de Luís Leite e João Boaventura, não resisti a telefonar ao colega Gustavo Pires para saber a opinião dele. Este contacto com o Gustavo Pires, no que me diz respeito, é absolutamente normal porque é ele que está a orientar a minha tese de doutoramento (no âmbito da filosofia da competição) que espero concluir antes do fim do ano. Depois de receber a resposta perguntei-lhe se ele se importava que eu a enviasse para a Coletividade Desportiva. Como a resposta foi positiva aqui vai ela.
António Cunha

antonio cunha disse...

2

A propósito dos Jogos Olímpicos e da Universidade
A propósito da prosa de Jorge Bento gostaría de começar por lembrar que o espírito competitivo está inscrito no código genético da humanidade. Como referia Hesíodo pode ser bom ou mau. É bom quando conduz o homem na senda do desenvolvimento e do progresso. É mau quando o conduz à violência gratuita, ao terror e à morte.
Nestes termos, a competição para ser vivida ao mais alto nível tem de ser regulamentada. E aqueles que não se quiserem sujeitar às regras da competição devem ser ostracizados como aconteceu ao infeliz Hermodoro como nos recorda Nietzsche na “Competição em Homero”.
O escrito de Jorge Bento para além de cometer um pecado que não se aceita a um pensador da sua estirpe induz dois dos seus leitores em erro acerca do seu pensamento.
Em nosso modesto entender Jorge Bento comete o pecado de considerar como neoliberal tudo o que de mal acontece atualmente no mundo. Contudo, a corrente liberal do pensamento político tanto se afirmou à esquerda como à direita, aceitando-se que o neoliberalismo, atualmente, seja tão só uma adaptação do liberalismo aos tempos atuais. John Rawls e o seu princípio da equidade é certamente um dos mais credenciados pensadores do liberalismo moderno.
Se, depois, em nome do neoliberalismo, que tanto pode ser praticado à esquerda como à direita, se cometem as mais reprováveis injustiças é uma coisa completamente diferente. O mesmo pode ser dito relativamente ao socialismo, ao cristianismo ou ao islamismo.
O espírito de competição faz parte da condição humana. Ele cruza as mais diversas atividades do homem entre elas as actividades de caráter desportivo. Na linha de Gadamer diremos que a competição enquanto jogo que é, é a linha condutora da explicação ontológica. Quer dizer, a competição explica a vida. Portanto, a questão colocada por Jorge Bento em nossa opinião nada tem a ver com liberalismo ou neo liberalismo. Tem a ver com uma sociedade ou um setor social onde a competição não é nobre nem leal e é utilizada por gente desonesta que devia estar presa.
Postas as coisas desta maneira também diremos que nem Luís Leite nem João Boaventura compreenderam a posição de Jorge Bento. Quanto a Luís Leite não nos parece que seja justo da sua parte sequer pensar que as universidades portuguesas não estejam implicadas num processo de desenvolvimento do desporto que, numa perspetiva humanista vai da educação desportiva das escolas do ensino básico e secundário à alta competição. Claro que existem alguns pândegos que continuam a advogar uma educação física sustentada nas ideias de finais do século XIX princípios do século XX cujo principal oráculo, para mal do País e do desporto, é a própria Sociedade Portuguesa de Educação Física que parou no tempo e age mais por motivos corporativos do que científicos.
Relativamente ao ‘ranking’, dos ‘papers’ (vulgo artigo publicado em revista) apresentado por Jorge Bento, quer-nos parecer que João Boaventura não percebeu a ideia porque está fora daquilo que hoje se passa na Universidade. O que se passa é que se criou uma competição de “papers”, "papers" que, bem vistas as coisas, em demasiadas situações, não passam de “lixo científico”. De uma maneira geral, são produzidos em regime fechado por clicks que se protegem em prejuízo de uma universidade culta e de alunos bem formados para exercerem uma profissão. O desgraçado processo de Bolonha desencadeou a peregrina ideia de, de um momento para o outro, pretender transformar todos os professores em cientistas e todos os alunos em cientistazinhos.
cont.

antonio cunha disse...

O problema é que existe muito idiota nas universidades que alinhou no bacanal dos “papers”, em benefício próprio. A partir de então começou a ser produzido lixo científico em quantidades industriais em prejuízo das humanidades que foram desvalorizadas ao nível da estaca zero. Portanto, não se trata de não querer competir. Trata-se de saber qual é a competição e se ela é útil, é justa e é leal. Ora, quando existe um certo imperialismo pretensamente científico sobre as demais visões do mundo, quer-nos parecer que algo vai mal no reino das universidades. É contra esta situação que, quer-nos parecer, Jorge Bento se manifestou.
Contudo, também o lixo científico que está oportunistamente a ser produzido, em nossa opinião, nada tem a ver com liberalismo ou neoliberalismo. Tem tão só a ver com desonestidade e mediocridade, a mesma desonestidade e mediocridade em que o País se encontra envolvido. E os portugueses estão a pagar bem caro por isso. E, se as coisas continuarem assim, vão continuar a pagar.
Um abraço.
Gustavo Pires

Anónimo disse...

O debate está interessante.
Apenas espero que as «medalhas» do entretanto não apaguem a chama da dúvida e o impulso da questa.
Mas repare-se: - São «medalhas» dadas pela comunidade desportiva internacional por resultados desportivos que se definem a si mesmos por serem resultados de uma competição com os Outros, postos publicamente num ranking. Ou seja, há no Desporto várias competições, desde a escala local do indivíduo à escala global das nações e, em último caso, à própria condição humana enquanto arquétipo «universal».
É o Desporto.
Simultaneamente, são «resultados desportivos» (transformados e codificados simbolicamente em «medalhas») que possuem a qualidade de nos orgulharem e nos darem um alento interior como se fossem «nossas». Constituindo um interessante mistério de «pertença identitária» que é um fenómeno no qual o Desporto desafia permanentemente o Conhecimento.
Permitam discordar apenas do conceito de competição que utilizam para referir a que especifica o Desporto. A competição que caracteriza o Desporto enquanto fenómeno humano não é idêntica aos outros tipos de competição que se usam como foi referido nos comentários. É diferente da competição usada na guerra (que é a tese de L. Leite), e é diferente também da utilizada na economia, seja no modo liberal, neo-liberal, socialista, ou outros neste domínio da atividade humana (que são as teses de J.O. Bento, A. Cunha).
A competição desportiva é uma meta-competição que serve, desde a sua génese e invenção, para regular os outros tipos de competição. É uma competição que está num patamar lógico acima das outras. Esta característica é a que dá ao Desporto a diferença epistemológica e ontológica. Aliás, é este aspeto que é o mais difícil e complexo quando se investiga e estuda o Desporto, e se procura a sua compreensão. E é o que está sempre ausente dos programas sobre Ética e Desporto que se vão sucedendo.

Talvez

Anónimo disse...

Recordo com saudade o almoço do dia 8 de Maio de 2007, na Costa da Caparica, num local hoje desaparecido pela ameaça do mar. Olho neste momento para a foto que nessa altura foi tirada e revejo figuras como o Prof. Gustavo Pires, Manuel Sérgio, Homero Serpa, Vítor Serpa, Fernando Correia, e outros.
Nesse momento (e noutros anteriores em que o escrevi, por exemplo na revista «desporto» do IDP, ou nas palestras que proferi na Academia Olímpica em Lamego ou na Idanha-a-Nova) voltei a dizer o seguinte: «As fases finais dos vários campeonatos, ou nos Jogos Olímpicos, quando estão em causa os momentos de maior confronto e rivalidade, é quando melhor se explicita, e se dá a conhecer, a mensagem que sustenta a génese do Desporto e a sua relação profunda com a Paz. Mas também é igualmente verdade que são nesses momentos que há mais tentação em esquecer essa mensagem. É verdade que o Desporto permite aos cidadãos o confronto ritualizado (competição desportiva) sob o controlo das instituições (normas, regras e calendário). Mas nesse competir desportivo, diferentemente dos outros tipos de competição, estabelece-se a priori um compromisso. O de que a força de quaisquer das partes envolvidas no confronto não destruirá as outras, seja qual for o resultado da contenda. E que no próximo confronto haverá igualdade e paridade entre os competidores, sejam quais forem os resultados anteriores. Ou seja, o que é louvado e celebrado é sempre um nível lógico de comportamento acima do próprio confronto e dos seus motivos. A metáfora que o Desporto dá a ler à Sociedade no competir desportivo (tanto aos cidadãos-atletas, como aos cidadãos-assistentes), é a da compatibilização entre o vencedor e o vencido. A possibilidade da vitória e da derrota não serem mutuamente exclusivas. De ser possível, na relação humana, um comportamento de rivalidade e de confronto sem colocar em perigo a continuidade da relação entre os indivíduos e as comunidades. É nessa promessa subentendida, de se poder anunciar um “jogo futuro”, que está a garantia de continuidade da vida social. É assim que o Desporto cumpre a sua função social, e se torna numa instituição capaz de regular os impulsos humanos de agressividade, e não o contrário, como o senso-comum e os mais desatentos afirmam.»

Talvez

Luís Leite disse...

Caro António Cunha,
concordo com o que escreve, independentemente de a sua interpretação do que Jorge O. Bento escreve estar de acordo ou não com o que ele pensa.

Eu não escrevi que penso "que as universidades não estejam implicadas num processo de desenvolvimento do Desporto numa perspetiva humanista..."
Não sei.
Não pertenço ao meio universitário.

A mim interessa-me pensar o Desporto numa perspetiva analítica mas construtiva, no âmbito da Filosofia, da Sociologia e da Antropologia.
E penso de uma forma aberta, liberal.
Não me interessam modelos teóricos moralistas e perfeitos ou citações sem fim de autores intocáveis nas suas utopias ou idealizações.
Interessam-me as realidades vividas, que podem e devem ser debatidas.
Com pragmatismo e bom senso.

jorge bento disse...

Não tenho por hábito comentar comentários. Apenas o faço quando é ultrapassada a fronteira da razoabilidade.
É deveras lamentável que Gustavo Pires, quiçá investido e socorrido no papel de comentarista por dores alheias, confunda o liberalismo com o neoliberalismo do dito ‘mercado livre’. O neoliberalismo, também chamado de ultraliberalismo, tem como papas no plano económico-filosófico o austríaco Friedrich August Hayek (1899-1992) com o seu livro The Constitution of Liberty e o norte-americano Milton Friedman (1912-2006), no plano político Ronald Reagan (1911-2004), Alan Greenspan, Margaret Thatcher, Tony Blair e todos os seguidores da putativa ‘terceira via’.
A versão da globalização hoje predominante é marcada pelos interesses e práticas dos atores agrupados, em nome das proclamadas ideias neoliberais ou ultraliberais, no mercado financeiro, capitaneado pelo banco Goldman Sachs. É este mercado predatório que mantém refém, na atualidade, a política europeia, norte-americana e não só.
O ‘frenesi reformista’, desencadeado nos últimos anos em todos os setores, orienta-se e é ditado pelos arautos e beneficiários do neoliberalismo mercadológico. De resto, o ensino superior é um dos serviços que estão na rodada de Doha da Comissão Mundial do Comércio para serem liberalizados e entregues ao mercado. Para servir esse intento vem sendo alvo de várias ‘reformas’ e investidas ideológicas.
É o mercado, de inspiração neoliberal, que está na génese do Processo de Bolonha; entrou em força na Universidade portuguesa pela mão do ex-ministro Mariano Gago, com o RJIES, com as cosméticas fundacionais e afins, contando com a conivência e o aplauso de não poucos Reitores.
Muito mais haveria para dizer, mas por aqui me fico. Peço desculpa pelo enfado causado aos leitores.

antonio cunha disse...

aos leitores do documento por razões técnicas divido em 3, podem solicitar atraves do email acunha@fade.up.pt

Anónimo disse...

Sim, tem razão António Cunha, foi erro meu ter juntado a sua perspetiva à outra.
As minhas desculpas.

Talvez

Anónimo disse...

Um tema interessante de Jorge Bento que tem levado a varias posições que se vão completando e auto-excluindo tambem algumas prespectivas dos varios coentaristas, se o dialogo se mantiver com este nivel, estamos todos a ganhar e não tem custado dinheiro. Obrigado ao autor do tema e aos adminstradores do blog.
João gabriel
Prof.ES.

Anónimo disse...

Após a leitura das varias intervenções sobre o tema central "A propósito dos Jogos Olímpicos e da Universidade " de Professor Jorge Bento, levo a concluir e propôr que o Ministro da Educação Doutor Nuno Crato, nomear uma comissão com estes intevenientes de reconhecida competencia técnica e profissional, para que estas preocupações sejam resolvidas porque quem sabe.
Obrigado a todos.
I.Moreira

Anónimo disse...

A «Competição» é o que distingue o Desporto da «Atividade Física» e do «Jogo». Mas desde que por «competição desportiva» se entenda «um tipo de competição diferente das outras que tem a qualidade de regulá-las» (isto é, a capacidade de regular socialmente os limites inferior e superior permitidos para o uso da agressividade nas relações humanas de confronto em comunidade). Ou seja, o Desporto é já em si uma Ética, não necessitando de se lhe acrescentar mais qualquer outra. É em si mesmo, naquilo que é a sua definição própria, uma ética relativa às relações humanas de confronto e competitividade. O Desporto não é a «guerra ritualizada», como amiúde se diz, é a própria Ética da Competição, … de todas as competições, inclusive as da guerra ou da economia.

O tema ao relacionar o Olimpismo com Universidades através do conceito de «Competição» acabou por acionar estas questões da Política e da Economia. Exatamente pelas razões de nunca, desde o início, a «competição desportiva» ter deixado de ser uma questão Política.

E neste ponto permitam o seguinte comentário. Tanto o Capitalismo, o Socialismo, o Comunismo, o Neo-Liberalismo, a Democracia, e outras Utopias, não são piores ou melhores entre si pelos Objetivos e pelos Ideais que propalam. São piores ou melhores pelo custo dos efeitos colaterais que causam à Sociedade e aos Indivíduos ao tentarem alcançar esses seus desígnios (inatacáveis em termos Morais ou Éticos). Isto é, pelos mortos, pela corrupção, pelos crimes, pela degradação moral, que deixam no seu rasto. Duvido que a Democracia, neste momento, tenha no seu ranking menos mortos, crimes ou ataques do que as outras Utopias. Os Jogos Olímpicos estão a chegar a um gigantismo que ameaça, pelos seus efeitos colaterais, os próprios Ideais Olímpicos. Foi por isso que J. Rogge nomeou uma comissão para estudar este problema. E o assunto está a ser debatido nas principais revistas da especialidade por ocasião destes Jogos de Londres.

São estas questões que as Escolas e as Universidades deviam debater e ensinar, em vez de reduzirem o Desporto às «fontes gregas antigas» e à «motricidade/biomecânica». O Desporto tem que ser envolvido nas questões contemporâneas que pressionam a Sociedade. Envolvendo-o na questão do Desenvolvimento, como propus; e atualizando os autores das Ciências Sociais. O exercício de verificarem a bibliografia dos curricula das faculdades de desporto do nosso País é, acreditem, uma experiência elucidativa, acreditem.

Talvez

Anónimo disse...

Quando o Sr. Talvez termina com "E é o que está sempre ausente dos programas sobre Ética e Desporto que se vão sucedendo." termina mal... ou então não está ao corrente de que está em curso um Plano Nacional de Ética no Desporto (PNED), iniciativa do XIX Governo Constitucional sendo promovido pelo Senhor Secretário de Estado do Desporto e Juventude, sediado no Instituto Português do Desporto e Juventude, I. P.. e dinamizado pelo Gabinete de Coordenação do PNED.

joão boaventura disse...

Caro António Cunha

Sobre a sua observação que transcrevo:

«Relativamente ao ‘ranking’, dos ‘papers’ (vulgo artigo publicado em revista) apresentado por Jorge Bento, quer-nos parecer que João Boaventura não percebeu a ideia porque está fora daquilo que hoje se passa na Universidade. O que se passa é que se criou uma competição de “papers”, "papers" que, bem vistas as coisas, em demasiadas situações, não passam de “lixo científico”.»

Tenho o prazer ou a veleidade de lhe oferecer este texto:

Notas para uma teoria crítica da educação física.

Relativamente ao neoliberalismo, aí estou muito mais próximo das ideias de Bento - embora não as compreenda, como diz - do que das suas.

Se tomar atenção ao que se passa actualmente no nosso país, repare que o actual Governo é um lídimo representante do neoliberalismo.

E, se me permite, gostaria de acrescentar que as ideias ínsitas em "papers" desde o séc. IV a.C., pela literatura greco-latina, em comparação com os "papers" universitários do nosso tempo, não há comparação possível. Os antigos estavam mais adiantados, e os modernos continuam atrasados.

Sem ironia e com Cordialidade

jorge bento disse...

Caros leitores e animadores do blogue:
Estava longe de supor que uma reflexão tão curta e despretensiosa, como a minha, suscitasse tantos comentários.
Com efeito limitei-me a enaltecer o modo como a matriz da competição desportiva está sendo observada nos Jogos Olímpicos em curso. E trouxe à colação, pela negativa, o discurso da ‘competitividade’ predatória, inspirado na ideologia do neoliberalismo, hoje em alta, inclusive no setor universitário. No primeiro caso estamos perante uma prática de cultura, criação, educação, humanização e civilização. No segundo assistimos a uma regressão civilizacional e a uma queda no abismo da amoralidade.
Pelas reações geradas, constato que não consegui passar esta mensagem. Logo a culpa é minha.
Porventura fui excessivo na resposta que dei a Gustavo Pires, que eu estimo (tal como os outros comentaristas identificados). Porém, na minha reflexão, nunca falo no pensamento liberal e no liberalismo, nem explícita nem implicitamente; falo, sim, na versão do ‘neoliberalismo mercadológico’ que, a bel-prazer, reina no mundo, comanda o nosso país e invadiu a universidade portuguesa. Por isso considerei irrazoável ser acusado de cometer o pecado de deturpar o pensamento liberal e o liberalismo. Por este tenho respeito e tento cultivá-lo; mas não tenho obviamente nenhum apreço pelo neoliberalismo imoral, sempre sedento de mais ‘desregulamentação’, isto é, de não ter qualquer lei ou freio a travar a sua insaciável voracidade selvática para produzir ‘danos colaterais’. De resto, para os seus arautos, mandarins e mandaretes quanto maior for o número de tais danos e vítimas, mais elevado é o índice do seu sucesso.
Registo e agradeço os comentários; todavia considero que é tempo de passarmos a outro assunto. Encerro aqui a minha intervenção.

Anónimo disse...

Face a novas demonstrações e afiramações de novas ideias eu penso que a Cronica inicial do Doutor jorge Bento esta a dar mais frutos que ele proprio pensava e de forma democrática aceitando ocntraditório, só temos a aprender com esses comportamentos dos melhores e que colaboram com um blog especial sobre Desporto, Sociedade, autarquias e dirigdo com sabedoria que tem e mantem o Dr. Jose Manuel Constantino.
Bem hajam.. e o numero de particpantes tem sido uma novidade neste blog mas ainda tem espaço para novas intervenções dos mesmo autores ou outros e esclarecendo melhor os seus pontos de vista...
Obrigado a todos
AC

Luís Leite disse...

Em complemento ao que escrevi no meu comentário (o Homem busca o Poder e a fortuna) pretendo lembrar, na mesma linha de pragmatismo que utilizei mas que por aqui anda ausente, que a afirmação nacionalista está também na base da existência dos Jogos Olímpicos e do Desporto internacional.
A Universidade tem que compreender as motivações que existem e são incontornáveis, sem se limitar aos idealismos e utopias e às questões neuromotrizes.

Anónimo disse...

Caro Luís Leite:
Estamos de acordo. Entretanto, como perece desconhecer os trabalhos produzidos pelos académicos, aconselho a passar pelas bibliotecas das Faculdades e recomendo-lhe a sua leitura, desde logo os trabalhos de Gustavo Pires, Olímpio Bento, Manuel Sérgio, Proença Garcia e outros....
E com esta encerro esta questão.
Saudações.
AC
nota: recordo que os nomes mencionados tem obra feira e publicada há muitos anos e não fala de cor ou por mero circunstancialismo populista...

Anónimo disse...

Coitado do AC. Nunca vi tão grande confusão mental. Meteu os pés pelas mãos e agora tenta agradar aos "patrões". Com tanta coisa boa para ler nas bibliotecas...

Luís Leite disse...

Insisto apenas na ideia que mantenho (por experiência própria), de que o academismo sistematicamente se afasta da realidade pragmática quando se baseia em modelos teóricos e citações de autores.
A investigação séria obviamente aproxima a Universidade do mundo real.

Anónimo disse...

Coitado do Anónimo:
Eu AC, pelo menos, todos sabem quem sou.
Não me escondo atrás de anonimatos.
Quanto a patrões, nesta etapa da minha vida, já só tenho amigos que considero e estimo. De si não posso dizer o mesmo porque não sei quem é.
AC

Anónimo disse...

Agradeço ter sido lembrado por Gustavo Pires de que .
Será que esta afirmação é produzida como metáfora ou é mesmo para ser levada à letra.
Existe mesmo um espírito competitivo, independente de qualquer aprendizagem social?
A humanidade tem mesmo um código genético?
Todo o ser humano tem dentro de si, ao nascer, este "espírito"?
O ser humano, adverso à competição, não só a desportiva, poderá ser considerado "normal"?
Em meu entender, esta frase não é tão ingénua como isso. Condiciona todo o pensamento seguinte. O ser humano é competitivo, a humanidade é competitiva, se queres sobreviver sê competitivo. A seguir vem Luis Leite e, obviamente, mede todo o progresso humano no desporto através do número de medalhas.
Pelo menos J.Bento ainda anda à procura de uma razão científica para a existência do desporto. Valha-lhe isso.
Será que estas metáforas grandilocuentes só se usam em epístolas pessoais ou será que as teses científicas, neste domínio, também as usam como integradas no "state of the art" científico?

Anónimo disse...

Estou a gostar muito da pertensão que têm os cientista do treino da sala de aula, andarem anonimamente atrás do lider do treino desportivo e ele de férias bem longe nem imagina que falam dele.
És um dos maiores AA da nossa praça...
Agradeço os elogios em nome do meu amigo.
João Gabriel